A responsabilidade dos gestores públicos em processos de licenciamento ambiental

Busca pela transparência e o contínuo e intransigente monitoramento das ações do poder público devem ser prioridade

Clóvis Borges*, Brasil de Fato

A expectativa de que as novas gestões públicas brasileiras criem um ambiente de libertinagem no que se refere a processos de licenciamento e controle ambiental está muito clara. Instâncias representativas de atividades econômicas de extrema relevância como a agricultura, mineração, construção civil, dentre outras, posicionam-se de maneira determinada a “dar segurança jurídica” e “acabar com a indústria de multas”. Segundo esses atores, as instituições ambientais públicas tentam atrasar e dificultar, propositalmente, os esforços de desenvolvimento do País.

Os discursos de campanha e os primeiros indicativos demonstram que os nossos novos governantes, no âmbito federal e estadual, mantêm suas posições ao defender a simplificação e aceleração de processos de licenciamento, mantendo a prerrogativa enganosa de que ações de monitoramento e de fiscalização não podem continuar a trazer “desconforto” a quem produz. Ênfase ao caso da agricultura e o desmatamento ilegal em propriedades rurais, que continua ocorrendo sem qualquer controle. Ou a processos de mineração que, com frequência assustadora, aportam desgraças de magnitude tão intensa que nos limitam à tarefa de localizar corpos de vítimas, tamanha a dimensão do dano econômico, social e ambiental que causam. Pouco há para se fazer depois do fato consumado, embora este seja previsível.

Na prática, a regra do jogo se mantém: o que vale, é a busca pelo maior resultado financeiro de curto prazo. Conhecemos muito bem a nossa crônica inconsistência de valores que permeia toda a sociedade. Por consequência, é comprovada e explícita a contaminação de agentes públicos que permite a aprovação de empreendimentos, muitas vezes à revelia de posições técnicas aportadas pelas instituições ambientais e, evidentemente, contra os interesses da sociedade.

Não há dúvida que, nesse contexto, a existência de limitações vindas do poder público, visando o cumprimento da Lei, causa desconforto. Há enorme influência do setor privado nas decisões de governantes e, até mesmo, na elaboração de legislações menos consistentes, em atendimento às promessas de campanha. É importante perceber que processos de corrupção que vem sendo amplamente divulgados nos últimos anos têm por pressuposto, em muitos casos, o encadeamento iniciado a partir de licenciamentos ambientais. Principalmente em grandes projetos. Decorrente dessas investigações, recebemos os resultados das consequências de um mar de ilegalidades que usurpam covardemente o povo brasileiro.

As escolhas que estão sendo realizadas nesse momento, na estruturação dos órgãos ambientais no país, têm um pesado dedo de influência dos que preferem ignorar a necessidade de controle nos temas voltados ao meio ambiente. Nunca foi bem-vinda – e continua não sendo – a condição de discernimento isento na discussão sobre a viabilidade ou não de novos empreendimentos, ou da expansão daqueles já existentes. 

Para manter esse estado das coisas, o poder político e econômico, que historicamente sempre fala mais alto, manipula sem constrangimento a indicação de nomes e o foco a ser dado nas agendas executivas dos órgãos ambientais. O resultado é o enfraquecimento da capacidade de atuação dos órgãos ambientais, em troca de aberturas ainda maiores na exploração dos recursos naturais do Brasil.

Ocorrências previsíveis, pelo risco conhecido, como o desastre em Brumadinho (MG), servem, pelo menos, para alertar aos empresários e os governantes que, nos maus feitos em temas voltados ao meio ambiente, o tiro sempre sai pela culatra. Se não no curto prazo, em algum momento futuro. Ao invés de retóricas populistas para atender a favores imorais, os casos de má gestão dos recursos naturais devem ser entendidos definitivamente como um passivo de enorme dimensão e que nos arrasta para uma condição muito distante do que poderia chamar de desenvolvimento. 

Somos detentores de um patrimônio natural valioso que demanda qualificação técnica de alto padrão e inteligência para gerar desenvolvimento com responsabilidade. Os governantes precisam ter a compreensão de que não estão nessas posições para a tarefa, simplória e medíocre, de atender favores de alguns poucos interessados. No entanto, não há nenhuma previsão de licenciamentos mais transparentes, ágeis e isentos de influências indevidas, devido ao sucateamento dramático dos órgãos ambientais em todo o país.

Os anos passados fazem com que a sociedade apresente muita desconfiança no que se refere à gestão pública na área ambiental. Desse modo,  a busca pela transparência e o contínuo e intransigente monitoramento das ações do poder público devem ser pautas prioritárias das instâncias qualificadas para cumprir esse papel. A responsabilização por ações de corrupção, entendida de forma ampla, deve ser a prática para coibir os crimes que temos lamentavelmente observado como prática corrente envolvendo os órgãos ambientais no Brasil.

A conclusão é que um mau licenciamento implica em sérios prejuízos sociais, econômicos e ambientais. O caminho está aberto para as gestões recém-empossadas. Ou seguirão a retórica costumeira, incrementando a crise do setor ambiental, com todas suas consequências profundamente negativas, ou farão história, com um esforço consistente, visando retirar do fundo do poço as instituições que, em última instância, demandam uma condição de gestão qualificada, melhor estrutura, agendas isentas, respeito e valorização. 

*Clóvis Borges é diretor-executivo da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS) e conselheiro do Observatório de Justiça e Conservação (OJC).

Edição: Laís Melo.

foto: Mídia Ninja

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