MPF pede suspensão do Parecer 001/2017 da AGU e demarcação de terra indígena

A ação busca que Funai e União concluam a redefinição de limites da TI Tereza Cristina, em Mato Grosso, e sustenta que o Parecer da AGU viola a Constituição, as Leis e os Tratados Internacionais de Direitos Humanos

O Ministério Público Federal (MPF) em Mato Grosso (MT), por meio do Ofício de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais, ajuizou Ação Civil Pública (ACP) em face da Fundação Nacional do Índio (Funai) e da União, para que concluam o processo administrativo de identificação e redefinição dos limites da Terra Indígena Tereza Cristina, localizada no município de Santo Antônio de Leverger, região da baixada cuiabana. Os fundamentos da ACP são a demora do procedimento e a inconstitucionalidade do Parecer Normativo 001/2017 da Advocacia Geral da União (AGU), que, segundo a 6ª Câmara de Coordenação e Revisão (6ª CCR) do MPF, viola a normas constitucionais, infraconstitucionais e até mesmo Tratados Internacionais de Direitos Humanos.

O processo de redefinição de limites da TI Tereza Cristina, e consequente redemarcação por parte da Funai, para posterior homologação, teve início em 17 de maio de 1996, quando foi publicada a Portaria 299. Pouco mais de um ano depois, a portaria foi anulada judicialmente e depois administrativamente. Diante dos fatos, o MPF instaurou Inquérito Civil Público para que fosse reavivado, por parte da Funai, todo o procedimento de demarcação da TI Tereza Cristina. O objetivo era recuperar o território anteriormente pertencente ao povo Bororo, sem prejuízo do que estava demarcado. Desde então, já se passaram mais de duas décadas.

“Assim, mesmo depois de mais de 20 anos da instauração do Inquérito Civil Público 08100.029619/97-68, mesmo diante de todo o ocorrido, até o presente momento não há uma posição da Diretoria de Proteção Territorial da FUNAI quanto à continuidade do procedimento, acarretando incerteza e sofrimento ao povo Bororo”, afirma o procurador da República, Ricardo Pael Ardenghi, titular do Ofício de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais.

Nesse panorama de expressiva mora e ausência de perspectivas é que o MPF requereu a antecipação dos efeitos da tutela para declarar a mora do Estado brasileiro na demarcação da TI Tereza Cristina e para suspender os efeitos do parecer da AGU, determinando à Funai, com isso, que dê imediato prosseguimento ao processo de demarcação, concluindo os trabalhos de identificação e delimitação da sua área, e fixando o prazo máximo de 60 dias para a publicação do Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID), sob pena de multa diária de R$ 50 mil.

Já o pedido final, além da condenação definitiva da Funai e da União a concluir o processo de demarcação, no prazo máximo de 24 meses, sob pena de multa diária de R$ 50 mil, inclui, também, a condenação de ambas à obrigação de indenizar os indígenas, a título de danos morais coletivos, em valor não inferior a R$ 500 mil, que deverão ser revertidos em investimentos diretos em políticas públicas aos indígenas pertencentes à etnia Bororo, ocupantes da TI Tereza Cristina.

Para possibilitar o prosseguimento do processo de demarcação, o MPF requereu, ainda, a declaração incidental de inconstitucionalidade do Parecer Normativo 001/2017/GAB/CGU/AGU, “posto que ele, conforme disposto na profunda análise realizada pela Nota Técnica 02/2018-6CCR, viola a redação literal da Constituição, de Leis e de Tratados Internacionais de Direitos Humanos”.

TI Tereza Cristina

A antiga Colônia Indígena Tereza Cristina foi demarcada em 1896 pelo engenheiro militar Marechal Cândido Rondon. A superfície total era de 65.923 hectares, parcela reduzida do habitat dos Bororo do vale do São Lourenço. Dos quase 66 mil hectares destinados aos Bororo pelo Governo Provincial e demarcados por Rondon, 30 mil foram usurpados dos índios ao longo do tempo em razão da política fundiária, por atos arbitrários, contrários aos interesses da União, que comprometeram sobremaneira o direito do povo Bororo à terra.

A demarcação atual, realizada em 1976, sob a supervisão da Funai, veio concretizar o processo de expropriação territorial dos Bororo, estimulado pelos governantes do estado de Mato Grosso a partir da década de 50: a superfície atual é inferior à metade do território original: apenas 25.694 hectares.

