Marco Antônio Delfino, do MPF: “Há uma cadeia produtiva internacional que se alimenta do sangue indígena”

Procurador do Ministério Público Federal em Dourados enxerga racismo no Judiciário em relação às dívidas históricas com os povos indígenas; poder político da minoria é minimizado, enquanto seus territórios são cobiçados economicamente

por Alceu Luís Castilho e Igor Carvalho, em De Olho no MS

A agenda de Marco Antônio Delfino é frenética. Procurador do Ministério Público Federal em Dourados (MS), ele se tornou conhecido pela defesa de direitos dos povos indígenas. Diante de um mapa do Mato Grosso do Sul, ele demonstra ter uma ótima memória e um vasto conhecimento sobre o estado, município por município – das terras em disputa ao que é produzido em cada região. Essa atenção à economia lhe permite emitir o seguinte diagnóstico sobre a violência promovida por fazendeiros: “Há uma conexão internacional. Tem manteiga, sabonete, óleo de soja, toda uma cadeia produtiva que teoricamente está se alimentando de sangue indígena”.

Ele cita a Coamo, uma cooperativa paranaense gigante, como a principal responsável, hoje, pelo arrendamento de terras indígenas para a produção de soja. A empresa está mais espalhada no sul do estado – cenário dos conflitos com os Guarani Kaiowá e Ñandeva – que os frigoríficos. Empresas como JBS e Marfrig, por exemplo, estão mais presentes no Pantanal.”A Coamo vende ração para a Europa”, exemplifica. “Mas age como uma empresa de fundo de quintal, ignorando direitos humanos”.

Delfino lembra que há muitos fazendeiros dentro de terras indígenas no Mato Grosso do Sul. E considera bizarro que muitos deles tenham títulos concedidos pelo Estado. Ele cita o caso de Sete Quedas, no extremo sul, município que no próprio nome traz referência à origem das pessoas convidadas para “colonizar” a região. Elas eram do Paraná, da região alagada para a construção da Usina de Itaipu. Foram para Sete Quedas, sem que o poder público informasse que as terras já tinham habitantes: os povos indígenas.

MARCO TEMPORAL É RACISTA

O procurador recebeu duas vezes a reportagem do De Olho nos Ruralistas, ao longo do segundo semestre de 2018. Na segunda vez ele concedeu esta entrevista, em vídeo, numa parceria do observatório com a Pavio:

“Você tem um cenário muito claro de ódio racial”, diz Delfino. “Uma população de 800 mil, sem qualquer tipo de relevância do ponto de vista político, e com muita relevância do ponto de vista econômico”. O que mudou, do ponto de vista dos não indígenas, foi a atuação “mais pontual e violenta”, considera o procurador, para uma atuação “mais política”. Em um processo de esvaziamento das comunidades indígenas.

Delfino considera o Marco Temporal uma demonstração de racismo judicial. Ele observa que a jurisprudência para reparações econômicas por crime de tortura é imprescritível, porque derivam de crimes contra a humanidade. Em relação aos povos indígenas, porém, são colocados senões: “Índios foram removidos, mas não permaneceram na área, não estavam lá em 1988…”

Em relação a isso ele faz comparação com uma situação urbana:

– Por que esta pessoa tem direito à reparação e outra não tem? 1975. Se os militares tivessem desocupado um prédio inteiro de Copacabana. Colocado as pessoas num caminhão de gado, mandado para 300 quilômetros de distância, iam ter feito filme, iam ter feito monumento, memória, as pessoas estariam chorando. Qual a diferença, do ponto de vista humano, em relação às comunidades indígenas?

Tortura é imprescritível só para os brancos? (Foto: Reprodução)

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