Os bares reabrem, as escolas continuam fechadas – e os casos, subindo

por Maíra Mathias e Raquel Torres, em Outra Saúde

A ORDEM DAS COISAS

Comércio, bares, restaurantes, lanchonetes, salões de beleza e academias são alguns dos estabelecimentos e serviços que começam a aparecer primeiro nos planos de reabertura, aqui e em outros países. Hoje mesmo, já será possível para os cariocas comerem fora e se reunirem nos amados botecos. As escolas vão ficando para depois e, como dissemos ontem, aqui no Brasil poucos professores se sentem seguros para a retomada. 

Mas há problemas nesse arranjo. Um deles é logístico: quando mães e pais trabalham, crianças não podem ficar sozinhas em casa. E quase dois milhões de brasileiros vivem sozinhos com seus filhos menores de 14 anos. A maioria esmagadora (1,76 milhão), é claro, são mulheres. E, entre elas, a maioria (1,1 milhão) são negras. Os dados são de uma pesquisa da FGV. “Qualquer plano de reabertura sem o retorno da escola presencial tende a ampliar as desigualdades de gênero e de raça, que já são elevadas no Brasil”, afirma Cecília Machado, uma das autoras, na Folha. 

Outra questão é sanitária. Há pesquisas recentes indicando que a transmissão em escolas é muito menor que em outros ambientes, como… bares. Em duas reportagens publicadas hoje nos sites STAT e  Vox, especialistas concordam com a importância social de reabrir as escolas e explicam o que deveria estar sendo pensado (referem-se aos EUA, mas o raciocínio pode ser transposto para o Brasil) para garantir que esse retorno seja possível e seguro em algum momento no futuro próximo. O jeito, dizem eles, é priorizar as escolas e manter uma série de outros serviços, como bares e restaurantes, fechados.

“Nesse momento, é a única forma de tentar evitar confinamentos absolutos”, diz Helen Jenkins, epidemiologista da Universidade de Boston, no STAT. Isso porque cada local reaberto significa um potencial aumento da transmissão, em maior ou menor grau, e seria preciso planejar com mais racionalidade a ordem das reaberturas. É claro que, em locais onde o vírus está totalmente descontrolado, o ideal seria um lockdown rigoroso durante pouco tempo. 

SUBINDO

O Brasil está, há dez semanas seguidas, com uma taxa de contágio acima de 1. Hoje, a cada cem infectados, o novo coronavírus é transmitido para 103 pessoas – que, por sua vez, passam adiante o patógeno para outras 106. Como já dissemos por aqui, nossa situação foi bem pior no final de abril, quando cem pessoas com o vírus contaminavam 280. Mas fica fácil entender por que ainda não estamos em uma situação segura comparando com outro país que, pela primeira vez, conseguiu reduzir essa taxa para menos de 1: o Chile. Por lá, cem pessoas transmitem para 87, que passam o vírus para 75…

Os números são do Imperial College de Londres, que acompanha 57 países. Nessa relação, nossa taxa de contágio é a 33ª maior. Mas, segundo os epidemiologistas, tivemos o maior número de óbitos estimados entre todas as nações para a semana que começou em 21 de junho: 7.590. Esse número, baseado em um modelo epidemiológico, é próximo do registrado oficialmente: 7.094. Há, contudo, uma divergência no diagnóstico das tendências entre os relatórios do Imperial College e os boletins do Ministério da Saúde. Para a instituição britânica, os óbitos teriam aumentado em relação à semana que começou 14 de junho.

Por aqui, no dia em que o país ultrapassou a marca das 60 mil mortes por covid-19, o Ministério da Saúde voltou a falar em platô. “O número de óbitos, que é a fase mais triste dessa doença, tem se mantido relativamente em um platô. Embora elevado, mas em platô”, disse o secretário de Vigilância em Saúde, Arnaldo Correia. Passamos de 7.256 para os 7.094 óbitos – uma redução de apenas 2%.

