Instalação das placas também é uma medida de proteção dos territórios tradicionais e reforça a obrigatoriedade de consulta aos quilombos por qualquer pessoa que queira entrar na área.
Franciele Petry Schramm, na Terra de Direitos
De barco, de carro ou a pé, quem passa pelos quilombos de Santarém (PA) agora sabe que está entrando em território quilombola. Isso porque, desde agosto, todos os 12 quilombos localizados no município contam com placas de identificação logo na entrada.
A ação é resultado de uma iniciativa promovida pela Federação das Organizações Quilombolas de Santarém (FOQS) através do Projeto Omulu – Terra de Quilombo. O projeto gerido pelos quilombolas foi pensado a partir da necessidade de conscientizar e proteger os quilombolas da cidade do avanço do novo coronavírus.
Segundo a presidenta do Quilombo Saracura e vice-presidenta da FOQS, Jucemara Oliveira de Jesus, a instalação das placas é uma medida sanitária de enfrentamento ao vírus: a ideia é que a partir disso seja restrita a entrada de pessoas de fora das comunidades.
“Para muitas pessoas parece que esse virou já desapareceu, mas ele ainda não acabou. Não queremos que mais quilombolas morram ou adoeçam com esse vírus, então essas placas vêm ajudar muito nessa questão da entrada de pessoas que podem levar o vírus para dentro do quilombo”, explica. Apenas em Santarém, foram confirmados 117 casos e 7 óbitos de quilombolas por Covid-19.
Mas a instalação das placas vai além das medidas contra o coronavírus: ela também é uma medida de proteção territorial. “A placa serve também para visibilizar que o território é um quilombo, que é amparado pela Convenção 169 da OIT [Organização Internacional do Trabalho], que tem um protocolo de consulta e deve ser respeitado”, destaca Juciamara. “É um gesto de demonstrar que nós existimos, estamos aí e devemos ser consultados por qualquer pessoa estranha que queria entrar no quilombo”.
“O desafio desde o início da pandemia para comunidades tradicionais, indígenas e quilombolas é a proteção do território. Não bastava tratar de lockdown e isolamento social, era preciso fazer o isolamento social comunitário, em que o território, vivido como terras de uso comum, pudesse estar protegido durante a pandemia. A iniciativa da FOQS para isolamento social comunitário ou territorial está fundamentado na Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho”, complementa o assessor jurídico da Terra de Direitos, Pedro Martins.
Lançado pela FOQS em 2016, o Protocolo de Consulta Quilombola de Santarém reforça a autonomia dos 12 quilombolas da cidade em decidirem sobre seus territórios. Você pode acessar o protocolo aqui.
Organização popular
A instalação das placas é mais uma medida articulada pela FOQS para proteger os territórios da Covid-19, como resposta a falta de ações dos governos municipal, estadual e federal para enfrentar o avanço do coronavírus entre os quilombos.
“Infelizmente nós não tivemos tanto apoio em relação aos cuidados contra esse vírus”, relatou a secretária da Federação, Miriane Costa Coelho, em entrevista anterior à Terra de Direitos. Ela também conta que há uma dificuldade de acesso às informações de prevenção ao vírus, o que aumenta ainda mais a vulnerabilidade das comunidades. “Aqui poucos são os quilombos que possuem sinal de TV aberta. Nos comunicamos pelo rádio e em outros casos foram as lideranças dos quilombos que realizaram esse trabalho de levar as informações”.
Sem respostas do Estado, a FOQS articulou pelo Projeto Omulu – Terra de Quilombo uma série de atividades. Além da instalação das placas, foram distribuídos kits de higiene, materiais informativos, e cestas básicas. A Federação também é responsável por fazer o mapeamento dos casos de Covid-19 nos quilombos da cidade, uma vez que não há dados da secretaria municipal de saúde exclusivo sobre quilombolas.
As placas foram produzidas com o apoio da Terra de Direitos, do Fundo Casa Socioambiental e Fundo Brasil de Direitos Humanos.
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Foto: FOQS