Direitos das crianças e adolescentes em risco

Por Pedro Calvi / CDHM

O Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), foi criado em julho de 1990. É um conjunto de medidas feitas a partir da Constituição de 1988, que reconhece as crianças e adolescentes como cidadãos com direito à educação, alimentação e convivência familiar e comunitária, entre outros pontos. Ao longo desses 28 anos, o ECA garantiu avanços significativos na construção e execução de políticas públicas. Além disso, consolidou marcos normativos e regulatórios relevantes para a área da infância e da adolescência. Porém, alguns problemas como o corte de recursos para os programas sociais, através da Emenda Constitucional 95 de 2016, preocupam instituições e a sociedade civil.

Esse foi o ponto de partida da audiência pública da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM) nesta quarta-feira (29), para marcar essas quase três décadas de ECA.

“Estamos preocupados com as constantes ameaças de retrocessos, ainda em discussão no Legislativo, como a redução da idade penal, o aumento do tempo de internação e alterações da Lei do Jovem Aprendiz. Além das ameaças às políticas sociais no Brasil, o que impacta também na execução das políticas para a infância e adolescência e o impacto disso no Sistema de Garantia de Direitos”, pondera Marco Antônio Soares, presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda).

Marco coloca ainda a necessidade de implementação do Comitê de Participação de Adolescentes (CPA), formado por 47 jovens de diferentes regiões do país. A formação desse Comitê já foi deliberada nas três últimas Conferências Nacionais dos Direitos da Criança e do Adolescente. Mas, por questões burocráticas ainda não saiu do papel.

Pontos de vista

Nesses 28 anos, o ECA continua alvo de críticas e polêmicas. De um lado, especialistas afirmam que o estatuto ajudou o país a concretizar uma cultura de direitos à saúde, alimentação, educação e formação profissional, entre outros pontos. Mas, principalmente direito à dignidade. Porém, para crianças e adolescentes em conflito com a lei ou em situação de risco, sobrou um sistema socioeducativo superlotado e sem condições de fazer uma reabilitação adequada.

Para Luis Carlos Martins Alves, secretário Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, o ECA é a maior e mais importante conquista para os direitos dessa população.

“Uma conquista civilizatória, com avanços no campo da saúde, da educação e com a queda da mortalidade infantil, por exemplo. O Estatuto traz dignidade. Porém, vivemos um momento delicado, com um aumento  macabro dos números de casos de abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes. Pedimos também que o Congresso discuta o que está em pauta no STF, que é a educação formal dos jovens em casa com a orientação dos pais e não mais sendo obrigatória nas escolas”, enumera Luis Carlos.

“Tivemos avançamos em políticas públicas e leis nesses 28 anos de Estatuto. Foi criada uma estrutura com os conselhos tutelares e os conselhos de direitos, tudo depois do ECA. Mas está acontecendo um processo de desconstrução rápido e veloz de tudo isso que foi conquistado. Até na vacinação conseguiram retroagir. Estamos vivendo um estado de exceção”, alerta Domingos Sávio Dresch da Silveira, procurador federal substituto dos Direitos do Cidadão.

Márcia Rocha, secretária-executiva do Fórum Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, lembra que o país tem a mais alta taxa mundial de letalidade de crianças e adolescente. De acordo com ela, uma pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o Atlas da Violência, aponta que os brasileiros entre 15 e 29 anos são a faixa da população que mais corre risco de morte.

A promotora de justiça de Defesa da Infância e Juventude do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, Luisa de Marillac Xavier lembra que, com o ECA, crianças e adolescentes passaram a ser sujeitos com direitos.

“São pessoas em desenvolvimento e com prioridade absoluta. Construímos nesse período uma rede, uma organização com princípios de funcionamento, na defesa, promoção e controle das políticas públicas. Mas não precisamos só de políticas públicas, também precisamos de ações. O aprendizado continua e temos que ter coragem para deixar de criminalizar nossas crianças e adolescentes”, afirma.

Também participou do debate Glicia Salmerón, do Comitê Nacional de Enfrentamento contra a Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. “Não podemos deixar de admitir a importância do protagonismo juvenil. Eles, os jovens, é que sentem na pele a falta da garantia que o Estado não dá”.

“crianças e adolescentes não devem estar no chão das ruas, mas no orçamento da União”

O adolescente David Alves da Silva, de 15 anos, do Comitê de Participação de Adolescentes, reiterou em breves palavras a preocupação com três pontos discutidos na audiência. “Não queremos a redução da idade penal, o aumento do tempo de internação e mudanças Lei Jovem Aprendiz, que tira muitos jovens da marginalidade”, conclui o rapaz.

O encontro foi proposto pela deputada Erika Kokay (PT/DF).

“O desmonte nas políticas sociais para a criança é notório, e é imperativo que os representantes dos órgãos que formam o Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente estejam permanentemente articulados para impedir esses retrocessos de direitos até então conquistados. Nossas crianças e adolescentes não devem estar no chão das ruas, mas no orçamento da União. E a lógica de diminuir a idade penal e aumentar o tempo de internação é punitivista, e só serve como desculpa para não fazer o que deve ser feito corretamente, que é cumprir a lei”, observa a deputada.

A CDHM é presidida pelo deputado Luiz Couto (PT/PB).

Foto: Claudio Fachel.

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