Pandemia deu visibilidade à dimensão do problema habitacional. Pesquisador diz que é preciso reconfigurar a política de moradia hoje definida pelos interesses do mercado imobiliário
Por Redação RBA
Em balanço sobre os últimos quatros anos das políticas habitacionais na cidade de São Paulo, o pesquisador Aluízio Marino, do Laboratório Espaço Público e Direito à Cidade, o LabCidade da USP, avalia com críticas a condução da prefeitura no campo da moradia. Em entrevista ao Jornal Brasil Atual, ele afirma que esse é um debate cada vez mais marcado por uma “lógica de produto, definida principalmente pelo mercado imobiliário”, que agrava a desigualdade no acesso à moradia pelos mais pobres.
A prova disso são as mais de 6.532 famílias que perderam suas casas entre março e outubro do ano passado no país, em plena pandemia. Na capital paulista, 1.689 famílias viveram o problema. Para o mesmo período, outras 54.303 famílias foram ameaçadas de remoção no país. A maior emergência sanitária do último século, que evidenciou a importância de um teto, não criou o drama dos despejos, mas expôs, contudo, o problema habitacional do Brasil, principalmente na cidade de São Paulo.
“Está cada vez mais visível para aqueles que não entendiam essa dimensão que há realmente um problema sério de habitação na cidade, porque as pessoas estão percebendo o tanto de pessoas que estão morando na rua, como que é complexa a questão das ocupações de terrenos e imóveis, esse debate está sendo feito e aparece mais. Mas acho que ainda falta uma discussão para entender isso dentro da história da cidade. Não dá para pensar a história de São Paulo sem pensar nos despejos, nas remoções e nesse urbanismo que é gentrificador”, destaca o pesquisador do laboratório vinculado à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP).
PPPs e a exclusão
De acordo com Marino, a questão histórica se agrava desde o início da gestão de João Doria e Bruno Covas, ambos do PSDB. Quando o município passou a investir nas chamadas parcerias público-privada, as PPPs, como o principal eixo de política habitacional. Nesse caso, o mercado atua na construção de moradias em troca de retorno financeiro. O modelo é contestado por movimentos e entidades e a Campanha Despejo Zero, que reúne um conjunto de organizações. Segundo eles, esse tipo de medida não atende quem realmente precisa de moradia e atende aos interesses do mercado imobiliário, que acentuam a desigualdade.
A prefeitura, por exemplo, prevê com a iniciativa a construção de 25 mil unidades habitacionais. Mas, menos da metade será destinada à população mais pobre. O programa também beneficia o mercado imobiliário e exclui ainda as famílias abaixo de um salário mínimo. Além disso, conforme acrescenta o pesquisador do LabCidade, em geral a política de habitação é sempre pensada na lógica de produto da unidade habitacional de apartamento. Desconsiderando a diversidade de possibilidades e as famílias de núcleos grandes. “Tem casos de pessoas que são beneficiadas com apartamentos que alugam ou vendem para voltar a uma condição que elas se encontram mais à vontade para viver”, explica à jornalista Maria Teresa Cruz.
Desafios habitacionais
O cenário lança diversos desafios para o novo mandato do prefeito neste ano. Para Marino, a verdadeira aposta deveria ser pensar no uso social dos imóveis que estão hoje desocupados. “Deveríamos ter aí um movimento do município de desapropriação desses imóveis e da garantia do uso social. E a desapropriação não é tomar (o imóvel), mas pagar o valor de mercado, tirando o que se deve de imposto, porque esses imóveis devem muito imposto. Só que obviamente existem interesses contrários a isso, dos grandes donos de terra, dos especuladores, que são contra esse tipo de instrumento e política”, observa.
O pesquisador completa que é preciso debater a política habitacional de forma mais ampla e com participação social. A exemplo do que foi o Programa de Construção por Mutirão e Autogestão no governo de Luiza Erundina (1989-1992).”Só é possível construir essa política mais diversa com as pessoas participando, opinando e dando caminhos para a gente reconfigurar essa política que hoje é pautada na lógica do produto e principalmente definida pelo mercado”, propõe Marino.
Confira a entrevista:
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Imagem: Mais de 6 mil famílias foram despejadas entre março e outubro, em plena pandemia. E mais de 54 mil continuam ameaçadas pelas remoções – Vanessa Nicolav