Caminhando pela reparação. Por Julio José Araujo Junior*

Em 2008, pessoas adeptas de religiões de matrizes africanas foram expulsas do morro de Dendê, na Ilha do Governador, por agressores que se afirmavam evangélicos. Como reação, surgiria a Comissão de Combate à Intolerância Religiosa (CCIR) e a caminhada pela liberdade religiosa. Esta
última é uma manifestação anual na avenida Atlântica que envolve diversos grupos religiosos em defesa do diálogo inter-religioso e do enfrentamento à discriminação.

Neste ano, a pandemia impedirá a realização da caminhada de forma presencial. Apesar disso, os organizadores prepararam neste mês uma mobilização virtual, com debates nas redes em favor da promoção do estado laico e da liberdade religiosa. Afinal, a despeito do momento singular que vivemos, os ataques a terreiros e a proibição de práticas religiosas seguem presentes, gerando temor e intimidação nas comunidades.

Já não são novidade os ataques e violações que os praticantes de religiões de matriz africana vêm sofrendo na Baixada Fluminense. Impedidos de tocar, vestir ou mencionar suas crenças e cultos, muitas pessoas são impedidas de morar ou de retornar aos seus terreiros. O Estado brasileiro, que deveria garantir a presença dessas pessoas em suas comunidades, se omite gravemente no campo da segurança pública e, mesmo alertado pelo Ministério Público Federal (MPF), adota medidas insatisfatórias.

Após diversas tentativas de diálogo e convencimento, constata-se que as vítimas não têm perspectiva de volta a seus barracões. Os governos, por outro lado, negam possibilidades de reassentamento ou compensação pelos danos causados, os quais não são apenas materiais, mas também morais e espirituais. Isso revela, do ponto de vista institucional, uma faceta racista da
discriminação religiosa.

A falta de respostas motivou em Duque de Caxias e Nova Iguaçu a organização de uma rede de vítimas, em parceria com a CCIR e com o MPF, para buscar, nas esferas cabíveis, a responsabilização do Estado brasileiro por sua omissão. De forma individual e coletiva, pretende-se demonstrar que a ausência de providências não só facilita os ataques a terreiros, mas também é um fator de estímulo a novas violações. Declarada a responsabilidade, surge o dever de reparação.

A caminhada pela reparação não será fácil. Mas é um passo necessário para reafirmar a liberdade religiosa e relembrar o dever do Estado brasileiro de não apenas se manter neutro quanto às diversas religiões, mas também de adotar todos os meios a seu alcance para que o respeito predomine e para
que a umbanda e o candomblé se manifestem livremente.

*Procurador da República no Rio de Janeiro. Mestre e Doutorando em Direito Público pela UERJ. Especialista em Política e Sociedade pelo IESP-UERJ.

Foto: Laura Marques / O Globo

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