Por Tania Pacheco
Seis indígenas Terena, das aldeias Bananal, Ipegue e Lagoinha, morreram vítimas da Covid 19 nas últimas 48 horas (21 e 22/07), em Mato Grosso do Sul; outra morte aconteceu uma semana antes, na aldeia Água Branca. Esta tarde, um professor também terena, Paulo Baltazar, foi removido de avião para Campo Grande em estado crítico. Todos provenientes da mesma região: Aquidauana.
Foi lá que, no dia 2 de julho, integrantes do governo do Mato Grosso do Sul e o presidente da Assembleia Legislativa, deputado Paulo Corrêa (PSDB), estiveram presentes em evento, confraternizando com indígenas. Uma semana depois, o deputado testava positivo para o coronavírus. Os caciques Célio Fialho, da aldeia Bananal, e Julison Farias, da aldeia Água Branca, que discursou em nome das demais lideranças Terena da região, estão hospitalizados. Outros não tiveram tanta sorte.
Neyla Ferreira Mendes coordena, na Defensoria Pública do Mato Grosso do Sul, o Núcleo Institucional de Promoção e Defesa dos Povos Indígenas e da Igualdade Racial e Étnica (NUPIIR). Em maio e junho, ela deixou a família e seguiu pela estrada, levando artigos médicos e informações para os Guarani-Kaiowá, os Terena e os Kadiwéu do estado. Na entrevista abaixo, realizada por e-mail, ela nos fala um pouco sobre a situação no MS.
Afinal, como estão os cuidados com a pandemia na região de Aquidauana?
Neyla Ferreira Mendes – Os indígenas em Mato Grosso do Sul, que já não viviam em condições favoráveis, tiveram suas circunstâncias seriamente agravadas. O subsistema de saúde não foi treinado e muito menos recebeu estrutura em insumos ou de pessoas para enfrentar a pandemia.
Em relação aos Terena, tiveram o quadro agravado por um foco de contaminação, que suspeita-se oriundo de uma aglomeração ocorrida há duas semanas. Os Terena, me parece, demoraram um pouco mais para compreender a gravidade da situação, tanto que os Guarani e os Kaiwá se organizaram muito antes e, muito embora recebam muita pressão de pastores que atuam dentro de suas áreas, seguem resistindo e impedindo aglomerações.
No que concerne ao ‘evento’ do dia 2 de julho, o governo de Reinaldo Azambuja (PSDB) e os Terena não estão seguindo sequer a regra das barreiras sanitárias?
Neyla Ferreira Mendes – A orientação em relação a esse tipo de aglomerações é a mesma que a do resto do Brasil: devem ser evitadas. Ocorre que não existe uma política de Estado para apoiar essas barreiras sanitárias, que estão sendo realizadas com doações e com o esforço pessoal dos próprios indígenas. Existe muita pressão interna e externa, pois quem tem interesse financeiro contrariado com essas ações pressiona e até ameaça. Temos área de fronteira em áreas com tráfico e a presença das barreiras noturnas atrapalha essas pessoas. Os cultos também movimentam pessoas de comunidades diferentes, que também se incomodam com as barreiras, e esses dois são só exemplos.
Como consequência desse ‘evento’, a senhora, o Ministério Público Federal e a Defensoria Pública da União enviaram Recomendação ao governador Azambuja para que determinasse “às Secretarias e órgãos vinculados ao Poder Executivo Estadual do Mato Grosso do Sul que se abstenham de realizar reuniões, inaugurações e atividades congêneres que ocasionem a aglomeração de pessoas em comunidades indígenas e tradicionais”. O documento dava prazo de cinco dias para que ele informasse quanto às providências tomadas. Quais foram elas?
Neyla Ferreira Mendes – Estamos atuando em conjunto MPF, DPU e DPE e tentando nos antecipar aos fatos. Havia uma reunião do CONDISI marcada para a qual viriam indígenas de todo o Estado, parte para Campo Grande e a outra parte para Amambai; ficamos sabendo antes e conseguimos contornar. Mas muitas vezes só se sabe depois. É quase uma centena de comunidades espalhadas pelo Estado em inúmeros municípios. Mas estamos tentando ao menos minimizar os impactos.
Durante os meses de maio e de junho, a senhora viajou por diversas terras indígenas levando e distribuindo equipamentos de defesa contra a Covid-19 e informações sobre os cuidados necessários. Que realidade encontrou durante essas visitas?
Neyla Ferreira Mendes – Em maio, quando as primeiras barreiras começaram a ser montadas no sul do Estado, em Terras Indígenas Guarani e Kaiowá estavam sem nada. Os Agentes de Saúde e os Agentes Ambientais Indígenas estavam sem condições de trabalhar por falta de insumos básicos e EPIs. Fizemos uma campanha e levamos materiais para o Sul.
Visitei as barreiras, comunidades e todos os Polos Regionais da SESAI do Sul e praticamente todos do Norte. A situação era a mesma já relatada, completamente relegados à própria sorte. A União não deu qualquer suporte, seja humano, material ou de orientação. Distribuímos para todos o básico e emergencial para o enfrentamento, como máscaras laváveis, escudos de face, álcool gel e sabonete líquido. Tudo fruto de doação de particulares. Foi muito triste visitar o posto de saúde na aldeia Bororo e ver os enfermeiros já atendendo casos de COVID, sem estrutura.
Voltei para a região há uns 15 dias, e a situação de falta de apoio e de estrutura continua a mesma. Não é possível enfrentar uma doença tão perigosa na base do improviso e de doação.
As palavras genocídio e necropolítica vêm sendo usadas de forma crescente pelas pessoas que defendem os direitos dos povos indígenas. Nessa luta, entendemos o MPF, a DPU e as Defensorias Públicas estaduais como aliados naturais, além de constitucionais. Infelizmente, não é isso que sempre acontece. Como a senhora percebe a atuação desses órgãos na atual conjuntura? O que podemos e devemos esperar de vocês?
Os indígenas de Mato Grosso do Sul podem esperar da Defensoria Pública Estadual, da Defensoria da União e do Ministério Público Federal todo o esforço e apoio que estiver ao nosso alcance. Várias ações foram ajuizadas pela DPU e MPF, mas a resposta do judiciário federal tem sido lenta e pouco positiva ou efetiva. Estamos também fazendo recomendações, solicitações… Enfim, lutando lado a lado.
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Cacique Julison Farias, da Aldeia Água Branca, discursa representando as aldeias Terena de Aquidauana. Foto: Reprodução.