Bolsonaro pressionou Ministério da Agricultura para facilitar agrotóxicos a aliados em SP

Medida que prejudica quilombolas, promulgada em abril, reduz distância mínima para pulverização aérea de venenos em bananais no Vale do Ribeira, onde o presidente foi criado; dono de empresa de aviação agrícola, parceira de campanha, reuniu-se com ele e Tereza Cristina 

Por Leonardo Fuhrmann, em De Olho nos Ruralistas

No dia 4 de maio, quando o país já registrava mais de 4 mil mortes por Covid-19, entrou em vigor a Instrução Normativa nº 13, promulgada no dia 8 de abril pela Secretaria de Defesa Agropecuária do Ministério da Agricultura, sem passar por qualquer consulta pública. A medida revoga duas instruções anteriores para permitir a pulverização aérea de plantações de banana até 250 metros de distância de bairros, cidades, vilas e povoados. A distância mínima anterior era de 500 metros. Na linguagem do ministro Ricardo Salles, o governo “passou uma boiada”.

Ao reduzir as distâncias para a pulverização da cultura da banana, o governo favorece diretamente os produtores do Vale do Ribeira, em São Paulo, onde Bolsonaro foi criado e sua família mantém negócios. Segundo dados do Instituto de Economia Agrícola de São Paulo (IEA-SP), o estado foi, em 2018, o segundo maior produtor de bananas do país, atrás da Bahia. O Vale do Ribeira foi responsável por quase 68% da produção paulista naquele ano. E o presidente conhece bem os beneficiados.

Em julho de 2018, o político e o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) estiveram na sede da Banaer Pulverização Agrícola, em Registro (SP), no Vale do Ribeira. Era a pré-campanha do pai, do filho e do produtor de bananas Valmir Beber, candidato a deputado federal pelo PSL. “O Jair é da nossa região, conhece a nossa realidade e queremos que ele assuma compromisso com o desenvolvimento regional”, disse Beber. Um ano e meio depois, ele e a Banaer foram favorecidos pela medida do governo federal.

De Olho nos Ruralistas vem informando desde a campanha eleitoral de 2018 sobre a relação entre o político e os produtores de banana do Ribeira: “Aliado de Bolsonaro é condenado criminalmente por plantar bananas na Caverna do Diabo“. Foi em um quilombo da região que o então candidato disse ter estado, em um discurso no clube Hebraica, no Rio, quando se referiu ao peso dos descendentes de escravos em arrobas: “Quilombolas de Eldorado dizem que Bolsonaro nunca os visitou“.

MINISTRA FOI PARABENIZADA POR INSTRUÇÃO NORMATIVA

Na reunião ministerial de 22 de abril, cujo vídeo foi divulgado pelo ministro Celso de Melo, do Supremo Tribunal Federal (STF), no dia 22, Bolsonaro faz menção a uma medida que teria sido revogada pelo Ministério da Agricultura, beneficiando produtores da região: “E assim, cada órgão, como eu falei da Tereza Cristina, que mudou uma Instrução Normativa, revogou uma Instrução Normativa, ajudou 400 mil pessoas no Vale do Ribeira — parabéns a ela — assim são outras decisões”.

Segundo o portal Antagonista, as loas públicas à ministra da Agricultura se referem à Instrução Normativa nº 4, de 18 de março de 2019, que revogou medidas que estabeleciam os parâmetros para importação de banana do Equador, restringindo, portanto, o comércio. E conforme as promessas de campanha: “Aliado de produtores de banana no Vale do Ribeira, Bolsonaro faz lobby contra importação da fruta

Mas Bolsonaro pode estar se referindo a algo mais recente.

Um levantamento feito pelo De Olho nos Ruralistas no Diário Oficial da União e na página do Ministério da Agricultura encontrou, no período entre março e abril de 2020, apenas uma medida revogando instruções normativas anteriores com impacto direto no Vale Ribeira: exatamente a Instrução Normativa nº 13, sobre pulverização aérea.

A citação veio em um trecho que mostra a preocupação do presidente com demandas de pessoas próximas. No caso, a alteração no comando do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) depois de reclamação do empresário Luciano Hang, da Havan:

— O Iphan para qualquer obra do Brasil, como para a do Luciano Hang. Enquanto tá lá um cocô petrificado de índio, para a obra, pô! Para a obra. O que que tem que fazer? Alguém do Iphan que resolva o assunto, né? E assim nós temos que proceder.

Na conta de Bolsonaro, a medida de Tereza Cristina favoreceria mais do que a população total do Vale do Ribeira que, segundo dados de 2018 publicados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é de 326 mil pessoas. Entre essas pessoas estão os quilombolas, indígenas e demais povos tradicionais, que não serão beneficiados pela decisão do governo.

