A mineradora Vale está querendo transformar o território da comunidade rural Ponte das Almorreimas e arredores, em Brumadinho, MG, em uma grande zona de sacrifício e de injustiça socioambiental, realizando obras que estão devastando a região na perspectiva socioambiental e cultural, alegando se tratar de projetos de “caráter emergencial” ou de “interesse social” no já tão devastado município de Brumadinho em decorrência da Tragédia-Crime da Vale com a anuência do Estado, que ocorreu no dia 25 de janeiro de 2019, com o rompimento da Barragem da mina do Córrego do Feijão. A sequência de tragédias se instalou desde então em Brumadinho. Ponte das Almorreimas merece atenção especial em função das inúmeras injustiças e arbitrariedades que ali vem sendo realizadas contra a sua população e o meio ambiente.
Após comunidade local e a Arquidiocese de Belo Horizonte realizarem várias denúncias de irregularidades, destruição de patrimônio cultural e violação dos direitos humanos ao Ministério Público Federal (MPF) e ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), durante as obras que envolvem o denominado “Projeto da Nova Captação de Água” no rio Paraopeba, o IPHAN em Minas Gerais, no dia 21 de fevereiro, após analisar a documentação, decidiu corretamente pela paralisação/embargo da obra, pois foi demonstrado que teria sido induzido ao erro pela mineradora Vale.
A SUSPENSÃO/EMBARGO
Em 17 de fevereiro deste ano realizou-se, nas dependências da Capela São Vicente de Paulo na comunidade de Ponte das Almorreimas, município de Brumadinho/MG, reunião convocada pelo Procurador da República do MPF, Dr. Edmundo Antônio Dias Netto Júnior, por representantes da comunidade de Ponte de Almorreimas, com a presença de advogada da Arquidiocese de Belo Horizonte e de proprietários de terreno, da Defensoria Pública de MG e de representantes do IPHAN-MG (Superintendente substituta Dra. Daniela Castro e servidor Dr. José Neves Bittencourt).
O motivo da convocação da referida reunião visava atender a denúncia encaminhada pela Comunidade e pela Arquidiocese, apoiado por laudo técnico emitido por consultora científica (historiadora e pós-doutora em Arqueologia) indicada pelas mesmas, que relatou destruição de segmento de muro centenário de alvenaria de pedras, bem como, presença de sítio arqueológico pré-histórico adjacente, destruído pelas obras associadas ao projeto de Nova Captação de Água no rio Paraopeba.
É fato que o resgate do segmento de muro de pedras denominado como “Sítio arqueológico Muro de Pedras Almorreimas I” foi autorizado pelo IPHAN-MG, sob a alegação da empresa VALE/SA de urgência dessa obra, com a argumentação de ser imprescindível para manter a segurança hídrica e o abastecimento de Belo Horizonte e toda Região Metropolitana de, considerando ainda a afirmação de ausência de alternativa locacional.
O IPHAN-MG, considerando que para fins da autorização ao salvamento emergencial de Patrimônio Cultural de natureza arqueológica, determinou à Vale e a seus consultores os seguintes procedimentos:
a) se garantisse a não interferência dos consultores científicos do interessado em subsuperfície;
b) fosse realizada a composição de documentário gráfico, cartográfico e fotográfico detalhado da estrutura a ser resgatada, incluindo maquete eletrônica da mesma;
c) se inspecionasse e documentasse a paisagem na qual se insere a estrutura;
d) e que as obras de supressão da estrutura fossem acompanhadas por arqueólogo da consultoria científica do interessado.
