O Seminário Terra e Território reúne diversos exemplos de luta; Uma delas é a do povo indígena Guarani Nhandéva, da aldeia de Posto Velho (PR)
Por Wesley Lima, na Página do MST
Terra, educação, cultura, ancestralidade, agroecologia, luta. As relações que o ser humano constrói com o meio ambiente se articula em diversas dimensões e essa constatação reflete todo processo de organização da vida em territórios nos quatro cantos do Brasil.
Ao reunir mais de 50 organizações populares, o Seminário Terra e Território: Diversidade e Lutas se apresenta enquanto um instrumento de sistematização e elaboração acerca dessas questões, tendo como base a luta pela terra e Soberania Nacional.
As atividades tiveram início na última quinta-feira (6) e se estendem até sábado (8), com o objetivo de construir uma plataforma unitária que direcione ações concretas na defesa dos territórios, pautada no estudo da questão agrária.
O seminário reúne diversos exemplos de luta. Uma delas é a do povo indígena Guarani Nhandéva, da aldeia de Posto Velho, no estado do Paraná.
A história dos indígenas Nhandéva com seu território começou em 1918, com sua expulsão da região. Em entrevista para o Brasil de Fato, Nelson Luiz Camargo (48), ou Ava Vyraidja (seu nome guarani), conta que o início da retomada das terras só foi possível 90 anos depois.
Ele relembra que as famílias indígenas tiveram acesso apenas a três hectares das terras em 2005, e todo território estava loteado, a terra degrada, as minas contaminadas e, por conta do uso intensivo de agrotóxicos na localidade, as famílias sofrem com efeitos nocivos das substâncias químicas até hoje.
Camargo conta também que os fazendeiros da região não respeitam a escola da comunidade as crianças, e que existe avanço da perseguição contra as famílias. “É muito difícil para nós. Já vai para 14 anos que estamos confinados em três hectares de terra aguardando o nosso território ser demarcado, que são cerca de 1.238 hectares”.
Sobre o discurso de ódio disparado por Bolsonaro em torno da luta pela terra e na defesa dos territórios tradicionais, ele explica com preocupação os efeitos na vida das famílias. “A gente ficou muito preocupado com o ataque de fazendeiros com esse discurso do governo desde a campanha […] nos atacando com palavras. Isso nos preocupa porque dá força aos fazendeiros, impulsionando uma retirada à força”, afirma.
Por outro lado, enfatiza que a resistência é fundamental nesse atual momento político: “A gente tem que resistir. Já perdemos muitas vidas para chegar aonde chegamos e se for para darmos a vida novamente, a gente vai lutar até a última gota de sangue. Abrir mão do nosso território a gente não vai abrir. Com esse governo a gente vai brigar até a morte”.
Veja o depoimento completo de Nelson Camargo aqui.
No território cabe direitos
Sem perder de vista o processo histórico de luta e as bases de sustentação do agronegócio no Brasil, Pedro Martins, assessor jurídico da Terra de Direitos, com atuação no Oeste do Pará, reforça a fala de Nelson Luiz Camargo e diz que foi a partir da luta que a terra concentrou outros significados.
“A luta pela terra no Brasil deu outro significado para o que é a terra. A terra no contexto da década de 80 e 90 significava muito a terra para quem nela trabalha, que se consolidou com um importante significado, dando para terra um processo de muita força para conquistar mais espaços na política de Reforma Agrária”, explicou Martins.
“Hoje, com o passar do tempo, foi ganhando mais força a luta pelo território. A gente costuma dizer que no território cabe mais coisas que o próprio limite da área. Mais que simplesmente uma porção de terra. O território cabe mais direitos, inclusive”, explica Martins.
Para ele, os processos de resistência e de luta por territórios carregam consigo a garantia “dos direitos culturais e socioambientais de uma população que cultiva a terra e tem com ela uma relação especial”.
Território ainda mais ameaçado
É importante destacar que, no governo Bolsonaro, existe um avanço do pensamento conservador, onde a lógica do privado se afirma. Ainda nos seus discursos eleitorais, o atual presidente caracterizou a propriedade privada enquanto uma instituição sagrada e que não haverá demarcação de terras indígenas, titulação de territórios tradicionais ou reforma agrária, e que acabará com a “indústria das multas ambientais” que são aplicadas, principalmente, às empresas do agronegócio.
Nesse sentido, ações no atual governo já visam a paralisação total da desapropriação e demarcação de terras em nosso país. Uma ameaça inclusive que amplia o sucateamento do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e a Fundação Palmares.
Nesse sentido, Juliana da Silva Vaz, da Articulação Nacional das Comunidades Quilombolas (CONAQ), afirma que vivemos um momento “que nos remete muita dor” e continua: “Estamos em uma conjuntura onde, diariamente, se apresentam perdas. Precisamos lutar diariamente pela constituição desses territórios, porque a não constitucionalidade é a certeza que sairemos corrompidos por esse sistema”.
Sobre a importância dos territórios, Vaz destaca que ao estar nesses espaços a identidade do sujeito é reafirmada e Pedro Martins complementa, apontando um desafio: “a luta pela terra e pelo território precisam ser reinventadas”.
*Editado por Fernanda Alcântara
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Seminário Terra e Território: Diversidade e Lutas. Foto: José Eduardo Bernardes