Região mais pobre de São Paulo, com municípios com baixo índice de desenvolvimento social, o Vale do Ribeira tem a produção de banana como uma de suas mais importantes atividades econômicas. Ali existem dez aldeias Guarani Mbyá e Ñandeva, mais de oitenta comunidades caiçaras e 98 dos 142 territórios quilombolas existentes no estado de São Paulo, 36 deles oficialmente delimitados.

PRESIDENTE FAZ LOBBY CONTRA IMPORTAÇÃO

Bolsonaro nega categoricamente que sua família tenha interesse direto na produção de bananas. Mas ele vem usando seu poder para favorecer produtores da região. Já como presidente, em março de 2019, em transmissão ao vivo, ele voltou a prometer acabar com o “fantasma da importação de banana” do Equador. Isto após decisão da juíza Luciana Raquel Tolentino de Moura, da 7.ª Vara da Justiça Federal, em Brasília, suspender temporariamente as importações, alegando questões sanitárias.

Durante a campanha eleitoral de 2018, Bolsonaro gravou vídeos em apoio à candidatura a deputado federal de Valmir Beber, diretor da Associação dos Bananicultores do Vale do Ribeira (Abavar) e amigo de Renato Bolsonaro, irmão do presidente, que atuou como cabo eleitoral do empresário. Uma transmissão ao vivo foi gravada na própria sede da Abavar, onde se pode ver Jair cochichando no ouvido do produtor de bananas.

“Amigos do Vale do Ribeira, em 7 de outubro, todo mundo é Beber”, disse o presidente em um dos vídeos, gravado quando ainda estava hospitalizado, após a facada em Juiz de Fora (MG). Observem a retórica de Bolsonaro:

— Sem essa de importar banana do Equador. A banana é nossa. Tamos juntos. Vamos dar uma banana àqueles que querem importar banana do Equador. 

Criado no início do século XX pelo escritor O. Henry, o termo República de Bananas designa países, geralmente da América Latina e Caribe, dependentes da produção e venda de produtos primários, cujas instituições são frágeis e sujeitas à influência de empresas estrangeiras. No caso das bananas, Bolsonaro invoca um nacionalismo que não se observa em outras esferas do governo, reverente, por exemplo, aos Estados Unidos.

Em agosto de 2019, durante visita a produtores de frutas no litoral do Piauí, o presidente disse que o acordo entre o Mercosul e a União Europeia para eliminação de tarifas, anunciado em junho, beneficiaria o setor brasileiro da fruticultura. “Uma das coisas mais importantes”, afirmou em relação a esse acordo, “lá fora não terá mais barreira para importar as frutas produzidas no Brasil, a tarifa será zero”.

SAIBA QUEM SÃO OS EMPRESÁRIOS BENEFICIADOS 

Foi Valmir Beber o aliado do presidente condenado em março de 2018 a um ano de reclusão pela Justiça em Eldorado, no Vale do Ribeira, por crime ambiental. Exatamente o município onde Bolsonaro disse ter visitado quilombolas supostamente acima do peso. O empresário foi acusado de manter uma plantação de bananas em uma área de 19,5 hectares dentro do Parque Estadual Caverna do Diabo, importante ponto turístico da região.

Em dezembro daquele ano, já eleito, Bolsonaro recebeu Beber em uma reunião no Palácio do Planalto ao lado da ministra da Agricultura, Tereza Cristina: “Bolsonaro recebe empresário condenado por plantar bananas em parque estadual no Vale do Ribeira“.

Beber quase engrossou a base de apoio do presidente no Congresso: ele recebeu 22.031 votos, pelo PSL, e só não foi eleito por causa da cláusula de barreira, que exige um mínimo de votos nominais. Mas eles continuaram próximos.

Além dele, participaram da comitiva da Associação dos Bananicultores o empresário Rene Mariano e outro diretor da entidade, Agnaldo Oliveira, além do pesquisador Wilson Moraes, da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (Apta).

O assunto do encontro foi o aumento nos investimentos em pesquisa e tecnologia para o setor, além de medidas de apoio à produção e comercialização. Também foi discutida a proibição da importação de banana do Equador.

Assim como Beber, Mariano tem um histórico de destruição ambiental. Ele foi condenado em 2017, em ação civil pública proposta pelo Ministério Público de São Paulo, por não manter a reserva legal de sua fazenda, a São Lourenço, em Jacupiranga, município vizinho de Eldorado. O imóvel tem pouco mais de 780 hectares. O empresário tem interesse direto na instrução normativa editada pelo Ministério da Agricultura: ele é dono da empresa Banaer Pulverização Agrícola.

