Moradores de Brumadinho rechaçam valor de multa aplicada pelo Ibama: “Vale comemorou”

Mineradora vai pagar R$ 250 milhões: R$ 150 milhões serão aplicados em parques nacionais e R$ 100 milhões em saneamento

Caroline Oliveira, Brasil de Fato 

Moradores de Brumadinho contestam as normas da aplicação e o valor de R$ 250 milhões em multas do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e do estado de Minas Gerais contra a empresa Vale.

O valor foi definido em acordo com a Advocacia Geral da União (AGU) e homologada pela 12º Vara Federal Cível e Agrária de Minas Gerais, em decorrência dos crimes ambientais cometidos pela mineradora com o rompimento da Barragem da Mina de Córrego do Feijão, em Brumadinho, que resultou em 270 mortes e milhares de pessoas atingidas.

Segundo a decisão, dos R$ 250 milhões de reais, R$ 150 milhões serão aplicados em parques nacionais em Minas Gerais: Serra da Canastra, Caparaó, Serra do Cipó, Serra da Gandarela, Cavernas do Peruaçu, Grande Sertão Veredas e Sempre-Vivas. Os outros R$ 100 milhões serão destinados para projetos de saneamento básico e aterros sanitários.

Exclusão dos moradores no processo

Soma-se a isso dois fatos: a população atingida não participou das definições e destinações dos valores, e estes não têm previsão de aplicação nos territórios impactados.

Para Marcelo Barbosa, morador de Brumadinho e integrante do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), os recursos deveriam ser aplicados na região acometida pelo crime cometido pela mineradora, que é o Vale do Paraopeba.

“Sem tirar a importância das ações de preservação em parques, mas esse dinheiro deveria ser investido com mais afinco justamente na região que foi impactada pelo mar de rejeitos da barragem, que é a bacia do Rio Paraopeba”, defende Barbosa.

Barbosa também explica o Rio Paraopeba se tornou “intragável” para agricultura, consumo e vida. Por isso, “outra falha desse acordo é a praticamente exclusão das comunidades impactadas pelo rompimento da barragem”. Em sua visão, muitos dos impactos causados pelo crime, “dinheiro algum paga”. Nesse sentido, para ele, R$ 250 milhões foi um acordo “que o alto escalão da Vale comemorou, porque foi nada para eles”. 

De acordo com Marina Oliveira, também moradora de Brumadinho, uma série de ações de reparação ocorrem sem a presença de uma assessoria técnica qualificada.

“Então, eu gostaria de saber também, baseado em quê eles conseguiram mensurar o impacto de um crime? Quem participou da definição desse valor? Por quê? Quais foram os critérios? Porque esse valor está sendo aplicado dessa forma?”, questiona Oliveira. 

Em consonância com Barbosa, Oliveira também coloca em questão o fato “doloroso” dos moradores não terem participado do processo, desrespeitando o princípio da centralidade da vítima.

“Apesar de ser triste o fato da comunidade atingida não participar desse tipo de definição, como esses recursos são aplicados, não é uma novidade. Dói saber que nós estamos naturalizando e aprendendo a viver com esse tipo de violação de direitos.”

Revisão de todas as barragens

Tanto Barbosa quanto Oliveira apontam para outra falha do acordo: não determinou a revisão de todas barragens da Vale.

“Não determinar judicialmente a revisão de todos os laudos das barragens da mineradora é passar a mão na cabeça de um criminoso reincidente”, afirma Barbosa relembrando o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, da mineradora Samarco, da Vale e BHP, matando cerca de 20 pessoas.

“Foi uma grande derrota, mas a gente deve seguir pressionando inclusive para o fim do auto monitoramento, para que a empresa pare de ela mesma para fazer o monitoramento de suas barragens”, afirma Barbosa. Para ele, o Estado deve ser responsável por elaborar e dar os laudos técnicos, e não a própria mineradora. Lembrando que no crime de Mariana, em 5 de novembro de 2015, havia um lauda atestando estabilidade da barragem.

Para Oliveira, “é um absurdo que as mortes de Mariana e Brumadinho não sejam motivo suficiente para que a Vale faça uma revisão de todas as suas barragens”.

O que significa esse acordo?

Ana Galeb explica que os R$ 250 milhões são decorrentes dos autos de infração impostos pelo IBAMA. São, portanto, exclusivos às multas de responsabilidade ambiental administrativa.

Para além disso, existe outra forma de lidar com o dano ambiental no Brasil: no âmbito cível e penal. Neste último, um processo contra a Vale sobre a responsabilidade dos danos ambientais está em tramitação. E, na esfera cível, a mineradora tem a obrigação de fazer a reparação de todos os impactos na região, desde os danos morais até os ambientais.

A multa acordada entre IBAMA e Vale não tem relação, portanto, com o dever da Vale de cumprir a obrigação determinada na esfera cível. 

“Já foram feitas algumas condenações de retenção do rejeito do local onde era a barragem, mas esse valor do acordo não significa que a Vale vai pagar só isso”, explica Galeb. Ainda assim, a advogada considera esse um “valor baixo”.

Em 2013, a Justiça condenou a Petrobrás a pagar R$ 1,4 bilhão pelo vazamento de 4 milhões de litros de óleo da Refinaria Presidente Getúlio Vargas (Repar), nos Rios Barigui e Iguaçu, no Paraná, em 2000. Em 1996, a empresa Exxon Mobil foi obrigada a pagar. 

Segundo Galeb, logo no início do processo, foi definido um auxílio emergencial de um salário mínimo por pessoa no raio de um quilômetro, e outras condenações mais específicas como o fornecimento de água e a designação de assessorias técnicas. Em janeiro de 2020, 11 dirigentes da mineradora foram indiciados pelo Ministério Público por homicídio duplamente qualificado e crime ambiental.

Brasil de Fato entrou em contato com a mineradora Vale. Mas até a publicação desta reportagem, não houve um retorno.

Edição: Rodrigo Chagas

Imagem: Para atingidos, acordo obtido pela Vale junto ao Estado representa uma “derrota” – Foto: Isis Medeiros/RBA

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