Por Louise Caroline Gomes Branco
Vivemos dias difíceis. No dia 11 de março, a COVID-19 foi caracterizada pela OMS (Organização Mundial de Saúde) como uma pandemia. Diariamente estamos sendo bombardeados de notícias sobre a crescente curva de contágio e um aumento desesperador no número de mortes por COVID-19. As secretarias estaduais de Saúde confirmam hoje (03/05/2020) que são 97.929 casos do novo coronavírus, com 6.777 mortes no Brasil, isso sem falar na subnotificação desses dados, já que o Brasil é um dos países que menos tem realizado testes para verificar o número mais aproximado da realidade sobre as pessoas infectadas. As subnotificações da COVID-19, podem ser refletidas no aumento exponencial do número de mortes por problemas respiratórios. Em março de 2020, foram 2.239 mortes em todo o país. Pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz aponta que para cada caso notificado há 15 casos desconhecidos. Faltam testes, leitos nas UTIS e nos hospitais da rede pública, equipamentos respiradores, ou até mesmo quando tem, não estão disponíveis para uso por falta de manutenção.
Enfim, é tanta falta, que acabamos nos desesperando ou nos conformando com aquela velha frase: “O Brasil não tem jeito”. Sem falar nas declarações irônicas e contra a dignidade humana desferidas pelo presidente da República. Nesse ensaio, não aprofundarei sobre os escândalos e mentiras cotidianas do desgoverno, mas se quiser consultar sobre o assunto recomendo que leia o artigo de opinião de José Gomes, chamado “ O Brasil do coronavírus e as mortes que se poderiam evitar”, publicado dia 08 de abril do presente ano, em ambienteterritoriosociedade-ics.org.
Mas, diante de tanta desgraça, como as comunidades e periferias do Brasil estão se organizando? Sim, mesmo que o mundo pareça sem brilho nesse momento, o povo preto, pobre e favelado mais uma vez usa da inovação e da criatividade para enfrentar a crise da COVID-19. Quero visibilizar algumas iniciativas entre milhares que consegui recopilar nesses dias. É importante destacar que a maioria dos bairros periféricos das principais cidades brasileiras não tem o mínimo de infraestrutura básica, resultado de anos e anos de abandono e de descaso por parte dos governos e dos diferentes regimes políticos que foram implementados neste país. A falta de água desde janeiro de 2020 vem sendo enfrentada por muitas favelas no país inteiro; o esgoto a céu aberto, as ruas e valas improvisadas, casas sem banheiros ou sem vasos sanitários fazem parte do cotidiano de milhões de pessoas muito antes da chegada da pandemia nos trópicos. A maioria das casas possui apenas um cômodo, geralmente pequeno, no qual moram uma média de 7 a 10 pessoas de uma mesma família, convivendo num só ambiente, adultos, crianças, pessoas de risco e idosos.
Dentro dessa realidade, as recomendações da OMS, como o isolamento social (quarentena), o distanciamento social (manter distância de 2 metros entre as pessoas), e o “lavar as mãos constantemente” não são aplicáveis ou no mínimo realistas para os bairros periféricos e favelas brasileiras. Entretanto, aí é que entram as milhares de ações encabeçadas por movimentos sociais, organizações não governamentais, iniciativas populares para movimentar a solidariedade e a ajuda em prol do coletivo.
Algumas das ações surgem virtualmente, como por exemplo as vaquinhas virtuais criadas para gerar recursos econômicos e atender a populações específicas. Outra estratégia inovadora foi realizada na favela de Paraisópolis, em São Paulo. O líder comunitário Gilson Rodrigues explica que, em uma comunidade com mais de 100 mil moradores, se criou uma nova figura política-organizativa, os já famosos presidentes de rua. A pessoa voluntária é responsável por monitorar 50 casas e identificar as principais necessidades dos moradores, facilitando assim ações concretas para combater os efeitos da crise da COVID-19, sejam eles de saúde ou socioeconômicos. Outra iniciativa são as doações e distribuição de cestas básicas, marmitas, material de higiene pessoal e também material para a limpeza das casas. De acordo com o mapeamento que está em construção pelo Instituto Marielle Franco, no dia 30 de abril já estavam registradas mais 300 ações distribuídas por 23 estados do Brasil.
Além disso, mães ou pessoas que se responsabilizam pelo cuidado das crianças estão adotando medidas para mitigar o impacto econômico nas periferias; estratégias de revezamento no cuidado das crianças para que os adultos possam ir trabalhar têm sido aplicadas em dezenas de lugares. Sim, os adultos da favela não podem na sua maioria deixar de trabalhar, ou trabalhar home-office, já que suas funções são de auxiliar de limpeza, motoboys, padeiros, vendedoras e atendentes em supermercados, diaristas, garis entre outras, muitas delas ou são consideradas serviços essenciais, ou simplesmente se o trabalhador ou autônomo não for trabalhar não terá o que comer no dia seguinte.
Outras iniciativas são as cozinhas solidárias, pessoas que em coletividade se organizam para cozinhar comida para pessoas que estão em situação de rua ou mesmo que não têm como realizar as três refeições diárias.
Muitas notícias mostram que várias associações de moradores também estão utilizando carros de som para conscientizar as pessoas e dar informações sobre quais são os sintomas da COVID-19, o que fazer em casos graves, como cuidar-se em casa. Um dos grandes inimigos é a desinformação e até mesmo as notícias falsas (fake news), e diante disso as comunidades também estão buscando sensibilizar os moradores de cada localidade.
O lema para as favelas nunca foi fique em casa, e sim: fique em casa se puder!
No Morro da Babilônia favela localizada no Rio de Janeiro moradores se organizam e conseguem equipamentos de proteção individual e material para dedetizar os caminhos, becos e ruelas na comunidade. Em outras comunidades houve articulação direta com médicos e enfermeiros para fazer atendimento voluntário em postos de saúde improvisados pelos mesmos moradores, já que em muitos casos nem sequer há unidades básicas de saúde nos arredores. Também se vê a solidariedade vinda do campo: movimentos sociais como o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) têm doado toneladas de alimentos para diferentes comunidades de norte a sul do país.
A auto-organização, a solidariedade, a criatividade para gestionar a crise surgem do povo e para o povo. Aqui consegui mencionar apenas algumas estratégias que podem ser replicadas também na sua comunidade; com certeza existem outras que não estão sendo divulgadas nos canais de televisão e nem na internet. Sim, o que resgato é a esperança de que sim: O Brasil tem jeito e nosso jeito é popular, é preto, é mulher e é mãe! Somos diversos e cheios de criatividade. Os sistemas políticos estão aí para nos oprimir, mas nós somos a base que se nos movermos desmoronaremos tudo e ninguém poderá nos segurar!
Se puder fique em casa!
Busque uma rede de apoio perto da sua casa e faça suas doações!
Organize-se no seu bairro e com seus vizinhos!
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Louise Caroline Gomes Branco, nascida no Norte, criada no Nordeste e ativista do coletivo Afrofeminista Akoben, é antropóloga.
Imagem: Comunidade do Chapadão, zona norte do Rio de Janeiro – Foto: Paula Cavalcanti
Amei percorrer o texto e sentir a energia aumentar, gradativamente, da tensão dos terríveis fatos que enfrentamos historicamente no Brasil- agravados com os graves desafios da pandemia, até a emoção que não consigo batizar diante do vigor, da garra e da beleza que é o povo brasileiro. Me faltam palavras e acho que é por você já ter dito tudo, Louise! Gratidão pela emoção sentida aqui, de fé na vida, em nós e no Brasil. Muita Luz pra todes nós! ???