Em audiência na Comissão de Direitos Humanos do Senado, indígenas Krahô-Kanela denunciam projetos que afetam vida do povo. Comunidade não foi consultada
O racismo institucional, assegurado pelos regimentos da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, se faz mostrar em todas as agendas com participação dos povos indígenas, em Brasília (DF). Na capital federal, a intolerância religiosa contra as espiritualidades indígenas demonstra para quem são feitas as políticas do poder legislativo. Além de paralisar as demarcações, impedem as manifestações espirituais dos povos na “casa do povo”.
“Quando essa casa viola o direito de nós entrarmos com nosso maracá e coloca o rótulo como sendo uma arma perigosa, ela está, na verdade, discriminando toda a cultura dos povos indígenas”, lamenta Babau Tupinambá, liderança indígena da Bahia. “Isto é a mais alta forma de nos indígenas invocarmos nosso criador, aquele que nos protege e nos dá forma de lutar e continuar lutando pelos nossos direitos. Isso acontece há 518 anos. Por favor presidente desta casa, revogue essa regra”, pediu o cacique Tupinambá a presidência do Senado após um grupo de indígenas ser barrado na portaria da casa por estarem com seus maracás.
O fato ocorre recorrentemente. A última vez foi na semana passada, quando uma delegação de indígenas Krahô-Kanela esteve em Brasília para trazer denúncias sobre os impactos ambientais das atividades criminosas que afetam os territórios tradicionais em Tocantins. Os atos feitos por grupos econômicos do agronegócio espalham consequências de extrema gravidade para a região, atingindo os povos indígenas e seu território. A situação foi relatada na Comissão de Direitos Humanos do Senado.
Estão matando nossos rios, envenenando nossas águas
O grupo de indígena denunciou a retirada ilegal de água dos rios Formoso, Javaé e Noroti por ruralistas no município de Lagoa da Confusão (TO). Outra triste realidade trazida pelas lideranças foi o uso indiscriminado de agrotóxico com graves consequências para o meio ambiente e a população da região. Só existe ainda mata na terra indígena.
“O Governo não demarca nossa terra por decisão política. Vivemos uma total paralisação da demarcação das terras”, lamenta Wagner Kraho Kanela. Além de não contarem com seu território tradicional demarcado, no momento apenas regularizado, o povo Krahô-Kanela afirmara que dos 16 grandes projetos que estão sendo instalados nessa região, nenhum deles tem relatório de impacto ambiental. Na audiência no Senado, descreveram a forma desrespeitosa como os fazendeiros chegam na região e instalam seus “empreendimentos”, sem nenhum consulta aos povos indígenas.
As consequência desses projetos desrespeitosos com a vida dos povos já são sentidas na região. No período da chuva, de janeiro a maio, a área tradicional fica alagada em mais de 90%, obrigando a saída de famílias indígena. Nas enchentes passadas, os Krahô-Kanela perderam toda a produção do povo. “Tudo isso acontece em total desrespeito a nossos direitos garantidos na Constituição e a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho da ONU. Ela garante às populações indígenas atingidas por empreendimentos a Consulta prévia, informada e consentida”, lamenta liderança Krahô-Kanela.
Uma delegação dos índios Tupinambá e Pataxó Hã-Hã-Hai, do sul da Bahia também participaram da audiência denunciando a situação de extrema violência que sofrem esses povos, com indígenas assassinados e os processos de regularização das terras totalmente paralisados.
Encaminhamento
Como encaminhamento da audiência, a Comissão de Direitos Humanos do Senado enviará ofícios ao presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai) e ao Ministro da Justiça (MJ) exigindo urgência na conclusão do processo de demarcação da Terra Indígena Mata Alagada, do povo Krahô-Kanela. Ainda, assumir rever regimento interno do Senado que impede entrada de maracás e instrumentos espirituais dos indígenas.
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“Maracá: é a mais alta forma de nos indígenas invocarmos nosso criador, aquele que nos protege e nos dá forma de lutar”. Foto: Laila Menezes/Cimi