Relatora da ONU prova, em estudo, que indígenas são guardiões das florestas

Por Amelia Gonzalez, G1

Um relatório divulgado esta semana pela Relatora Especial das Nações Unidas para os Povos Indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, é o que faltava para acabar de vez com a falsa imagem que alguns brancos construíram e fizeram “viralizar”, de que os índios são meros destruidores da natureza. O estudo encabeçado por Victoria, que se tornou uma ativista indígena internacional da etnia Kankana-ey Igorot, não poupa críticas ao movimento global de conservação, lembrando que a terra precisa ser conservada para os humanos. A mensagem é mais ou menos esta: meio ambiente sem gente é inútil.

Escrito em coautoria com a ONG norte-americana Rights and Resources Initiative (RRI), o estudo condena, explicitamente, a ideia de que para proteger florestas e preservar a biodiversidade é preciso isolar alguns territórios, transformando-os em unidades de conservação.

“Este modelo – favorecido pelos governos há mais de um século – ignora as crescentes evidências de que as florestas prosperam quando os povos indígenas permanecem em suas terras e têm direitos legalmente reconhecidos para gerenciá-las e protegê-las”, disse a autora à reportagem do jornal britânico The Guardian.

Até porque, para criar as tais “áreas protegidas”, denuncia o relatório, os homens brancos submeteram os índios a impactos devastadores.

“Cerca de 250 mil pessoas despejadas à força de suas casas e terras entre 1990 e 2014. Casas foram incendiadas, acesso a terras e locais importantes negados, assassinatos cometidos, conflitos sociais, acesso à Justiça obstruído e soberania alimentar corroída por proibições à caça de subsistência e à ‘difamação’ e ‘criminalização’ da agricultura ‘derrubada e queimada’. Na Índia, por exemplo, de acordo com um relatório de 2017 da British Broadcasting Corporation, as autoridades do Parque Nacional de Kaziranga, na Índia, foram responsáveis por 106 assassinatos – incluindo idosos e crianças – nos 20 anos anteriores. Áreas protegidas causaram – e continuam a causar – padrões crônicos de abuso e violações de direitos humanos em larga escala. E, embora os povos indígenas e as comunidades locais habitualmente possuam mais de 50% das terras do mundo, eles só têm direitos legais seguros para 10%”, diz o relatório.

Nos últimos 14 anos tem sido assim, e nada foi feito para mudar este cenário. De verdade, os povos indígenas deveriam ser vistos como “gestores efetivos de biodiversidade e conservação” e “guardiões primários da maioria das florestas tropicais remanescentes do mundo e dos hotspots de biodiversidade”, lembra o relatório.

Para aqueles que gostam de dados mais específicos, o estudo os produziu aos montes. A perda de cobertura de árvores, por exemplo, é inferior à metade nas terras indígenas, quando comparados a outros lugares. Sobretudo quando têm o direito à terra reconhecido, aí mesmo é que os indígenas são capazes de dar uma aula prática sobre como evitar os impactos que aceleram o aquecimento do planeta. Mas, quase ninguém reconhece. O financiamento oficial para terras protegidas , segundo o relatório, é estimado em 6 a 6,5 bilhões de dólares, mas esse valor não chega aos indígenas, apenas uma pequena porcentagem.

Tem mais dados: em 2004, a Forest Trends publicou um relatório documentando as contribuições dos indígenas e das comunidades locais para a conservação da biodiversidade. Tal estudo mostrou que os estimados 370 milhões de hectares de áreas florestais pertencentes à comunidade ou designadas para a comunidade frequentemente coincidiam com áreas de alta biodiversidade. A análise estimou que as comunidades investiram de US $ 2 bilhões a 4 bilhões por ano em gestão de recursos e conservação, equivalente a um quarto do montante gasto para conservação em todas as áreas protegidas em todo o mundo.

A questão crucial é descrita por um líder de Kasepuhan, tribo da Índia, ouvido para o relatório: “A conservação tem significados diferentes para pessoas com ou sem educação. Para a população local, estamos fazendo conservação, estamos assumindo a responsabilidade pelo que está vivo e o que morreu. Mas para pessoas com educação, conservação significa que não fazemos nada: quando a floresta é verde, as pessoas só podem olhar para ela”. Faz todo sentido, ou não?

Vamos lembrar a pioneira do ativismo ambiental, Rachel Carson, que escreveu “Primavera Silenciosa”, em 1952, considerado por muitos a bíblia do ambientalismo. Carson denunciou o uso abusivo de substâncias tóxicas no meio ambiente, um dos muitos impactos que somente o homem branco, ocidental, causa às terras que ocupa. Os índios conseguem se alimentar sem precisar aspergir veneno nas plantações.

Portanto, não é preciso manter intactas as florestas, mas saber usar seus bens para tirar delas aquilo de que a humanidade precisa, sem causar impactos destruidores. Mas, para isso, é preciso também não ceder ao desenvolvimentismo, coisa que se impregnou em nossa humanidade nos últimos tempos. É impactante a frase com a qual Victoria Tauli-Corpuz encerra a apresentação do estudo coordenado por ela:

“Os líderes mundiais têm uma solução poderosa na mesa para salvar as florestas e proteger o planeta: reconhecer e apoiar os povos indígenas do mundo. Temos sido uma solução comprovada para a mudança climática por gerações. Reconheça os nossos direitos e podemos continuar a fazê-lo para as gerações vindouras.”

Bom para refletir.

Foto: Ruy Sposati/Cimi.

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.

3 × dois =