Petista quer ampliar política nacional contra a fome usando bases agroecológicas; sem plano para o setor, candidato do PSL defendeu, em 2003, a esterilização de homens e mulheres para “combater a fome”
A promoção da segurança alimentar, um dos dezessete Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, tem pesos bem distintos entre os dois candidatos que disputam, no dia 28, o segundo turno da eleição presidencial. Em outras palavras, eles possuem visões bem distintas – e opostas – sobre temas como a fome.
Em seu programa de governo, Fernando Haddad (PT) invoca a retomada e ampliação da Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, instituída em 2010 sob a responsabilidade do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS). Jair Bolsonaro (PSL) menciona o conceito uma única vez em seu programa, como uma das atribuições da “nova estrutura federal agropecuária”, sem precisar nenhuma estratégia específica.
Com o objetivo de combater a desnutrição infantil e promover a soberania alimentar, o candidato petista propõe disponibilizar “assistência alimentar específica para os diversos grupos sociais em condição de vulnerabilidade” a partir do fortalecimento da agricultura familiar em bases agroecológicas, sem o uso de agrotóxicos. Outro ponto defendido por Haddad é o fortalecimento da cooperação internacional
A sinalização de Bolsonaro de uma possível transferência da gestão da segurança alimentar e nutricional para a pasta de Agricultura – que, caso vença, deverá absorver também o Ministério do Meio Ambiente – é considerada preocupante por órgãos nacionais e internacionais e foi criticada em relatório do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea).
BOLSONARO DEFENDEU ESTERILIZAÇÃO DE POBRES
Bastante presente no programa de Haddad, onde defende “interromper o caminho de volta do Brasil ao vergonhoso Mapa da Fome”, do qual o país saiu em 2014, o combate à fome não é citado nas propostas de Bolsonaro. A palavra é mencionada uma única vez, quando o candidato do PSL diz que “nunca haverá estabilidade social na presença de fome, violência, miséria e de altas taxas de desemprego”. Durante sua carreira parlamentar, Bolsonaro defendeu ideias polêmicas para combater a fome a a miséria.
No dia 12 de agosto de 2003, durante pronunciamento na Câmara em que louvou grupos de extermínio que atuavam na Bahia, Jair Bolsonaro, na época filiado ao PTB, afirmou que a solução para a fome e a miséria seria a liberação da laqueadura e da vasectomia para todos os maiores de 18 anos.
– Não pode discutir a diminuição da fome, da miséria e da violência se não discutirmos antes uma rígida política de controle da natalidade. Chega de vaselina, de baboseira, de falar em educação, em saúde, porque esta não é a nossa realidade primeira. Não vamos atingir nossos objetivos se não atacarmos o descontrole da natalidade.
O tema foi um dos preferidos durante sua trajetória na Câmara. Em 1992, em seu primeiro mandato, Bolsonaro cobrou uma política mais rígida do Estado: “Não podemos mais fazer discursos demagógicos, apenas cobrando recursos e meios do governo para atender a esses miseráveis que proliferam cada vez mais por toda esta nação”. Mais tarde, em 2013, afirmou: “Só tem uma utilidade o pobre no nosso país: votar”.
O uso da esterilização em massa para conter o crescimento da pobreza não é novidade na América do Sul. Entre 1995 e 2000, o presidente do Peru, Alberto Fujimori, conduziu a esterilização compulsória de mais de 300 mil mulheres, que lhe valeu acusação por crimes contra a humanidade. Condenado desde 2005 a 25 anos de prisão por crimes de corrupção e violação dos direitos humanos, Fujimori já foi elogiado por Bolsonaro em várias ocasiões.
Em 1993, em entrevista ao The New York Times, o então deputado federal disse que “simpatizava” com o presidente peruano. Na época, Bolsonaro defendia o fechamento do Congresso, assim como fizera Fujimori ao aplicar um “auto-golpe” no ano anterior.
Em 1995, ele voltou a pedir a palavra na Câmara para defender o controle de natalidade e aproveitou para elogiar o peruano: “Pela sua coragem, quero agora louvar o excelentíssimo Sr. Presidente do Peru, Alberto Fujimori, que implantou em seu país, como forma de conter a explosão demográfica, a esterilização voluntária”.
HADDAD QUER REDUÇÃO NO USO DE AGROTÓXICOS
As propostas de Fernando Haddad para a promoção da segurança alimentar passam por um programa de redução de agrotóxicos que inclui o estímulo aos biopesticidas, a atualização da legislação nacional às recomendações da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), a revisão de incentivos fiscais para os insumos químicos proibidos em outras partes do mundo e o fortalecimento das atividades de avaliação e fiscalização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Haddad defende que sejam banidos os agrotóxicos proibidos nos principais mercados internacionais. A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), aliada a Bolsonaro, apoia o PL do Veneno, em tramitação na Câmara, que flexibiliza ainda mais o uso de pesticidas no Brasil.
O candidato do PT propõe também a expansão da agricultura familiar e a promoção da agroindustrialização à partir de um modelo produtivo de base agroecológica. Para isso, será reforçada a organização em processos cooperativos, observando a diversificação da produção regional e a articulação com os sistemas de armazenamento e comercialização da agricultura camponesa.
Do ponto de vista do escoamento, Haddad defende a atualização e ampliação do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), além da reorientação da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) para a compra de alimentos da agricultura familiar.
Como prefeito de São Paulo, Fernando Haddad recebeu o prêmio Mayors’ Challenge 2016, organizado pela Bloomberg Philantropies, do ex-prefeito de Nova York, Michael Bloomberg. A homenagem foi recebida em função do projeto Ligue os Pontos, plataforma que conecta produtores e distribuidores de produtos agroecológicos diretamente aos consumidores.