Empresa Suzano quer ampliar monocultivo, que pode chegar a ocupar 48% do município
Por Vitor Taveira, Século Diário
Com uma articulação jurídica minuciosa, a empresa Suzano, seguindo as mesmas práticas de quando era Aracruz Celulose e Fibria, tenta expandir o plantio de eucalipto em Conceição da Barra, norte do Estado, podendo alcançar 48% do território do município com monocultivo que faz uso constante de agrotóxicos, conforme informações da própria empresa durante audiência pública realizada de forma online pelo Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal do Espírito Santo (Idaf) na noite dessa quinta-feira (13).
A Prefeitura Municipal de Conceição da Barra (PMCB) não foi convidada oficialmente para participar do evento e o secretário de municipal de Desenvolvimento Econômico, Saneamento, Habitação e Meio Ambiente, André Fantin, teve apenas cinco minutos para se manifestar, assim como todos outros inscritos. Ele questionou a realização da audiência em plena pandemia do coronavírus, que dificulta ou impossibilita a participação, sobretudo dos principais afetados, que são as comunidades camponeses e quilombolas do entorno. “A Lei Orgânica do município está sendo atropelada”, criticou o secretário, devido à expansão do eucalipto ser vedada em seu artigo 16, que prevê a redução gradual até um limite de 20% em toda área plantada.
Segundo a empresa, atualmente são 53 mil hectares de eucalipto plantados e mais 22 mil hectares de vegetação nativa por reserva legal, o que implica que cerca 65% do território de Conceição da Barra seja controlado pela Suzano, sendo que outra parte significativa do município ainda é ocupada por monocultivo de cana-de-açúcar.
A Suzano realizou pedido para plantio nas fazendas São Joaquim da Água Preta e Dourada Una em 2015, o que foi negado meses depois pela prefeitura após discussão do Conselho de Meio Ambiente, elaboração de medida técnica e emissão de certidão de anuência negativa.
A empresa aproveitou então em outro momento para conseguir uma autorização do ex-prefeito Jorge Donati, grande empresário do setor açucareiro. André explica, porém, que isso aconteceu no mês de maio de 2016, durante suas férias, quando foi publicado um novo parecer técnico, que considerou como um “plágio do parecer original, mudando meia dúzia de palavras”, mas dando uma posição favorável ao plantio de eucalipto no local. “Foi uma decisão autocrática, autoritária, do chefe do poder executivo”, apontou o secretário.
Donati faleceu no mesmo ano e tomou posse sua vice, Amélia Marchiori, que pediu ao Idaf a suspensão do processo. “A anuência do então prefeito é inválida por direito, não tem validade”, ressaltou André Fardin, já que é esta que a Suzano usou como base para entrar com mandato de segurança e garantir o andamento do processo.
A empresa confirma ter conhecimento da Lei Orgânica de Conceição da Barra, mas aponta que a norma tem eficácia limitada, porque passaria a funcionar após levantamento das áreas ocupadas para plantio de eucalipto, o que aponta nunca ter sido feito pela municipalidade. Também afirma que o artigo da lei seria inconstitucional, por invadir competência da União e ferir isonomia e princípio da livre iniciativa. “A Suzano segue sempre o dispositivo legal”, disse André Rocha Vieira de Brito, gerente de Relações Corporativas da empresa de celulose.
“O Idaf considera o momento da pandemia oportuno para o licenciamento?”, perguntou o sociólogo Marcelo Calazans, da Federação dos Órgão de Assistência Social e Educação (Fase), à autarquia do governo do Estado, que respondeu que embora estivesse consternada pelas mais de 100 mil mortes no País por Covid-19, considera que a realização da audiência pública online está dentro da legalidade.
Marcelo questionou se foi feita consulta prévia livre e informada sobre o consentimento de comunidades quilombolas, camponesas e de pescadores, conforme previsto nos acordos internacionais assinados pelo Brasil, sistematicamente atropelados pelos grandes empreendimentos. “No estudo disponibilizado, esses atores estão praticamente invisíveis, é como se não existissem”, criticou. Não houve resposta das partes.
Questionada por Marcelo Calazans, a equipe técnica da Suzano falou que para início das atividades devem ser usados “defensivos”- eufemismo para agrotóxicos- como o glifosato, que é apontado como provavelmente cancerígeno para humanos pela Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (Iarc) e vem tendo uso restringido ou proibido em países da União Europeia.
A conselheira municipal de Meio Ambiente, Márcia Lederman, da Sociedade de Amigos Por Itaúnas (Sapi), levantou ainda o fato da área demanda pela empresa para expandir o monocultivo é considerada como Zona Rural de Uso Controlado, por estar em zona contígua a unidade de conservação, sendo legalmente restringido o plantio de eucalipto. Ao ser levado adiante o processo pelo Idaf, ela aponta ingerência do Estado sobre o município, pelo fato do procedimento de licenciamento ferir duas lei municipais. “A gente não precisa de tanto argumento aqui sabendo que esse procedimento de licenciamento que o Idaf está levando a frente ele fere duas legislações municipais importantes”.
A audiência repetiu o que se vê em praticamente todos eventos do tipo que envolvem grandes empreendimento: uma sociedade civil indignada, uma empresa cínica e um governo omisso. A Suzano, como nos tempos de Fibria e Aracruz Celulose, mobiliza sua equipe de advogados e repete frases frias alegando estar dentro da lei. Tudo se pode se estiver “dentro da lei”. Até violar a própria lei ou adotar práticas imorais, desde que respaldadas pelo departamento jurídico.
No script da audiência pública, em que se abre espaço para falas, mas sem chance de serem consideradas, teve o de sempre: biólogos tirando dúvidas, ecologistas e quilombolas questionando os impactos deste e outros novos e antigos empreendimento, defensores da empresa e acadêmicos dispostos a falar sobre os “benefícios” do eucalipto.
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Foto: Paula Cavalcanti