A Diversidade e Aplicabilidade do Termo Territorial Coletivo: EUA, Porto Rico, e Quênia

por Victoria Fanibi, em RioOnWatch

Um Termo Territorial Coletivo, ou TTC (Community Land Trust, CLT, na sigla em inglês), é uma organização sem fins lucrativos gerenciada pela comunidade e estabelecida para fornecer moradia permanente a preços acessíveis, e para construir ativos comunitários no território que possui e governa. Todo TTC no mundo é caracterizado por cinco qualidades: (1) adesão espontânea de seus participantes; (2) propriedade coletiva da terra através do TTC que é dono da terra; (3) casas de propriedade individual dos moradores; (4) controle comunitário sobre o TTC; e (5) moradias a preços acessíveis por perpetuidade. Com isso, todos os TTCs são controlados pela comunidade e baseados na cooperação de parceiros interessadas.

Esta matéria abrange cinco diferentes TTCs já existentes no mundo–do modelo original, criado no sul dos EUA, passando por sua aplicação na era pós-industrial em Boston e em Albuquerque, até assentamentos informais no Quênia e em Porto Rico–e explora o potencial do formato do TTC como um modelo para o desenvolvimento sustentável.

New Communities (Novas Comunidades): Primeiro TTC foi criado para promover a dessegregação e a independência em Albany, Georgia, nos EUA

New Communities, localizado em Albany, na Georgia, é frequentemente reconhecido como o primeiro TTC. Criado na década de 1960, na onda do Movimento dos Direitos Civis nos Estados Unidos, o New Communities pretendia atingir independência política e econômica para fazendeiros afro-americanos. Os fundadores, que foram essenciais para o movimento local de dessegragação, foram motivados pela certeza de que a posse legal e reconhecida de terras era a única forma dos afro-americanos garantirem sua independência e segurança fundiária. Com o estabelecimento do TTC, os membros da comunidade coletivamente adquiriram 3000 acres (12 milhões de metros quadrados) de terras agrícolas e 2000 acres (8 milhões de metros quadrados) de bosque, que, na época, era a maior terra possuída por afro-americanos nos Estados Unidos.

“Nos teria permitido realizar negócios internacionais, criar um sistema de distribuição de alimento, do Norte ao Sul, e construir uma base local de fazendeiros, dos quais poderíamos comprar… desenvolvimento cooperativo: compra, venda, reservas e armazenamento.” – Charles Sherrod, cofundador do New Communities

Dudley Street Neighborhood Initiative: “Desenvolvimento sem deslocamento” em parceria com o governo municipal em Boston, MA, EUA

Dudley Street Neighborhood Initiative–DSNI foi criada em 1984 para garantir o “desenvolvimento sem deslocamento”. A iniciativa foi a primeira organização comunitária nos Estados Unidos que conseguiu a autoridade de domínio eminente–o poder de adquirir terras privadas para uso público.

Em 1987, logo após sua fundação, DSNI projetou seu Plano de Revitalização, que foi adotado e financiado pela Prefeitura de Boston. O plano traçou prioridades incluindo a reativação do serviço ferroviário comercial, a construção de uma estufa comunitária e a geração de parcerias para melhorar a qualidade das escolas da região. Em 2016, a DSNI foi reconhecida pelo seu papel crítico nos esforços de desenvolvimento comunitário de base por toda a cidade, sendo selecionada como uma parceira no planejamento e implantação do plano federal Choice Neighborhoods (Bairros Selecionados), concedido em Boston.

O conselho de diretores da DSNI é reconhecido por garantir que todas as origens étnicas da comunidade–negros, latinos, cabo-verdianos e brancos–tenham participação por igual.

“Levantar a nossa voz: é a coisa mais poderosa que você pode imaginar.” – Morador do Triângulo da Rua Dudley

“Os que vivem aqui, os que estudam aqui, precisam estar envolvidos.” – Líder comunitário da DSNI

“[O TTC] permite que os moradores demandem o melhor e que tenham parcerias… que trabalhem por eles.” – Líder comunitário da DSNI

“Acreditamos que todos no bairro são mobilizadores. De fato, todo mundo no bairro é um agente de mudança.” – Morador do Triângulo da Rua Dudley

Tanzania-Bondeni: Um legado em Voi, no Quênia

O TTC Tanzania-Bondeni na cidade de Voi é o primeiro desse tipo no Quênia. O TTC foi implantado entre 1990 e 2004 através de um piloto de uma iniciativa de urbanização de ocupações informais do governo queniano, em parceria com agências internacionais. Com a criação do TTC, os moradores das ocupações informais de Tanzania-Bondeni ganharam acesso à posse de terras em seus povoados e têm lutado por justiça social, educação comunitária e equidade na alocação de terras. A comunidade e as agências envolvidas esperam que o TTC possa ser usado como um modelo de desenvolvimento de outros TTCs no Quênia.

