Ação de Bolsonaro na Petrobras é contra o consumidor e a soberania

Por Eleonora de Lucena e Rodolfo Lucena, no TUTAMÉIA

“O governo não trata o Brasil como se fosse um país, mas como se fosse um mero território de atração de capital estrangeiro, um entreposto comercial onde ele negocia no balcão do baixo preço todos os ativos que custaram tempo, recursos, tecnologia e financiamento nacional, que foram, em última instância, pagos pelo conjunto da sociedade brasileira”.

Essa é a avaliação do cientista político e economista William Nozaki em entrevista ao TUTAMÉIA (confira no vídeo abaixo). Para ele, “essa situação é dramática, porque nos coloca diante de uma impossibilidade de pensar o planejamento energético do país. Vamos correr o risco sistemático de encarecimento dos combustíveis e isso pode se estender para a energia elétrica. Vai fazer com que percamos a oportunidade de ocupar um espaço estratégico que o brasil podia ocupar nesse começo do século 21, sendo um dos principais produtores de hidrocarbonetos”.

“É uma política anti-Petrobras e contra o consumidor. Sob o pretexto de fazer uma política antiestatal, o goiverno faz uma política antinacional e desmonta a soberania brasileira. Deixa o mercado interno refém do que acontece no mercado financeiro internacional e das crises e tensões políticas em torno de todos os atores que estão envolvidos nesse segmento”.

Professor de ciência política e economia da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, Nozaki é diretor do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás e Biocombustíveis. Nesta entrevista, ele analisa ponto a ponto o projeto de desmonte da Petrobrás em curso.

Diz que a atual política de preços da Petrobrás é equivocada e deve provocar novas instabilidades. “Essa política desagrada tanto aqueles que estão usando o combustível no seu dia a dia, quanto o mercado financeiro, que fica também a mercê dessas intervenções ad hoc. A política de preços flutuantes está diretamente ligada aos interesses de desmonte, fragmentação e de privatização da Petrobras, sobretudo no segmento de refino”.

Nozaki lembra que, nos dois últimos anos, a Petrobras diminui o seu refino nas refinarias, embora tenha capacidade de refinar:

“Decidiu refinar menos derivados. Não por motivo técnico, mas político, para abrir espaço para as importadoras e para os investidores interessados em comprar as refinarias. Como as refinarias passam a processar menos derivados, isso significa que o Brasil precisa importar mais derivados e, com isso, o preço internacional é repassado para o consumidor final e encarece o preço. Não precisávamos importar derivados. Poderíamos usar o nosso parque de refino com a sua capacidade máxima. A decisão política foi retirar a Petrobras do refino e o resultado é a incerteza que se vive”.

O cientista político e economista descreve as operações de desmonte da Petrobras, como a venda do gasoduto e de outras operações, movidas pelos “interesses curtoprazistas que não dão conta de responder as questões de longo prazo do setor petrolífero”. São políticas “contra o interesse do Estado e da Nação”, define.

“Tentam colocar no lugar um projeto ideológico baseado numa perspectiva ultraliberal, mas também não têm a capacidade de coordenação e de gestão para levar adiante o próprio projeto deles. Por trás dessa irracionalidade econômica, existe uma racionalidade política cujo horizonte é única e exclusivamente abrir o mercado brasileiro, desmontar o setor energético, porque o governo entende que ele e uma fonte fundamental para a atração de capital estrangeiro”.

ATLÂNTICO SUL É NOVO ORIENTE MÉDIO DO PETRÓLEO

Nozaki fala do contexto maior da disputa pelo petróleo no Brasil:

“O pré-sal é a principal descoberta petrolífera do século 21 até agora. Há um deslocamento geopolítico. O epicentro do petróleo sai cada vez mais do Oriente Médio e migra para o Atlântico. As três grandes descobertas de 2001 até 2019 aconteceram no Canadá, nos EUA e no Brasil. A costa do Atlântico se transformou na grande fronteira geopolítica e geoeconômica da expansão petrolífera. A costa do Atlântico Sul é uma espécie de novo Oriente Médio na questão petrolífera”, diz.

O professor afirma que a descoberta colocou o país num caldeirão de instabilidade política do final do governo Dilma, que atravessa o processo do golpe, e segue com Temer e Bolsonaro. “Interesses energéticos e petrolíferos se associaram a interesses políticos de desestabilização da região e do país, exatamente com o objetivo de incorporar essas reservas”.

Hoje, conta, a Petrobras, detém apenas 45% do pré-sal. Quem ganhou espaço foram, em primeiro lugar, as norte-americanas Exxon Mobil e Chevron, e, depois a Total francesa e a Equinor norueguesa. Houve também a entrada das chinesas na disputa.

“A Petrobras atua como agência de risco para as estrangeiras, pois assume o risco da pesquisa, da prospecção e, depois repassa os ganhos para as estrangeiras”, afirma.

Ao vender ativos no refino, no gás, na petroquímica, na distribuição e em outras áreas, diz Nozaki, a Petrobras “está caminhando na contramão das estratégias empresariais do setor, que querem controlar o conjunto da cadeia produtiva. Estamos oligopolizando o setor no Brasil com a dominância de empresas estrangeiras, e não com empresas nacionais”.

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