Caso Samarco: MPF recorre de decisão que negou implementação de Plano de Ação em Saúde em Barra Longa (MG)

Passados 4 anos e meio do rompimento da barragem de Fundão, sistema de saúde municipal continua sobrecarregado com as demandas geradas pelo desastre

Ministério Público Federal em Minas Gerais

O Ministério Público Federal (MPF), por meio da força-tarefa que atua no caso Samarco, recorreu de decisão judicial que indeferiu a concessão de tutela de urgência para a implementação de um Plano de Ação em Saúde no município de Barra Longa (MG). O pedido, originalmente feito em ação civil pública ajuizada no último mês de março, visa obrigar a Fundação Renova a custear integralmente as medidas previstas em tal plano, por meio do repasse de recursos ao Sistema Único de Saúde (SUS) no município de Barra Longa, que se encontra sobrecarregado com os atendimentos à população, desde o rompimento da barragem de Fundão, em novembro de 2015.

Barra Longa, cuja sede está localizada a 72 quilômetros de Mariana, foi severamente atingida: a lama desceu o Rio do Carmo, que cruza todo o município, com um volume tão intenso que transbordou o leito do curso d’água, formando uma espessa camada de rejeitos de minérios nas ruas e praças da cidade. Quando essa lama secou, deu origem a uma poeira fina, que se espalhou nas ruas, casas e plantações. A poluição ambiental, somada à profunda alteração na rotina de vida das pessoas atingidas, com problemas que permanecem sem solução após mais de quatro anos e meio do desastre, causou diversos e graves problemas de saúde na população.

No último Dia do Meio Ambiente, 5 de junho, equipe do Laboratório de Educação Ambiental, Arquitetura, Urbanismo, Engenharias e Pesquisa para Sustentabilidade (LEA-Auepas), da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), coordenada pela professora Dulce Maria Pereira, expediu Nota Técnica apontando, com base em estudos realizados em Barra Longa a partir da relação de atendimentos no SUS entre 2016 e 2018, que casos de “parasitose, hipertensão, dermatite, diabetes, depressão, transtorno mental e asma tiveram um incremento superior a 1.000% nos atendimentos”. O MPF ainda menciona outro estudo realizado pela Fundação Getúlio Vargas, que também indicou o incremento de problemas de saúde na população de Barra Longa após o rompimento de Fundão.

A questão é que o SUS no município conta com apenas três equipes de Saúde da Família para atendimentos das demandas de todas as comunidades. Há falta de pessoal, de insumos e de equipamentos. Na prática, desde 2015, o município teve de reorganizar seus serviços para atender ao aumento da demanda, incluindo a busca por especialidades e exames que não estavam previstos na rotina de trabalho dos agentes municipais. Essa sobrecarga do sistema tem sido custeada pelos entes públicos gestores do SUS, embora o acordo firmado em 2016 entre União, estados de Minas Gerais e do Espírito Santo e as empresas Samarco, Vale e BHP Billiton, chamado de Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC), tenha previsto que a Fundação Renova, entidade criada para gerir e implementar os programas de reparação resultantes do desastre, teria diversas obrigações no âmbito da saúde. Na prática, no entanto, a Renova vem postergando ao máximo o cumprimento dessa obrigação, o que, para o MPF, tem causado, pela atuação da própria fundação, novos danos à população atingida.

Construção do plano – Ao relatar o longo histórico de protelação da Renova, a ação lembra que a construção do Plano de Ação em Saúde de Barra Longa passou por todo o processo de elaboração, avaliação e validação definidos pelo Comitê Interfederativo (CIF) e pela Câmara Técnica de Saúde (CT-Saúde), órgãos criados para funcionar como instâncias de controle e diálogo entre municípios, populações atingidas e a Fundação Renova.

Importa lembrar que a elaboração de tais planos, no âmbito do Programa de Apoio à Saúde Física e Mental da População Impactada, estava prevista nas Cláusulas 106 a 112 do TTAC, que também previu que caberia à Fundação Renova organizar as ações de reparação em saúde, de forma a apoiar e fortalecer as redes de saúde dos estados e municípios atingidos, por meio da implantação de Planos de Ação em Saúde.

