Quando terreiro e aldeia se encontram, o Ubuntu e o Bem Viver se fortificam

Por Haroldo Heleno, Equipe Sul e Extremo Sul da Bahia, do Cimi Regional Leste

Ao som dos Tambores, balançar dos Maracás e as ancestralidades Bantu/Indígena passeando pelas Matas Sagradas do Terreiro do Campo Caxuté aconteceu entre os dias 08 a 11 de agosto de 2018 a 5ª Vivência Internacional da comunidade, com o tema: “A ancestralidade Bantu-indígena: na luta pelo Ubuntu e pelo Bem Viver”.

Uma breve apresentação da comunidade e os objetivos deste encontro, extraído do seu site:

A Comunidade de Terreiro do Campo Bantu-Indígena Caxuté, (re)existe a quase duas décadas e meia em Valença, no Baixo Sul da Bahia. E vem sendo construído há mais de duas décadas sob a liderança da sacerdotisa Afro, Mam´etu Kafurengá (Mãe Bárbara) inspirando-se no legado da Mam´etu Kasanji (Mãe Mira). A Comunidade Caxuté situa-se no povoado de Cajaíba (Valença – BA) e é banhada pelo Rio Graciosa, rodeada pelo manguezal, dendezeiros e pela biodiversidade que pulsa da Mata Atlântica. Assim a ndanji (raiz) Caxuté se “esparrama” pelo mundo através das raízes da frondosa Gameleira de Kitembu[i].

Há aproximadamente 15 anos, a Comunidade Caxuté, tem buscado avançar na busca de estratégias de resistência coletiva, que associem a defesa da ancestralidade e o fortalecimento de iniciativas que superem às injustiças sociais, a discriminação e as desigualdades. Neste sentido, temos construído com a força d@s ancestrais e com o protagonismo do nosso povo, um território de referência na defesa do legado ancestral Bantu-Indígena no interior da Bahia, pois, além de ser um local destinado a celebração dos Nkisi[ii] e Caboclos[iii], também tem se tornado um espaço de resistência popular a partir da Primeira Escola de Religião e Cultura de Matriz Africana do Baixo Sul da Bahia – Escola Caxuté que foi reconhecida com os Prêmios de Culturas Afro-brasileiras oferecido pela Fundação Palmares no ano de 2014 e de Patrimônio da Salvaguarda Cultural concedido pelo IPHAN em 2015, a partir do Museu da Costa do Dendê inaugurado em 2017, através das ações em defesa das mulheres, do povo negro e do legado biocultural nas roças e matas.

Em meio ao cenário em que vivemos em todo o nosso país, sabemos que somente com a união e mobilização dos povos e todos sujeitos que possuem compromisso com a justiça social é que poderemos avançar rumo a dias melhores no Brasil. Este ano temos marcos importantes a debater: os 130 anos da lei áurea e seus impactos na vida do povo negro; os direitos efetivados e renegados em 30 anos de Constituição Federal, após a redemocratização do país; os 10 anos da Lei 11645/08 que acrescentou o ensino da história e cultura indígena à lei 10639/03 que previa o ensino da história e cultura Afro-Brasileira.

Neste sentido a Comunidade Caxuté junto aos seus parceiros de caminhada pela Agroecologia, Soberania Alimentar, Educação Emancipadora e em Defesa dos Territórios Tradicionais, lançam mais uma atividade do Projeto Viver Terreiros (ações permanentes planejadas pelo Coletivo Koiaki Sakumbi, Escola Caxuté e demais parcerias). Nossa 5ª Vivência Internacional da Comunidade Caxuté, que tem objetivo de mobilizar organizações sociais e às instituições públicas que combatem o racismo e demais desigualdades sociais”

Contando com a presença de representantes dos Povos Indígenas Pataxó HãHãHãe e Tupinambá de Olivença, além de diversas Entidades parceiras (MPP, MST, CIMI, Teia dos Povos, Levante Popular da Juventude, assim como representantes de Universidades  (Universidade Federal do Recôncavo da Bahia – UFRB, Universidade Federal de Feira de Santana – UEFS, Universidade Federal da Bahia -UFBA, Universidade de São Paulo – USP, Universidade do Estado da Bahia – UNEB), também se fez presente o secretario parlamentar da Comissão Especial de Promoção da Igualdade da Assembleia Legislativa do Estado da Bahia – CEPI.

