Crianças indígenas são mais da metade dos abrigados à espera de adoção em Dourados, MS

O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê que crianças indígenas devem ser adotadas por índios. Em 15 anos, apenas 2 crianças foram adotadas por não-indígenas

Por Jaqueline Naujorks e Danúbia Braga, no G1 MS

O município de Dourados, região sul de MS, tem a maior reserva indígena urbana do país. Nela vivem cerca de 15 mil índios, a maioria da etnia Guarani-Kaiowá. Segundo o juiz da vara da infância e adolescência de Dourados, Zaloar Murat Martins de Souza, a comunidade indígena enfrenta um problema cultural que reflete diretamente no número de crianças recolhidas a abrigos da cidade:

“O alto índice de alcoolismo, dependência química, falta de cuidado, tudo isso está ligado ao estado em que essas crianças vivem nas aldeias e os motivos de serem recolhidas” explica.

Preferencialmente, essas crianças deveriam voltar para a família em pouco tempo, mas em alguns casos, elas ficam por anos em instituições de acolhimento. Hoje, de 25 crianças abrigadas em 4 lares, 14 são indígenas.

A assistente social Monica Marim, diretora do Lar Santa Rita em Dourados, conta que a situação em que vivem os pais, em muitos casos, é comum a outros entes da família: “Além dos problemas com álcool e drogas, existe ainda o histórico de violência sexual, de desnutrição e abandono. Muitas vezes esse quadro é o mesmo dos parentes próximos da criança” conta.

Segundo a assistente social, como a preferência é da família, nem sempre com o recolhimento da criança os pais procuram ajuda ou se tornam aptos a recebê-la de volta:

“Neste caso, outro familiar é procurado, mas caso ninguém queira receber essa criança, ela volta para os abrigos. Muitas vezes, quando voltam para a aldeia, elas retornam para a gente em condições ainda mais precárias. Tivemos o caso de uma menina que foi devolvida à família, viveu com um tio de dezembro do ano passado até julho deste ano, e veio a óbito em decorrência de violência sexual”, lamenta.

Na vara da infância, 40 casais estão cadastrados para adoção, já com a documentação necessária. Segundo o juiz, o Estatuto da Criança e do Adolecente prevê que a criança indígena deve ser criada dentro da comunidade:

“A lei prevê que seja dessa forma, exceto em casos excepcionais, quando esse processo leva muito tempo e a criança não tem a chance de voltar para a aldeia. Neste caso é possível que seja feita a adoção por parte de famílias não-indígenas”, explica.

Em 15 anos, apenas 2 crianças foram adotadas por famílias de não-índios.

Curso de adoção para famílias indígenas

A assistente social Valdirene Schmitz Pereira explica que o problema é a baixa quantidade de famílias indígenas em condições de adotar essas crianças. Por isso, a vara da infância e da juventude da cidade criou o projeto “Adotar”, um curso que prepara famílias indígenas para que sejam incluídas no cadastro de adoção:

“Existem famílias que podem, que compreendem o que é adotar uma criança, que não vêem isso como algo ruim. No curso nós abordamos questões jurídicas, sobre vínculos de filiação com a nova família, orientamos a preencher o requerimento, entre outras orientações necessárias”, conta Valdirene, que é coordenadora do projeto.

“O principal é falar sobre quem é esse filho que vem por adoção, que o amor é construído e é preciso paciência porque a criança pode trazer lembranças difíceis, e principalmente, que filho adotivo é para sempre, não pode ser devolvido”.

No curso, que aconteceu nos dias 07 e 08 de agosto na aldeia Bororó em Dourados, foram conferidos 20 certificados. Para a coordenadora do projeto, foi um número muito bom: “Tivemos famílias da aldeia Bororó, Jaguapiru e ainda indígenas de Laguna Carapã. A ideia agora é expandir o projeto para atender mais famílias”.

“Amor por aquele que não é seu”

Mirian Francisco é casada há 9 anos e vive na aldeia Jaguapiru, em Dourados. Há pouco mais de 3 anos ela e o marido adotaram 4 crianças indígenas e a vida mudou completamente: “Nós nunca tivemos filhos, então nossa vida era aquela vida de qualquer casal sem filhos, né? Depois que eles vieram, foram novas experiências, foi bênção, foi muito bom” relata.