Mas um destaque muito importante deve ser feito: quase metade das mortes da epidemia brasileira foram registradas em junho, com 29 mil dos 60,7 mil óbitos. E mais da metade dos casos também: foram 875 mil registros num universo de 1,4 milhão. 

Na comparação semana a semana, os casos vêm crescendo desde 7 de junho. Primeiro, timidamente (2%), depois aceleradamente: 22% até atingir o índice de 13% na semana passada, quando foi registrado um total de 246.088. A situação é pior na região Sul, com aumento de 47% nos casos. Na sequência, vêm Norte (23%), Sudeste (13%), Centro-Oeste (9%) e Nordeste (5%).

Não é à toa que 13 das 27 capitais brasileiras estão com mais de 80% dos leitos de UTI ocupados. Os doentes chegam após as reaberturas comerciais, mas também do interior, por conta da interiorização da doença. Lugares tão distantes quanto Porto Alegre e Boa Vista veem a água chegar ao teto. 

Segundo o Ministério, o coronavírus chegou a 90% das cidades brasileiras. E 45% já registraram algum óbito. “A distribuição de casos vem diminuindo nas capitais e aumentando no interior, vamos ver como se comporta nas próximas semanas. Os óbitos nas capitais também vêm diminuindo e aumentando no interior”, afirmou Arnaldo Correia.

O fato é que entre os brasileiros que acreditam que a pandemia está piorando no Brasil, 73% avaliam que Jair Bolsonaro atrapalha no combate ao novo coronavírus. E mais de um terço (36%) daqueles que acham que as coisas estão melhorando também apontam o presidente como um obstáculo na resposta brasileira.

“O Brasil começou bem, e se perdeu de uma forma que não vamos aceitar nunca”, constata Deisy Ventura, da USP, em entrevista à rádio francesa RFI. “O presidente declarou guerra aos governadores e aos prefeitos que adotaram medidas quarentenárias, quando essas medidas, baseadas em evidência científicas, foram fundamentais em muitas cidades e estados. E agora estamos pagando um preço altíssimo pela abertura precipitada em algumas cidades e estados que custam muitas vidas.”

LOOPING

No dia 8 de junho, portanto quase um mês atrás, autoridades do Comitê de Contingência do coronavírus em São Paulo disseram acreditar que o estado havia chegado a um platô no nível de transmissão da covid-19, argumentando que o ritmo de crescimento da doença estava constante havia semanas. “Esse é um dado positivo que estávamos esperando há um mês para ter uma noção de que realmente estamos atingindo o nosso platô e isso nos deixa bastante mais tranquilos”, afirmou, na época, o coordenador Carlos Carvalho.

Pois ontem o governador João Doria (PSDB) voltou no tempo: “Nós estamos muito próximos do platô, que é aquela faixa superior e muito próximos de chegar a esse momento aqui no estado de São Paulo. Depois, dizem os especialistas, médicos, cientistas, epidemiologistas e infectologistas que esse platô segue em uma linha horizontal. E depois, na sequência, é o que nós esperamos, o decréscimo”, garantiu ele, em entrevista à Globonews.

A capital bateu novo recorde de casos diários confirmados ontem: 8.923, segundo a prefeitura. No estado inteiro, os números divulgados – 15 mil mortes, num total de 289.935 infecções acumuladas desde o começo da pandemia – são muito ruins, mas Doria comemora o fato de que são menores do que o esperado. A projeção do Comitê era de 18 mil mortes até o fim de junho.

As internações entre os mais ricos estão em queda. O hospital Albert Einstein, referência no tratamento da covid-19 no setor privado, está desativando leitos e remanejando alas antes destinadas exclusivamente a pacientes com a doença. O número de internados com o vírus caiu de mais de 110 em meados de abril para em torno de 60 hoje. 

E a segunda fase de um estudo para verificar a prevalência do coronavírus na capital (com testes sorológicos por amostragem da população) sugere que 16% dos moradores dos bairros mais pobres da cidade foram infectados, contra 6,5% nos distritos mais ricos. 