A vivência teve seu início ainda no dia 08/08 por volta das 20:00h quando foi acessa a fogueira de Nzazi e Lwangu[iv]. Na manhã do dia 09 a Comunidade Caxuté fez uma belíssima recepção, denominada “Tempo para o Mundo” e no período da tarde teve início as rodas de diálogos, giras de Saber. A primeira dela refletiu sobre: “Navegando na herança diaspórica do Baixo Sul da Bahia: o Museu da Costa do Dendê, sendo conduzida por Taata Luangomina e Comunidade. Teve também um momento de Prosa e Trabalho: compartilhando “saberes e labores” no Caxuté – Comunidade Caxuté e tod@s participantes e para fechar a tarde uma roda de conversa sobre: “Movimentos Populares e Povos e Comunidades Tradicionais em defesa dos territórios e da efetivação dos direitos sociais” com a participação do MPP, MST, CETA, Levante Popular da Juventude e coordenado pelo GAJUP.

Na parte da noite tivemos uma reflexão sobre: “Ubuntu e o legado ancestral Bantu no Baixo Sul da Bahia” com membros do terreiro Caxuté, Koiaki Sakumbi e Marcelo Santos, Secretário Parlamentar da CEPI – Comissão Especial de Promoção da Igualdade / Assembleia Legislativa da Bahia.

A manhã do dia 10 começou bastante movimentada, com a atividade da Ginástica dos Mikisi[v]. seguida de uma Caminhada ancestral pelo território biocultural do Caxuté. Perto do meio dia, tivemos uma Gira de Saberes com o tema: “Rumo a VI Jornada de Agroecologia da Bahia”; o espaço foi mediado pelo Prof. Carlos Adriano com a participação de D. Maria Muniz (Pataxó HãHãHãe), Joelson e Solange (Assentamento Terra Vista), com Manuela e James do GAIA representando a Teia dos Povos contaram como vem se dado as construções das Jornadas de Agroecologia aos longo destas cinco jornadas anteriores. A mesa seguinte [foi] formada pela Mam´etu Kafurengá (Mãe Bárbara) e o professor Tiago Rodrigues representando a Coordenação de Educação no Campo /CEF/URFB, [que] discutiram: “Pedagogia do Terreiro e Escola Caxuté: Por mais educação de resistência”, tendo como mediador o professor Francisco Nascimento.

Um dos momentos mais emocionante e cheio de manifestações, foi após a apresentação da Roda de saberes: “Corpos, Cultura e Educação”, proferida pelo Prof. Kabengele Munanga (professor titular sênior da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas- FFLCH da USP). Após a riquíssima explanação de Kabengele, a Mame’tu Kafurengá o empossou como Soba (Rei) de Kitembu, da Comunidade Bantuindígena Nzo Nkasuté.

À noite a Roda de saberes foi formada pela professora Maria Muniz Pataxó HãHãHãe, pelo cacique Ramon Itajybá Tupinambá e pelo representante do Conselho Indigenista Missionário Haroldo Heleno, que abordaram o tema: “Tecendo o Bem Viver e decolonizando o saber”. Ainda tivemos uma oficina de Turbantes realizada pela Dani Jeje da Casa do Boneco de Itacaré e finalizamos a noite com a atividade: Esperando o Tempo passar: Preparando o mutuê (cabeça) para sentir Kitembu (Divindade Bantu).