A família vive na aldeia é acompanhada pelas equipes de assistência social. Para a mãe, muito mais do que adotar crianças de sua própria etnia, receber os 4 filhos é um ato de acolhimento e amor:

“É importante o índio pegar, mas que ele tenha amor pelo próximo, por aquele que não é seu, mas vai se tornar”, finaliza.

A equipe do G1 enviou à Funai perguntas sobre a diferença entre o número de crianças indígenas nos abrigos e o de famílias aptas para a adoção, e questionou sobre a presença da instituição no acompanhamento de casos de reintegração das crianças com as famílias nas aldeias. Até a publicação desta reportagem, recebemos por telefone a informação de que as perguntas foram encaminhadas aos responsáveis, e que as respostas serão enviadas em um prazo máximo de 48 horas.

Casal da aldeia Jaguapiru adotou 4 crianças indígenas em Dourados, MS. Foto: TV Morena

Comments (21)

  1. Olá gostaria de saber como fazer o cadastro para a adoção. Gostaríamos muito eu e meu esposo adotar um bebe indio , pois temos problema de fertilidade e nos encantaria ser pais.

  2. Boa tarde, gostaria de adotar irmãos indígenas, de preferencia dois
    Moro em Goiás. Já tenho cadastro para adoção.

  3. Qual seria o processo para adotar uma criança indigena? Sou casada moro na Bélgica já tenho uma filha adotada com descendência africana.
    Seria possível??

  4. Sandra Martins da Silva .gostaria é meu sonho adotar uma menina indígena uma bebê Índia tenho 41 tenho uma filha de 8anos filha única ela também quer ter muito uma irmã moro em Penápolis SP

  5. Eu e meu esposo não tivemos filhos, temos muita vontade em adotar uma criança e lendo essa reportagem ficamos interessados em poder adotar uma criança indígena . Isso seria possível? caso seja possível como devemos proceder?

  6. Meu sonho é adotar um filho índio. Sou do interior do estado do Rio, como faço pra adotar um menino índio ??????????w

  7. Eu tenho interesse em adotar um bebê indígena como funcio o processo e como faço para entrar em contato com alguém que pode falar sobre o assunto sou de( Confresa MT)

  8. Entendo e compartilho da sua aflição, Rejane. Mas, em lugar de mudar a lei, neste caso acho que a questão real, que a matéria equivocadamente ignora, é cumprir a lei. Cumprir a Constituição, em especial nos seus artigos 231 e 232, que tratam especificamente dos direitos dos povos indígenas. Se todos os territórios indígenas tivessem sido reconhecidos e homologados até 1993, dentro do prazo de cinco anos estabelecido pela Carta, não teríamos o desespero das ‘aldeias’ de beira de estrada, onde comunidades inteiras olham suas terras cercadas e cobertas de soja e de cana do outro lado da cerca, como acontece tanto em Mato Grosso do Sul. O resultado disso é miséria, fome, desespero, revolta. O que leva à desestruturação das famílias, ao alcoolismo e ao suicídio, em muitos casos. Nesse quadro de total negação de direitos e de cidadania, tratados como bichos, os índios são por nós desumanizados.

    Desumanos não são eles, quando não adotam novas crianças; desumanos somos nós, que permitimos que eles tenham menos direitos que o gado que pisa e arrasa suas terras.

  9. Moro no Rio e gostaria de saber como proceder, quais os requisitos necessários essa lei tem q mudar ! Para o bem das crianças.

  10. Sonho em adotar uma criança indígena ??, sou do estado de São Paulo, como procede nesses casos ??

  11. TENHO INTERESSE EM ADOTAR UMA CRIANÇA. MEU MAIOR SONHO É SER PAI. COMO PROCEDO? QUERO UMA AJUDA

  12. Eu quero adotar um. Como procedo?
    Essas leis de que índios devem ser adotados apenas por indígenas é inconcebível. Bolsonaro poderia mudar isso. Tenho certeza de que muitos índios seriam adotados e criados com amor.

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.

cinco × um =