MPF recomenda imediata revogação de orientações do Incra que suspendem diálogo com movimentos do campo

Medida adotada pela Ouvidoria Agrária Nacional traz ilegalidades e inconstitucionalidades, alerta a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão

PFDC

O Ministério Público Federal, por meio da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), encaminhou nesta segunda-feira (25) à Ouvidoria Agrária Nacional e às Superintendências Regionais do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) uma recomendação para que sejam imediatamente tornadas sem efeito as orientações contidas no Memorando Circular nº 234/2019/OAN/P/SEDE/INCRA. O documento foi expedido pela Ouvidoria Agrária Nacional instruindo chefes de divisão e executores de unidades avançadas do Incra em todo o país a não atenderem entidades ou representantes “que não possuam personalidade jurídica”. O memorando também orienta as unidades a não prestarem atendimento ao que o órgão denomina como “invasores de terra”.

De acordo com a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, a instrução traz uma série de ilegalidades e inconstitucionalidades. Isso porque é papel da Ouvidoria Agrária Nacional, conforme estabelece o Decreto 8.955/2017, atuar como espaço administrativo de interlocução, mediação e resolução de conflitos sociais no campo.

Além disso, é competência do Estado a prestação de serviços públicos relacionados aos direitos especificados na Constituição Federal – entre eles, a reforma agrária, assegurada no art.184.

No documento ao ouvidor-agrário Nacional e aos superintendentes-regionais do Incra, o órgão do Ministério Público Federal aponta que as orientações contidas no Memorando Circular nº 234 adotam posição de acirramento de tensões sociais e conflitos no campo – em contrariedade ao próprio papel mediador e de busca de pacificação, prevenção e resolução de tais antagonismos, conferido à Ouvidoria Nacional Agrária pelo ordenamento jurídico.

A Procuradoria ressalta ainda que a concretização do projeto político-jurídico previsto na Constituição Federal é dever de todos, e que a reforma agrária e o cumprimento da função social da posse e da propriedade são imperativos de igualdade material, de redução de discriminações de todos os tipos e de solidariedade, conforme preconiza o art. 3º da Constituição brasileira.

Direito constitucional à organização social


No documento, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão esclarece que a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas, independe de autorização – sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento, segundo o que estabelece o art. 5º da Constituição.

A PFDC destaca também que não há, tanto no direito interno, quanto no direito internacional dos direitos humanos, qualquer norma que exija a formalização de coletivos para habilitá-los à luta por direitos, inclusive porque toda concepção associativa regula-se pela ideia central de ausência de ingerência estatal.

“Os potenciais beneficiários da política nacional de reforma agrária não podem ser prejudicados ou discriminados por cumprirem dois desígnios constitucionais: buscar a reforma agrária e se associarem livremente para tal fim”, assinala o documento do Ministério Público Federal.

A Procuradoria relembra que a ocupação de imóveis que não cumprem a função social da propriedade situa-se dentro das liberdades de manifestação, protesto e expressão – asseguradas pela Constituição Federal e já reconhecidas pelo Supremo Tribunal Federal em julgamentos como o da ADI 1969, assim como pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, na condenação ao Estado brasileiro no caso “Escher e outros vs Brasil”.

Papel da Ouvidoria Agrária


Na recomendação, a PFDC ressalta que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária desempenha serviço público e, como tal, está submetido às diretrizes que regem o atendimento aos usuários desse serviço. A Lei 13.460/2017, que regula a matéria, é clara ao designar a igualdade no tratamento aos usuários, sendo vedado qualquer tipo de discriminação.

Ainda de acordo com a Lei n. 13.460/2017, também é vedada às ouvidorias de órgãos públicos a recusa ao recebimento de manifestações, sendo cabível a responsabilização do agente público que assim agir.

Nesse sentido, e em razão da urgência e gravidade dos fatos, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão recomenda que as Superintendências Regionais do Incra realizem atendimento amplo e integral de todos os usuários do serviço público, sem discriminação de qualquer natureza – o que deve abranger movimentos sociais e quaisquer entidades.

O órgão do Ministério Público Federal adverte que a recomendação deve ser cumprida a partir de seu recebimento, sob pena das ações judiciais cabíveis, sem prejuízo da apuração da responsabilidade civil e criminal individual de agentes públicos.

O documento é assinado pela procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat, e pelos procuradores que compõem o Grupo de Trabalho Direito à Reforma Agrária, da PFDC.

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