EMPRESA LEVOU MULTAS POR CONTAMINAR RIOS

Além de diminuir para 250 metros a faixa para pulverização de agrotóxicos nas plantações, a nova instrução do governo federal passa a considerar áreas de vegetação secundária aquelas em processo de regeneração passiva, como barreira de proteção a mananciais, junto à cobertura vegetal nativa ou reflorestada. A medida também beneficia as empresas de aliados de Jair Bolsonaro.

Em reunião ministerial, no dia 22 de abril, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, disse que o governo deveria aproveitar o período de “tranquilidade” da pasta durante a pandemia do novo coronavírus para aprovar “reformas infralegais de desregulamentação e simplificação”. Sua fala ficou marcada pela expressão utilizada para a tática de liberação em peso de medidas a favor dos empresários, “ir passando a boiada“.

O Plano Diretor de Recursos Hídricos da Bacia Hidrográfica do Ribeira do Iguape e Litoral Sul para o período entre 2004 e 2011 já apontava a Banaer Pulverização Agrícola como responsável pela contaminação de rios da região. A empresa de Mariano voltou a ser autuada pela Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) em novembro de 2013. O órgão entendeu que foram despejados poluentes de uma maneira que causava incômodo ao bem-estar público, além de danos à flora e fauna.

Há décadas, a pulverização aérea feita por pequenas aeronaves é tema de campanhas internacionais devido ao alto índice de deriva dos agrotóxicos. O método é vantajoso para monoculturas em grandes propriedades por cobrir rapidamente toda a área plantada, porém boa parte do produto não atinge a planta e acaba contaminando o solo, lençóis freáticos, cursos d’água e pessoas que estão próximas. No Brasil, o movimento é capitaneado pela Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida e pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).

Dados da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), de 2004, apontam que, ainda que os equipamentos estejam calibrados, apenas 32% do produto alcança as plantas. Outros 49% atingem o solo, onde parte se evapora e parte é absorvida pelo lençol freático, e 19% ficam dispersos em partículas no ar. Dependendo das condições climáticas, os agrotóxicos podem atingir um raio de 32 quilômetros de onde foram originalmente aplicados.

QUILOMBOLAS: ‘NÓS PLANTAMOS BANANAS ORGÂNICAS’

A IN nº 13/2020 tem um impacto direto para as comunidades quilombolas do Vale do Ribeira, que veem a medida com preocupação, tanto pela possibilidade de danos diretos para a saúde, como pela contaminação da água, solo e vegetação em seus territórios. “Nós também plantamos bananas, mas o nosso produto é orgânico. Temos também lavouras de subsistência próximas”, afirma Laudessandro Marinho da Silva, quilombola de Ivoporonduva, em Eldorado.

Os quilombolas da região já tiveram problemas anteriores com o presidente. Em palestra na Hebraica, no Rio, em abril de 2017, Bolsonaro, ainda pré-candidato, relatou uma suposta visita a um quilombo. “Eu fui num quilombola [sic] em Eldorado Paulista. Olha, o afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada. Acho que nem pra procriador serve mais”, disse.

Em razão das afirmações, Bolsonaro foi alvo de denúncia da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pela prática, indução e incitação da “discriminação e preconceito contra comunidades quilombolas”. A primeira turma do Supremo Tribunal Federal livrou Bolsonaro de responder por racismo. Considerou que a liberdade de expressão e, principalmente, a imunidade parlamentar lhe livravam de responder criminalmente pelas declarações.

Mas, para além da fala preconceituosa, os moradores de quilombos protestam por mais um aspecto. Garantem que a afirmação é falsa, pois ele nunca esteve lá.

CUNHADO DE JAIR FOI CONDENADO POR INVADIR QUILOMBO

Esse não é o único exemplo da animosidade de Bolsonaro e seus parentes contra as comunidades negras rurais. Casado com uma das irmãs de Bolsonaro, Vânia, o empresário Theodoro da Silva Konesuk foi condenado por invadir terras quilombolas, segundo uma decisão da Justiça de setembro de 2018.

Ele teve que devolver uma área pertencente aos remanescentes do quilombo do Bairro Galvão, em Iporanga, município vizinho de Eldorado. Contamos essa história, com exclusividade, durante a campanha eleitoral: “Cunhado de Bolsonaro é condenado por invasão de quilombo no Vale do Ribeira“.

A grande imprensa brasileira ignora até hoje a notícia.

Depois que a terra foi devolvida, quilombolas contam que funcionários do empresário voltaram ao local e destruíram as cercas e o trabalho dos agricultores. O cunhado de Bolsonaro utilizava a terra pública para criar gado. A lavoura dos quilombolas que teria sido destruída era justamente de bananas.

Reportagem adicional: Alceu Luís Castilho Bruno Stankevicius Bassi

Foto (Valter Campanato/Agência Brasil): Bolsonaro com Guedes e a ministra da Agricultura, Tereza Cristina.

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