Parado há 10 anos, recurso sobre Lei de Anistia ganha novo relator no STF. Por Juliana Dal Piva

No Uol

Há uma década o MPF (Ministério Público Federal) e a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) aguardam o julgamento de embargos declaratórios na ação proposta pela Ordem que discutiu a legalidade da Lei de Anistia. O caso estava com o ministro Luiz Fux até o fim de janeiro, mas foi redistribuído recentemente para o ministro Dias Toffoli porque Fux assumiu a presidência do STF (Supremo Tribunal Federal).

Procurado, o ministro relator informou à coluna que assumiu o caso há 19 dias e não indicou previsão para julgamento.

Na ocasião do julgamento, em abril de 2010, os ministros decidiram por 7 a 2 que a Lei de Anistia é constitucional. No entanto, o que o recurso quer debater é outro aspecto: o alcance. A lei poderia ser aplicada para qualquer crime cometido? O que o MPF argumenta é que não. Alguns casos não poderiam ter aplicação de anistia.

Nos últimos dias muito se falou sobre o AI-5 (Ato Institucional número 5), editado pela ditadura militar em 1968, em função do vídeo em que o deputado Daniel Silveira fez defesa da arbitrariedade e ainda falou em agredir ministros do STF.

Símbolo da ditadura

E por qual razão o AI-5 é lembrado como um símbolo do período ditatorial? Entre diferentes aspectos, porque a norma permitiu que agentes da repressão política, sobretudo militares e policiais, fizessem sequestros. Qualquer pessoa podia ser levada por agentes à paisana e sem mandado de prisão determinado por juízes. Os presos não tinham mais direito a habeas corpus quando acusados de crimes contra a segurança nacional.

A principal consequência da medida foram os desaparecimentos forçados. Opositores eram levados, torturados, mortos e depois os militares ocultavam os cadáveres.

Ao retomar a construção de um estado democrático de direito, em 1988, o Brasil se submeteu, por exemplo, à jurisdição da CIDH (Corte Interamericana de Direitos Humanos). A Corte, que atua em alinhamento ao Tribunal Penal Internacional, tipifica, por exemplo, o desaparecimento forçado, cometido em contexto ditatorial, como um crime contra a humanidade.

Por evitar tratar a questão, o Brasil, inclusive, já foi condenado na CIDH devido aos desaparecimentos na Guerrilha do Araguaia e ainda no caso do assassinato do jornalista Vladimir Herzog, no DOI-CODI de São Paulo.

A subprocuradora Ela Wiecko explicou à coluna que o MPF não concorda com essa aplicação da Lei de Anistia e recordou que, além dos embargos, há uma outra ação proposta pelo PSOL, a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental 320, com argumentação semelhante, também parada desde 2014. A ação também é da relatoria do ministro Dias Toffoli agora.

Para Wiecko, a interpretação vigente que aplica a Lei de Anistia de modo geral revela “a persistência da ideologia que fundamentou o regime civil-militar de 1964 e enfraquece a possibilidade da democracia brasileira, instituída formalmente pela Constituição de 1988, de se consolidar no plano fático”.

Em 2014, o então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, defendeu em parecer ao STF que “não é admissível que, tendo o Brasil se submetido à jurisdição da CIDH, por ato de vontade soberana, despreze a validade e a eficácia da sentença (CIDH). Isso significaria flagrante descumprimento dos compromissos internacionais do país e do mandamento constitucional de aceitação da jurisdição do tribunal internacional”.

Ex-integrante da Comissão da Verdade do Rio de Janeiro, Nadine Borges também criticou a ausência de julgamento da questão que impede até o esclarecimento sobre os fatos do período. Borges explica que muitos crimes cometidos por militares e policiais sequer foram esclarecidos até agora. “Essa ADPF seria um convite para dar continuidade às investigações”, afirma Borges.

“No limite, de fato, a demora vai implicando na morte dos envolvidos ou inviabilidade da prova. No caso do Ministro Toffoli vale lembrar que o Ministro da Defesa foi seu assessor antes de assumir a pasta. Quando saiu, deixou outro general em seu lugar. Pelo bem da democracia seria bom que as decisões do STF não fossem monocromáticas de verde oliva”, critica.

A coluna revelou há alguns dias que três dos cinco militares apontados como responsáveis pelo assassinato e ocultação de cadáver do deputado federal Rubens Paiva durante a ditadura militar morreram antes de o STF discutir se o crime contra o parlamentar pode ser considerado de lesa-humanidade. A ausência de julgamento de um recurso dos militares parou o caso e impede a definição sobre o processo que tinha sido aberto em primeira instância. Há outros processos parecidos aguardando julgamento.

Rodrigo Roca, advogado dos réus no caso Rubens Paiva, critica a sequência de recursos e ações do MPF. “A causa é natimorta. Eles só estão prorrogando a questão. É uma causa perdida. O que acho ruim é o gasto de dinheiro público que envolve esse processo pelo trabalho das instituições. Há uma falsa expectativa de que eles (militares) serão caçados. Criam-se monstros falsos. Todos perdem. É uma derrota coletiva da sociedade, principalmente, pelos réus expostos a essa ficção”, afirma Roca.

Ilustração: MPF

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