O Plano de Ação em Saúde de Barra Longa foi construído de forma conjunta pela Secretaria Municipal de Saúde, pela Comissão de Atingidas e Atingidos de Barra Longa e pela Assessoria Técnica dos Atingidos no município de Barra Longa (Aedas). Baseou-se em dados oficiais disponibilizados por essa secretaria e em dados obtidos pelo Coletivo de Saúde dos Atingidos e em estudos realizados pelo Ministério da Saúde (EpiSUS) e pela empresa Ambios.

Em 6 de novembro de 2018, durante a 18ª Reunião Ordinária da CT-Saúde, foi informado à Fundação Renova que a avaliação do Plano de Ação em Saúde de Barra Longa se daria na reunião seguinte, nos termos de um fluxograma aprovado pelo CIF. A Renova informou que já havia, inclusive, feito algumas avaliações preliminares a respeito do documento. No entanto, na reunião seguinte, realizada em 21 e 22 de novembro de 2018, a fundação disse que não teria tido “condições” para leitura e avaliação completa do documento.

Em 18 de dezembro seguinte, o sistema CIF, por meio da Deliberação 252, aprovou o plano com algumas poucas ressalvas. Embora aprovada, a deliberação do CIF não foi cumprida pela Fundação Renova, o que levou a presidência do Comitê Interfederativo a notificar a entidade em 28 de fevereiro do ano passado acerca do descumprimento.

De nada adiantou. Em agosto de 2019, a Comissão de Atingidas e Atingidos de Barra Longa e o Coletivo de Saúde de Barra Longa encaminharam ofício à Renova, solicitando urgência na implementação do plano. O documento trata das consequências à população, sofre “todos os dias com a escassez de acompanhamento, limitação dos profissionais da saúde, falta de consultas especializadas, necessidade de serviço especializado em saúde mental diante do que está vivendo após o rompimento da barragem da Samarco”.

Representantes da Secretaria Municipal de Saúde de Barra Longa declararam ao MPF que, nos últimos anos, “foram muitas reuniões sobre o Plano de Ação de Saúde, mas, a cada nova resposta do município de Barra Longa, a Renova faz outra observação, nova ressalva ou nova pergunta. Infelizmente, acreditamos que já está esgotada a via de conciliação ou acordo para que a Fundação Renova custeie voluntariamente o Plano de Ações em Saúde em Barra Longa.”

Abuso de direito – Ao se defender na ação, a Renova alegou suposta violação ao processo de construção conjunta do Plano de Ação de Saúde de Barra Longa. No entanto, contraditoriamente, admitiu sua participação em reuniões ocorridas em 2 de abril, 2 e 24 de maio de 2019 para discussão do plano de ação. Seus representantes também compareceram às reuniões da CT-Saúde que discutiram o Plano de Saúde de Barra Longa e à Oficina de Construção de Planos de Ação de Saúde com os municípios mineiros em 8 de novembro daquele ano.

Além disso, “a Renova teve desde dezembro de 2018 para solucionar eventuais pendências do Plano de Ação de Saúde de Barra Longa e para implementá-lo, nos termos da decisão do CIF, o que não foi feito, em que pese a urgência do tema, central para a efetivação dos direitos fundamentais à saúde e à própria vida, bem como à afirmação do princípio da dignidade humana”, relata o recurso.

Defesa do patrimônio do SUS – Ao negar o pedido de concessão da ordem judicial, o juízo da 12ª Vara Federal considerou que questões relativas ao Plano de Ação em Saúde de Barra Longa já estariam contidas nas ações civis públicas que tramitam naquela vara. No entanto, os procuradores da República demonstram no recurso que o Plano de Ação em Saúde de Barra Longa foi concluído somente em dezembro de 2018, enquanto as ações civis públicas que buscam a reparação integral dos danos datam de 2015 e de 2016, e a não implementação do plano decorre de conduta posterior da própria Fundação Renova.

O recurso reitera que as demandas já existentes no âmbito do SUS em Barra Longa precisam ser atendidas de imediato, e que não “se pode repassar à população o custo da inviabilização do SUS em decorrência da sobrecarga advinda ao sistema público em decorrência do desastre do rompimento da barragem de Fundão”.

Íntegra do agravo

Íntegra da decisão judicial

Íntegra da inicial da ACP 

Arte: Secom/PGR

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