“Se decidirmos optar por escrituras individuais, algumas pessoas vão passar a vendê-las. E o que vai acontecer com as crianças? Onde vão morar?” – Mama Fatima, moradora da Tanzania-Bondeni

“Estou convencido… de que isso pode ser replicado em qualquer lugar.” – Gideon Muindi, ex-atendente no Conselho Municipal de Voi

Sawmill: Recuperando parques industriais e garantindo acessibilidade em Albuquerque, NM, EUA

O TTC de Sawmill, fundado em 1996, tem como objetivo confrontar os crescentes valores imobiliários e a poluição de uma fábrica local de aglomerado de madeira, dois fatores que tornariam a região inabitável, principalmente para a classe trabalhadora de famílias latinas. A missão do TTC é garantir um estoque de moradia permanente e o desenvolvimento de espaços mistos que beneficiam a comunidade. Com a participação da cidade de Albuquerque, o TTC Sawmill conseguiu recuperar e restaurar 34 acres (138.000 m2) de um parque industrial, onde 93 casas e três complexos de apartamentos acessíveis estão, agora, localizados.

“Sawmill mantém terras em sua responsabilidade enquanto preserva a acessibilidade da moradia nas terras… permanentemente. Isso significa que você pode ter seu próprio pedaço do sonho americano e ajudar outros a fazer o mesmo no futuro.” – Site do TTC Sawmill

“Uma vez que a casa é comprada… a acessibilidade não vai embora, simplesmente.” – Vicki Dugger, diretor de desenvolvimento do TTC Sawmill

“Em muitos lugares, você compra uma casa e é só isso. Aqui, você compra uma comunidade.” – Judy Gallegos, comprador de uma casa pela primeira vez, TTC Sawmill

Caño Martín Peña: Preservando a identidade local no Centro de San Juan, Porto Rico

O TTC Martín Peña, conhecido localmente como o Fideicomisso da Terra do Caño Martín Peña–atende moradores de oito favelas situadas ao longo do Canal Martín Peña em San Juan, Porto Rico.

A poluição do canal, resultado do inadequado sistema de esgoto da cidade de San Juan, tornou-se uma grande preocupação para os moradores devido à natureza de suas casas, situadas em antigos manguezais. O governo reconheceu, após um tempo, a necessidade de drenar o canal, mas os moradores se preocuparam com o deslocamento devido a um possível aumento no valor das terras seguindo a restauração ecológica do canal e os planos do governo de implementar a titulação fundiária individual. Seguindo centenas de fóruns públicos, membros da comunidade optaram por desenvolver um TTC e, inclusive, estabelecer uma nova lei, uma decisão apoiada pelas autoridades locais. Uma corporação pública, ENLACE, foi então criada para acompanhar a elaboração do TTC com o Grupo de Oito Comunidades (G-8) em 2004, e o TTC Martín Peña foi oficialmente estabelecido em 2008. Outorgada com um título de propriedade coletiva em 2009, o TTC possibilitou a legalização de posse de terra para mais de 2000 famílias, e desde então está comprometido com esforços de urbanização na comunidade. Depois do Furacão Maria, o TTC Martín Peña foi capaz de atrair recursos locais e globais em apoio, de uma maneira que outros assentamentos informais em Porto Rico foram incapazes de fazer.

“Moro nesta comunidade há 81 anos e não me mudo para nenhum outro lugar.” – Morador de Caño Martín Peña

“Além do mais, nós realmente amamos essas terras. Não entendo por que teríamos que sair.” – Morador de Caño Martín Peña

“Se não houver mecanismos como o TTC, quando o Canal Martín Peña for restaurado, nosso povo será deslocado pela força do mercado e, no final, eles vão continuar a viver na pobreza e irão mudar para outras partes do país. Então, esse projeto reúne todos os elementos e cria uma oportunidade para o bairro. Do bairro ao país, todos nós beneficiamos, morando ou não no Canal Martín Peña.” – Filme sobre o Caño Martín Peña

“Queremos recuperar o canal, mas não queremos que seja às custas de nosso deslocamento. Queremos ter controle sobre nosso futuro, queremos estar aqui.” – Lyvia Rodrígues del Valle, diretora executiva do ENLACE

“Achamos que é realmente importante para as comunidades que vivem em assentamentos informais (em outros lugares), e que estejam sujeitas à mesma pressão do mercado, de flutuações políticas e de lutas pelo poder, que nos vejam como um humilde exemplo.” – Lyvia Rodrígues del Valle, diretora executiva do ENLACE

O Formato TTC como Modelo para o Desenvolvimento Sustentável

As variadas aplicações do Termo Territorial Coletivo têm grande potencial para o futuro do desenvolvimento sustentável e equitativo, especialmente quando se considera os, sempre presentes, problemas de posse de terras e moradia acessível enfrentados pelas comunidades brasileiras e de todo o mundo. O modelo TTC apresenta a oportunidade de mobilizar e envolver moradores nas tomadas de decisão formais, e gerenciar o desenvolvimento futuro de suas terras. Os casos do TTC Tanzania-Bondeni, do New Communities, da Dudley Street Neighborhood Initiative, do TTC Sawmill e do TTC Martín Peña são exemplos convincentes sobre o sucesso reservado às comunidades quando elas têm liberdade para direcionar suas necessidades e liderar o processo de seu próprio desenvolvimento.

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