RENÚNCIA

Alberto Beltrame renunciou ontem ao cargo de secretário de Saúde do Pará e, por consequência, deixou a presidência do Conass (o conselho dos secretários estaduais). Ele foi alvo de busca e a apreensão por suspeita de fraudes na aquisição de respiradores no estado, e ainda foi acusado de desvio de verba na compra de garrafas pet vazias para armazenar álcool gel. Beltrame teve decretada a quebra de seus sigilos bancário e telefônico. “Tomei esta decisão para poder cuidar de minha saúde e me dedicar à defesa do meu maior patrimônio: a minha honra e dignidade”, escreveu ele, em carta aberta. Quem fica em seu lugar é Carlos Lula, secretário de Saúde do Maranhão, que, em 30 dias, vai convocar uma eleição para o posto.

INDÍGENAS VÃO AO STF

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e seis partidos políticos tiveram que entrar com uma ação no STF para obrigar o governo federal a proteger essa população durante a pandemia, já que, até agora, as ações de prevenção e enfrentamento estão sendo feitas em grande parte localmente, pelas prefeituras, estados ou, muitas vezes, pelas próprias comunidades organizadas. Há pouco tempo contamos por aqui como a Funai vem gastando pouco (e mal) seus recursos no combate ao coronavírus. 

Até agora, organizações indígenas contabilizaram 403 mortes e 10.341 infectados. Um estudo da Fiocruz divulgado no início do mês mostra que 48% dos indígenas que procuram atendimento hospitalar com covid-19 morrem, e esse percentual é pior do que o de qualquer outro grupo étnico no país: 28% dos brancos, 36% dos pretos e 40% dos pardos morrem. “O governo federal vem agindo de maneira absolutamente irresponsável no controle da pandemia do coronavírus em relação aos povos indígenas. As ações e omissões do poder público estão causando um verdadeiro genocídio, podendo resultar no extermínio de etnias inteiras”, alertam os autores.

A primeira solicitação é que a União isole e mantenha barreiras sanitárias nas terras isoladas e de recente contato, algo tão básico que é incrível precisar da Justiça para isso. “Fomos obrigados a recorrer à instância máxima do Judiciário porque, enquanto permanecemos isolados, nossos territórios estão sendo invadidos e nossa saúde, negligenciada. Segundo a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), a taxa de mortalidade pela doença por 100 mil habitantes entre indígenas da região é 150% maior que a média nacional, e ao menos 30% dos territórios analisados no estudo têm potencial elevado de contágio “por causa do desmatamento e da ação de grileiros e garimpeiros”, escreve Eloy Terena, assessor jurídico da Apib, na Folha

Entre outras demandas, a ação pede a retirada dos invasores de seis terras indígenas (Yanomami, Karipuna, Uru-Eu-Wau-Wau, Kayapó, Araribóia, Munduruku e Trincheira Bacajá); exige que a Secretaria Especial de Saúde Indígena do Ministério da Saúde passe a atender em áreas ainda não demarcadas e os indígenas que vivem nas cidades (hoje isso não acontece e é uma fonte antiga de preocupação); e que se crie, em 20 dias, um plano de enfrentamento de covid-19 para os povos indígenas. 

COROAÇÃO DO DESCASO

A tragédia do coronavírus nas aldeias – com comunidades ameaçadas por grileiros, aldeados que se expõem nas cidades para conseguir dinheiro e comida, indígenas não afastados de seus trabalhos que espalham involuntariamente a doença nas comunidades, ausência de proteção pelas autoridades – é obviamente fruto de um processo histórico muito mais grave. Um jovem de 15 anos do povo Guarani Kaiowá, no Mato Grosso do Sul, falou ontem sobre o descaso do Brasil com a saúde indígena no encontro anual sobre os direitos das crianças do Conselho de Direitos Humanos da ONU. O grande problema de fundo, denunciou ele, é o do acesso à terra.