Sob a proteção de decretos e leis – estaduais, federais, inconstitucionais –, consolidaram-se as invasões nas terras destinadas aos Bororo em fins do século passado. A área de terras demarcada por Rondon, no entanto, jamais deixou de ser referência dos índios e objeto permanente de suas reivindicações.

A mora estatal

Após a anulação da portaria que deu início ao processo de redemarcação da TI Tereza Cristina, de 1996, foi instaurado um Inquérito Civil pelo MPF, no qual foi informado pela Funai que os estudos de identificação e delimitação da TI haviam sido anulados e novos estudos deveriam ser realizados. Isto em maio de 1998.

Três anos depois, a Funai informou que não havia realizado novos estudos porque estava avaliando o possível aproveitamento do relatório já existente. Em julho de 2002, a fundação informou que o Departamento de Identificação e Delimitação estava contratando os serviços de um antropólogo para realizar o Levantamento Prévio da Terra Indígena, mas, oito meses depois, um novo ofício foi remetido pela Funai informando que os estudos ainda não haviam iniciado por causa de pendências relativas à forma de contratação do profissional na área de antropologia para coordenar o grupo técnico.

Passados pouco mais de dois anos, foi realizada uma reunião com representantes da etnia Bororo e da Funai, na qual foi requerida a conclusão do procedimento de revisão de diversas terras indígenas, incluindo a de Tereza Cristina. Na ocasião, o MPF solicitou a cópia integral de todos os processos de revisão das TI Bororo, não havendo até o momento registros de resposta à solicitação.

Mais cinco anos se passaram, e os representantes da etnia Bororo novamente demonstraram sua insatisfação com a falta de solução para a situação da TI, e pediram providências. Com isso, em setembro de 2010, o MPF solicitou à Funai informações atualizadas sobre a questão. A solicitação foi respondida apenas em abril de 2012, informando que novos estudos de limites da TI seriam realizados no início do semestre do ano em questão.

Em abril de 2013, novas informações da Funai deram conta que foram realizados os estudos de natureza etno-histórica, antropológica, ambiental e cartográfica necessários à identificação e delimitação da TI Tereza Cristina e que o respectivo RCID estava em fase de elaboração. Após três anos, em março de 2016, o órgão informou novamente que o RCID ainda não havia sido elaborado.

Em setembro de 2017, após diligências realizadas pelo MPF, a Funai apresentou informações acerca do processo de identificação e redefinição dos limites da TI Tereza Cristina, e argumentou que aguardava orientações mais precisas de instâncias superiores sobre como encaminhar os procedimentos já iniciados antes da edição do parecer da AGU, que veda a ampliação de terras indígenas já regularizadas, referente à TI Raposa Serra do Sol. Finalmente, em abril de 2018, a Fundação encaminhou documento informando que vários questionamentos surgiram após a edição do parecer da AGU e que estes foram encaminhados para a Procuradoria Federal Especializada junto à Funai, para que fossem dadas orientações sobre como proceder. Até o ajuizamento da ação não havia notícia de resposta.

O dano moral 

O procurador da República Ricardo Pael Ardenghi também destacou que, “mesmo tendo sidoautorizados os estudos em 2012, mesmo já tendo sido entregue em uma versão preliminar do relatório circunstanciado de identificação e delimitação em 2016, mesmo sendo necessária a realização de estudos complementares de natureza fundiária e cartorial, o procedimento de demarcação da Terra Indígena Tereza Cristina, que já dura mais de 20 anos, foi paralisado em razão do inconstitucional  Parecer Normativo 001/2017 da AGU”.

Por essa razão, na ação ajuizada pelo MPF, também foi pedida a condenação da Funai e da União a pagaremuma indenização pelos danos morais coletivos causados ao povo Bororo da Terra Indígena Tereza Cristina, em razão da demora na conclusão do processo de redefinição de limites, sob o fundamento de que, conforme já dito por Carlos Souza Filho, em seu livro O Renascer dos povos indígenas para o Direito, “um povo sem território, ou melhor, sem o seu território, está ameaçado de perder suas referências culturais e, perdida a referência, deixar se ser povo”.

Íntegra da ACP 1002351-95.2018.4.01.3600, em tramitação na 3ª Vara Federal.

Assessoria de Comunicação
Ministério Público Federal

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