Todavia, passados mais de 40 dias, após as denúncias da comunidade junto ao IPHAN e MPF, que as atividades desenvolvidas no local estariam em total desacordo com as determinações do IPHAN, a saber:
1) interferência em subsuperfície com a utilização de maquinário pesado nas proximidades do segmento de muro de pedras resgatado;
2) obliteração, de acordo com denúncia da comunidade, de sítio arqueológico pré-histórico, cuja existência seria de amplo conhecimento local (há registros fotográficos e filmagens);
3) informação por parte dos moradores e proprietários do terreno de que nunca foram procurados ou abordados por pesquisadores/consultores de arqueologia e que não havia pesquisadores desta área durante a retirada e posterior transporte dos “blocos de pedra remanescentes” para um pátio da Vale (há filmagens que comprovam tais informações. Conferir links abaixo);
4) Indicação de intensa movimentação de solo, não discutida e muito menos devidamente autorizada por esta Repartição Federal.
Frente a este cenário alarmante de irregularidades e injustiça socioambiental e histórico-arqueológica, o IPHAN-MG, por meio de sua Superintendência determinou a imediata suspensão das obras da “Nova Captação de Água no rio Paraopeba”, em Ponte das Almorreimas.
Os representantes da comunidade de Ponte de Almorreimas, bem como, da Arquidiocese de Belo Horizonte, em Brumadinho, reiteram que não foram informados durante reuniões sobre a intenção por parte da empresa Vale de destruição do segmento de Muro de Pedras, muito menos do sítio arqueológico pré-colonial Ponte das Almorreimas em ocasião anterior à sua mutilação, em 14 de dezembro de 2019. Teria sido apropriado e correto, seguindo as esteiras dos direitos humanos e patrimoniais, que fosse discutida com os mesmos a “possibilidade”, ou melhor, a “intenção” de destruição do segmento do muro de pedras por parte da Vale, o que não ocorreu. Inclusive, o segmento de muro já destruído encontrava-se bem próximo ao fundo da Capela São Vicente de Paulo, local de atividades religiosas e comunitárias.
O direito à transparência e à informação é imprescindível no campo das memórias e dos direitos humanos. Obviamente, antes da destruição de um bem cultural (que sempre deve ser a última opção, mesmo sob a justificativa de projetos “emergenciais”), todas as informações deveriam ter sido expostas às partes interessadas e envolvidas. Por que destruir o Muro de Pedras que passa rente à Capela São Vicente de Paulo (lugar sagrado para a comunidade) e o sítio arqueológico pré-colonial? Por que não seria possível preservá-los? Quais seriam de fato as alternativas dessa obra, evitando tal mutilação?
A comunidade de Ponte das Almorreimas e a Arquidiocese de Belo Horizonte e seus advogados enfatizam que não abrem mão do direito de defender sua memória, de estabelecer diálogo junto aos órgãos patrimoniais e ambientais e exigem respeito aos seus direitos fundamentais. Ainda denunciaram que as pedras do muro retiradas do sítio arqueológico de forma irregular, devastando e esburacando o terreno, foram levadas para outra localidade próxima que também teria outro sítio arqueológico e que este também estaria sendo obliterado e destruído.
Espera-se que o Ministério Público Federal e o IPHAN-MG atuem em Ponte das Almorreimas de forma firme daqui para frente, pois não é mais possível aceitar tantas irregularidades e conivências das instituições locais, que culminaram na destruição de patrimônio cultural histórico e pré-colonial, além de inúmeras situações envolvendo manipulações e intimidação de representantes e de lideranças da comunidade. Aguarda-se a aplicação de multa crime justa à mineradora Vale infratora e que esta seja revertida diretamente para a região que abrange Ponte das Almorreimas, que sofreu de fato os danos, e que representantes da comunidade e da Arquidiocese de Belo Horizonte participem de forma efetiva e direta junto ao MPF e IPHAN, sem interferências da Vale, na determinação dos programas e das atividades de ressarcimento.