“O meio ambiente afeta diretamente os direitos de meninos e meninas. Para a infância indígena, a proteção do território é a forma de garantir nosso estilo de vida tradicional, sobrevivência, nosso desenvolvimento como ser humano e o exercício de todos os nossos direitos humanos” disse, criticando a paralisação das demarcações no governo Bolsonaro. E completou: “Nossas crianças sofrem com taxas elevadas de desnutrição. Somos mais de duas mil famílias – 60% crianças –, sobrevivemos em barracas de lona sem acesso à água, saúde, educação, alimentação, em uma verdadeira crise humanitária”.

E nem a demarcação garante segurança, como sabemos. Pelo menos 12 denúncias de garimpos em unidades de conservação e terras indígenas da Bacia do Xingu foram protocoladas só entre dezembro de 2018 e maio deste ano, segundo um levantamento da Rede Xingu+. É uma verdadeira “pandemia de garimpo na região”, que ajuda a explicar o crescimento da covid-19 na área. A terra mais vulnerável é a Yanomami, onde mais de 20 mil garimpeiros ilegais ameaçam o território. Em junho, dois jovens indígenas foram mortos a tiros por garimpeiros no meio da floresta.

Ontem, militares realizaram uma operação em Roraima que incluiu atendimento médico a yanomamis. Distribuíram máscaras e fizeram testes rápidos – que são menos confiáveis e só dão resultado positivo pelo menos uma semana após o surgimento de sintomas. O ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, esteve lá. Disse que a pandemia em terras indígenas está “sob controle”. Quanto aos assassinatos, afirmou que “não é um fato corriqueiro e normal”. 

COMO FOI O BREQUE

“A classe trabalhadora 
tem que se unir pro arrebento. Os caras estão com processo de rasgar a carteira de trabalho de todo mundo e não podemos deixar. Vamos pra cima”. O chamado à ação foi feito por Paulo Lima – o Galo –, criador do Movimento dos Entregadores Antifascistas e foi feito ontem, durante a primeira greve nacional da nova e heterogênea categoria. São Paulo foi a capital onde a paralisação foi mais forte. Segundo os organizadores, cinco mil entregadores chegaram a participar dos atos – que incluíram o fechamento de vias.

Mas o movimento se espalhou pelo país e foram registrados atos em cidades como Belo Horizonte, Brasília, Curitiba e Fortaleza. As principais reivindicações foram o aumento do valor pago pelas empresas por quilômetro rodado, o estabelecimento de um preço mínimo por corrida para todos os aplicativos e o fim dos bloqueios injustificados.

Esses bloqueios podem acontecer das formas mais cruéis. “No dia 31 de março, Washington Santana Gomes procurou uma clínica particular para fazer um teste de coronavírus. Com a confirmação da doença, pegou um atestado do SUS indicando a necessidade de afastamento e o enviou para a Loggi, empresa de entrega para a qual prestava serviço. Dias depois recebeu um comunicado: para que pudesse se cuidar, a companhia informou que ele estava bloqueado no aplicativo e o aconselhou a tentar o auxílio emergencial de R$ 600 anunciado pelo governo, caso cumprisse os requisitos. ‘Lembre-se: saúde em primeiro lugar’, recomendava o texto”, apurou a Repórter Brasil, lembrando que o pagamento da licença em caso de afastamento por coronavírus é uma das reivindicações da paralisação.

E as empresas que divulgaram lá no início da pandemia que pagariam uma ajuda de custo aos trabalhadores, como Uber, 99 e Rappi, na verdade colocam tantas dificuldades de comunicação que o anúncio se tornou um praticamente um ser mitológico. “A gente não conhece ninguém que conseguiu”, disse à reportagem Edgar Francisco da Silva, conhecido como Gringo, presidente da Associação dos Motofretistas de Aplicativos e Autônomos do Brasil (AMABR).

“Precisamos olhar para esses trabalhadores como operários do nosso tempo. O que se deu nas fábricas no passado no sentido da superexploração repete-se hoje. Apesar de essa exploração não ser nova, é impreterível salientar que o movimento é embrionário e é fragmentado, complexificado e heterogêneo”, explicou ao site da Escola Politécnica da Fiocruz Clarisse Stavola, assessora política do Movimento de Entregadores Antifascista.

