Indígenas e quilombolas contestam decreto do governo do Pará sobre Consulta Prévia

Franciele Petry Schramm, Terra de Direitos

O governo do Pará tenta mais uma vez regulamentar o processo de Consulta Prévia, Livre e Informada estabelecida em tratado internacional ratificado pelo Brasil. Um decreto assinado pelo governador Helder Barbalho (MDB) e publicado em diário oficial no dia 11 de outubro estabelece a criação de um Grupo de Trabalho para a elaboração de um Plano Estadual de Consultas Prévias, Livres e Informadas, que deve ser apresentado em até 60 dias.

A proposta é que o grupo indique normas e procedimentos para o processo de consulta das comunidades tradicionais. A Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) estabelece que indígenas, quilombolas, povos e comunidades tradicionais sejam previamente consultados sobre medidas ou empreendimentos que possam afetar seus territórios e modos tradicionais de vida.

Membro da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ), José Carlos Galiza critica a forma com que o decreto foi publicado. “Não foi feita nenhuma consulta às comunidades quilombolas para falar como seria esse decreto, para entendermos qual seria nossa participação dentro disso”, fala.

Advogado popular da Terra de Direitos, Ciro Brito destaca que a publicação dessa medida sem a consulta aos grupos que serão afetados já é uma violação da Convenção 169 da OIT. “Um decreto do executivo é uma medida do poder público que impacta diretamente a vida das comunidades. Em razão disso a Convenção 169 deveria ser aplicada e as comunidades tradicionais deveriam ser consultadas”, explica. Segundo ele, não há como estabelecer qualquer tipo de fluxo de consulta prévia sem a participação das comunidades, que possuem diferentes dinâmicas entre si.

Indígenas, quilombolas e outras comunidades tradicionais de todo o Pará já têm criado protocolos próprios onde indicam os procedimentos para que a consulta prévia seja feita de forma efetiva. Nesses documentos, os grupos indicam a forma com que devem ser consultados, considerado as suas especificidades e estabelecendo prazos para a consulta que respeitem a dinâmica das comunidades.

Presidente do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Santarém (STTR), Manoel Edivaldo Santos Matos participa do processo de elaboração de protocolos de consulta prévia em diferentes comunidades de Santarém (PA) e defende a necessidade de respeito às definições desses documentos. “Para nós o protocolo é um instrumento muito importante para ajudar na nossa resistência para manutenção de nossas terras e territórios”, fala.

Falta de representação

O GT criado pelo governo prevê a participação de diferentes órgãos do estado, mas desconsidera a representatividades dos grupos que serão consultados ou mesmo de órgãos do Estado ligados a esses povos. Estão indicados para a composição do GT apenas órgãos que representam os interesses do Estado, como a Procuradoria-Geral do Estado do Pará, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade, Secretaria de Estado Desenvolvimento Econômico, Mineração e Energia, Secretaria de Estado de Justiça e Direitos Humanos, Instituto de Terras do Pará, Assembleia Legislativa do Estado do Pará, e a Secretaria de Estado de Assistência Social, Trabalho, Emprego e Renda.

Representantes de entidades públicas e privadas podem se inscrever como colaboradores do GT. Nesse caso, as organizações têm até 15 dias para enviar a inscrição, que será submetida à aprovação do grupo.

Membro do Conselho Indígena Tapajós Arapiuns (CITA), Auricélia Arapium destaca que o Decreto pega a todos de surpresa, e estabelece prazos que inviabilizam qualquer possibilidade de participação. A indígena, no entanto, não defende a ampliação do prazo, mas a extinção do decreto, uma vez que a existência de um Plano de Consulta proposta pelo governo viola os direitos de indígenas e populações tracionais. “Eu acho que nem devia existir. Não é o governo que tem que dizer como ele vai nos consultar, é nós que dizemos como queremos ser consultados”, destaca.

Um decreto semelhante já havia sido publicado no Pará, em 2018, durante o governo de Simão Jatene (PSDB). O decreto foi revogado após recomendação conjunta do Ministério Público Federal, Ministério Público do Estado do Pará, Defensoria Pública da União e Defensoria Pública do Estado.

Imagem: Comunidades ribeirinhas de Pimental e São Francisco entregam protocolo de consulta ao MPF

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.

quatro × dois =