Foi enfatizada pela comunidade na reunião que obviamente ela não aceitará que a mineradora Vale, seus contratados e consultores diretos realizem os programas, mas que paguem a multa imediatamente após a sua determinação. A comunidade local exige posturas éticas de todas as instituições envolvidas, informando que se sente consternada no âmbito de suas memórias, de seus territórios, de seus espaços sagrados (religiosos), diante da violação de seus direitos. Seguindo a linha de análise do promotor de justiça, expoente no país sobre o tema aqui tratado, em artigo sobre “jurisprudência Brasileira Criminal”, Dr. Marcos Paulo de Souza Miranda adverte:
“(…) a proteção dos bens de valor para a arqueologia constitui obrigação moral de todo ser humano e constitui também responsabilidade pública coletiva, que deve traduzir-se na adoção de uma legislação adequada que proíba a destruição, degradação ou alteração de qualquer monumento, sítio arqueológico ou seu entorno, sem a anuência das instâncias competentes, prevendo-se a aplicação de sanções adequadas aos degradadores desses bens” (MIRANDA, 2002:65).
Deturpações de leis consagradas, lamentavelmente, vêm sendo usadas contra florestas, bens hídricos, povos tradicionais, comunidades, territórios culturais, patrimônio arqueológico e memória nacional, muitas das vezes, justificadas por obras de “interesse social” e “emergenciais”, com a conivência do Estado, que estão mutilando raízes e memórias que tecem as redes sociais e territoriais de localidades e de seus moradores já tão fragilizados, no caso aqui tratado, em decorrência do crime/tragédia socioambiental referente ao rompimento da barragem de propriedade da mineradora Vale na Mina Córrego do Feijão, no município de Brumadinho, no dia 25 de janeiro de 2019.
Justiça, Transparência e Respeito em Ponte das Almorreimas!
Assinam esta Nota Pública:
Comissão de Moradores de Ponte das Almorreimas
Arquidiocese de Belo Horizonte / Região Episcopal Nossa Senhora do Rosário (RENSER)
Comissão Pastoral da Terra (CPT/MG)
Brumadinho, MG, 25 de fevereiro de 2020, 13 meses do crime-tragédia da Vale com anuência do Estado.
Títulos e Documentos Consultados:
BAETA, A. “Destruição e Ameaça ao Patrimônio Arqueológico e Cultural de Ponte Das Almorreimas, município Brumadinho, MG. (Laudo) Arquidiocese de Belo Horizonte, MG/Comunidade Ponte das Almorreimas, Brumadinho, Janeiro de 2020. 34p.
DUARTE, N. M. Relatório de Reunião “Danos a Patrimônio Arqueológico”, MPE, Belo Horizonte, 27 de janeiro de 2020. 2 p.
IPHAN Ofício Nº 544/2020/DIVAP IPHAN-MG/IPHAN-MG-IPHAN
IPHAN Cartas Patrimoniais Brasília: IPHAN, 1995.
PRICE, N. P. S. Patrimônio Natural e Arqueológico. Ética na intervenção para a conservação do patrimônio arqueológico e natural. Anais Seminário Internacional Prevenção: a Ética das Intervenções. Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico – MG, 1996.
MIRANDA, M. P. de S. Tutela Penal do Patrimônio Arqueológico Brasileiro. In: Jurispridência Brasileira Criminal. Curitiba: Juruá, 2002.
MIRANDA, M. P. de S. & ALVARENGA, L. Valos, Currais e Muros de Pedra em Minas Gerais: história, ressignificação de paisagens e patrimonialização. IN SITU, n.8, Abril, Lagoa Santa, 2017.
MOREIRA, G. L., Em Brumadinho, a Vale causa outros crimes. In: Revista Consciência Net, 30/12/2019.
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Imagem: Moradores de Ponte das Almorreimas, em Brumadinho, MG, indicando fragmentos de utensílios pré-coloniais, que restaram após passagem de retroescavadeira a serviço da mineradora Vale no local. Ao fundo, alinhamento de Muro de Pedras também destruído na mesma ocasião. Município: Brumadinho, MG – Foto: A. Baeta, 26 de dezembro de 2019.
Enviada para Combate Racismo Ambiental por Frei Gilvander L. Moreira .