“Assim como promoveu a dispersão desses trabalhadores, a tecnologia também os vem reunindo, o que sugere o aparecimento de nova forma de organização. Como o patrão é virtual, o sindicato também é virtual”, prevê o professor da USP, Hélio Zylberstajn.

Ouvidas pelo Estadãoempresas como iFood, Rappi e Uber Eats negaram que tenha havido impacto prático nas entregas.  Os entregadores prometem outra paralisação nacional no dia 11. 

DETALHE NADA TRIVIAL

Em 24 horas, sumiram 812 casos de covid-19 no sistema do Departamento Penitenciário Nacional. Todos eles se referiam a presídios paulistas. Os casos no estado caíram de 1.019 para 207. Em nota, a secretaria de Administração Penitenciária de SP atribuiu a redução a mudanças na testagem: “os dados foram atualizados para apresentar os casos comprovados por meio do exame laboratorial de RT-PCR”.

A reportagem da Ponte traz vários questionamentos sobre a divulgação de dados do coronavírus em prisões: “A falta de transparência é alarmante, pois não há qualquer uniformidade metodológica na construção dessas categorias de ‘suspeitos’, ‘detectados’, ‘óbitos’ e ‘recuperados’. Números de detectados somem, aparecem números de recuperados que nunca haviam sido computados como contaminados, fora todo o problema da subnotificação”, diz Marília Budó, coordenadora do Infovírus, um observatório de casos de covid-19 em prisões.

Mas de fato nos interessa entender melhor os critérios usados por estados e municípios para incluir ou não um caso como confirmado. Deixar nas bases de dados apenas os testes RT-PCR parece mesmo mais adequado, já que os testes sorológicos têm graus de confiabilidade muito distintos. Mas, até onde sabemos, não há padronização no país quanto a isso, portanto, podemos estar lendo dados medidos com réguas distintas.

A propósito, chegou ontem mais um alerta relacionado aos testes rápidos, dessa vez a partir de uma revisão que avaliou 40 estudos disponíveis sobre eles. Em um artigo publicado no BMJ, os autores apontaram “grandes fragilidades” nos estudos que recomendam o uso de testes sorológicos como forma de confirmar a doença, e afirmaram que não há evidências sustentando a aplicação deles em unidades de saúde. Na revisão, eles se depararam com pesquisas enviesadas e com baixo nível de amostragem. Os exames identificam corretamente alguém que teve a doença em apenas 66% das vezes, em média. Mesmo os testes sorológicos feitos em laboratórios, que são um pouco mais precisos do que aqueles de farmácia, falham muito: em até 16% dos resultados positivos. 

ARMAMENTISMO

A sociedade brasileira tem até o próximo domingo (5) para contribuir com um regulamento de extrema importância: o de como o governo deve rastrear armas e munições. O prazo está chegando, mas a verdade é que ele mal começou: a consulta pública foi aberta pelo Exército na última-segunda-feira. 
Essa história começa em abril, quando Jair Bolsonaro pediu e o Exército atendeu, revogando três portarias que continham normas de rastreamento. Todos lembram da frase do presidente na reunião ministerial do dia 22 de abril: “Eu quero todo mundo armado”. Foi dita cinco dias depois da revogação das portarias.

O Ministério Público Federal apontou o problema, e moveu uma ação na Justiça Federal, assim como dois partidos, PDT e PSOL, que recorreram ao Supremo. A reação teria convencido o Exército da necessidade de elaborar uma nova norma. Agora, a consulta pública seria apenas um ‘faz de conta’ para que a flexibilização ganhe um ar de participação civil. Detalhe: segundo o Datafolha, 72% dos brasileiros discordam da visão de Bolsonaro de que seja ‘preciso armar todo mundo’.

“Essa perda de controle claramente beneficia a qualquer tipo de crime organizado, de tráfico ou milícias, que com menos rastreamento e menos marcação, tem mais chances de se abastecerem com armas e munições e menos chances de verem seus crimes esclarecidos”, resumiu Bruno Langeani, do Instituto Sou da Paz, para o El País.