No sábado foi o grande dia da Kizoomba Maionga[vi]: “Da Maionga ao Nguedia com Tempo”. Traduzindo, foi o dia oficial da Festa maior, pois na verdade todos os dias foram dias intensos de festejar a Vida, O Conhecimento Ancestral e partilhado, a Resistência Negra/Indígena e Popular. Na mesa da Pedagogia do Terreiro Mam´etu Kafurengá (Mãe Bárbara) diz que: “Ao conectarmo-nos às raízes da Gameleira giramos saberes e fazeres acerca do “pensamento Bantu Indígena: em defesa da memória biocultural, ancestralidade, território e resistência” Durante os dias de atividades, sentimos, construímos e compartilhamos nguzu por meio do giro de sabedorias milenares preservadas com muita luta pelos povos negros e vermelhos que resistiram e resistem corajosamente aos tiranos que tentam usurpar nosso território.

Heráclito dos Santos Barbosa (Táta Luangomina) em seu trabalho “Elementos da Identidade Bantu da Nação Angola na Costa do Dendê”, apresentado no 41º Encontro Anual da ANPOCS – SPG29 Religiões e fronteiras: da (re)composição das crenças a (des)regulação dos marcos territoriais, nos diz que: “Esta comunidade plural tem se posicionado como um núcleo de articulação territorial e para isso tem feito importantes alianças dentro do movimento negro e indígena de nosso país, e uma delas é com a Teia dos Povos[vii] que tem como principal objetivo aproximar a luta das comunidades tradicionais, movimentos sociais e militantes comprometidos com a defesa dos territórios tradicionais, a educação do campo, agroecologia e a soberania alimentar.  A Comunidade Caxuté, tem manifestado um posicionamento político-ideológico de enfrentamento ao racismo e aos ataques sofridos pelos povos oprimidos afro-brasileiros, buscando a cada dia forças (ngunzu) e dedicação aos/nos seus ancestrais e divindades indígenas e africanas. Por meio do intenso diálogo e vivências, intercâmbios, trocas de experiências”. Tudo isto dito por Táta Luangomina em seu trabalho e muito mais pudemos presenciar e vivenciar nesta 5 ª Vivencia do Terreiro Caxuté.

A palavra que tenho é a de GRATIDÃO, por ter vivenciado todos estes momentos de nguzu dos Povos Negros e Indígenas, que não percamos a esperança mesmo em tempos tão “temerosos”; afinal os Povos Indígenas nos ensinam que é preciso: RESISTIR, RESISTIR, RESISTIR PARA EXISTIR!

Notas:

[i] Divindade da Vida e da Evolução.  Leia mais sobre a lenda Kitembu e a criação de sua bandeira: https://tatakiretaua.webnode.com.br/materias/lenda-de-kitembu-e-a-origem-de-sua-bandeira/

[ii] Divindades/Ancestrais vinculados a elementos da Natureza cultuados nos Terreiros da Cultura Bantu

[iii] Divindades/Ancestrais com fortes influências indígenas cultuados também em Terreiros da Nação Angola.

[iv] Nzazi-Lwangu ou Kambaranguanji é a divindade dos raios e dos trovões. Ligado à justiça, ao fogo e de natureza arrojada

[v] Minkisi ou Mikisi (plural do termo kikongo Nkisi, “receptáculo”), divindades da cosmovisão Bantu.

[vi] Um conjunto de iniciativas alicerçadas em práticas sociais e culturais enraizadas na cosmovisão Bantu, compartilhada pelos Povos de Terreiro, oriundos da tradição Angola.

[vii] A Teia dos Povos é um Movimento Agroecológico que tem sua criação como desdobramento da I Jornada de Agroecologia da Bahia, no ano 2012, no Assentamento Terra Vista, no município de Arataca no sul da Bahia. A Teia luta pelo desenvolvimento, empoderamento e emancipação dos grupos da militância como os acampamentos, assentamentos, quilombolas, indígenas, pescadores, marisqueiras, mestres dos saberes e fazeres, pequenos produtores, estudantes, pesquisadores, profissionais em Agroecologia e terreiros.

 

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.

16 − nove =