ELEIÇÕES ADIADAS

Depois de passar pelo Senado, a Proposta de Emenda à Constituição que adia as eleições municipais foi aprovada na Câmara. Ao invés de 4 e 25 de outubro, o primeiro e segundo turnos do pleito foram remarcados para 15 e 29 de novembro. A PEC também prevê que esse prazo possa ser esticado para até 27 de dezembro nas cidades mais afetadas pela pandemia. 

Um partido do Centrão – PL – e outro da direita – PSC – foram os únicos a orientar suas bancadas contra o adiamento. Para passar, a PEC precisava de 308 votos favoráveis dos deputados – conseguiu 407. A aprovação demandou um acordo político, justamente com o Centrão. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) prometeu a retomada da propaganda partidária gratuita (que está em tramitação no Senado) e a prorrogação até o fim do ano de uma medida provisória (938) que, entre março e junho, manteve estáveis os repasses da arrecadação federal aos fundos de participação de estados e municípios. Os parlamentares afirmam que, de um total de R$ 16 bilhões reservados, só foram usados cerca de R$ 6 bi e, portanto, não haveria custo adicional para a prorrogação. 

BOATARIA

Como estamos diante do resto do mundo quando o assunto é a desinformação sobre o novo coronavírus? Se partirmos dos dados da pesquisa Ipsos, feita em 16 países, a resposta é mal. Por aqui, 18% acreditam que a hidroxicloroquina cure a covid-19. Não é de se espantar, com toda a propaganda do presidente Jair Bolsonaro e as medidas do Ministério da Saúde na contramão das evidências científicas. No Reino Unido, por exemplo, esse índice é de apenas 2%. 

Mas há uma crença ainda mais disseminada: a de que altas temperaturas e tomar sol previnem a infecção. Essa convicção, também não embasada na ciência, é compartilhada por 22% da população. No Reino Unido, apenas 9% concordam. E há 7% de brasileiros que acreditam em coisas totalmente estranhas, como que comer alho previne a doença. 

O país que vai pior é a Índia: por lá, 34% acreditam que alho previne covid; 35% na ideia das altas temperaturas; e 37% que hidroxicloroquina cura a doença. 

Por aqui, estaríamos chegando à sexta onda de desinformação sobre a covid-19, segundo a agência de checagem de fatos Lupa. Ondas de desinformação se caracterizam pela intensa aparição em redes sociais de conteúdos falsos sobre um mesmo tema em um curto período de tempo. 

Nesse sentido, o primeiro boato foi sobre a origem do vírus, que circulou em janeiro. Em março foi a vez das curas milagrosas, como chás e vinagre no lugar de álcool em gel. Em abril, o foco passou para a cloroquina e a hidroxicloroquina. A terceira onda foi a dos caixões vazios, também em abril, com fotos de um golpe aplicado a uma seguradora em 2017 no município paulista de São Carlos circulando como se fossem atuais, e de Manaus. Em maio, surge a onda de que a doença não é tão grave (e que os hospitais estariam vazios). A quinta onda tem a ver com números tirados da cartola que também tentam negar a gravidade da pandemia em comparação com outras, como a de H1N1. Segundo a Agência Lupa, a sexta onda que “já começa a se desenhar”, envolverá vacinas e medicamentos em testes. 
AGENDA

Será lançado (virtualmente) hoje o Susteinable Health Equity Movement, que tem como objetivo reunir entidades e pessoas numa mobilização mundial pelo direito universal à saúde. O brasileiro Paulo Buss, ex-presidente da Fiocruz, participa da abertura. 

Amanhã, às 10h, acontece o lançamento do Plano Nacional de Enfrentamento à covid-19, formulado por várias entidades da Reforma Sanitária brasileira. No rol de recomendações às autoridades políticas, se destaca uma endereçada ao presidente: “avaliar corretamente os riscos da pandemia” é, pontuam, uma responsabilidade inerente ao cargo. 

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