Dinheiro público banca a formação de missionários para evangelizar indígenas

Braço de uma das maiores universidades privadas do país tem verba do MEC e de programa de Michelle Bolsonaro para formar evangelizadores.

Por Fernanda WenzelPedro Papini, no The Intercept Brasil

VIROSES MORTAIS, trabalho escravo e abuso sexual são parte do legado deixado por missionários evangélicos entre os indígenas brasileiros. Um passado criminoso, do qual eles agora tentam se descolar enviando missionários camuflados como professores, fisioterapeutas e enfermeiros a terras indígenas.

Sintonizado com os novos tempos, um dos maiores grupos do país no ensino a distância colocou em funcionamento, no Paraná, uma estrutura para produzir esse novo tipo de missionário capaz de entrar “à paisana” em terras indígenas. Trata-se da UniMissional, que abriu em 2020 a sua primeira turma de alunos-evangelizadores em Maringá, no noroeste paranaense.

Sob o slogan “Missão e profissão: juntas, ao mesmo tempo”, ela funciona dentro de uma das maiores universidades privadas do país, a UniCesumar. Assim, a UniMissional se vale do carimbo de qualidade do MEC, do Enem e do dinheiro público do Fies e do Prouni, que financia cursos superiores privados, para seduzir jovens estudantes para a tarefa de converter povos nativos ao cristianismo evangélico.

Terceira cidade mais populosa do Paraná, Maringá tem cerca de 430 mil habitantes e é considerada uma das melhores do Brasil para se viver. Por sediar inúmeras empresas de tecnologia e 14 instituições de ensino superior, já há quem a chame de Vale do Silício paranaense.

A mais importante das universidades é a UniCesumar, a oitava maior do país em número de estudantes. Ela tem quatro campi no Paraná e um no Mato Grosso do Sul. Mas, segundo o Censo da Educação Superior, 94% dos 152.316 alunos da instituição têm aulas na modalidade Educação a Distância, o EaD.  Eles estão pulverizados nos mais de 700 polos EaD espalhados por todo o Brasil, em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, em Genebra, na Suíça, e em Miami, nos Estados Unidos. Esse é o público em potencial da UniMissional, cuja sede funciona no campus central da UniCesumar.

No ano passado, durante a pandemia, a UniCesumar obteve uma vitória importante. Após dois anos de trâmites legais, ela foi promovida de centro universitário a universidade graças a uma canetada do então ministro da Educação, Abraham Weintraub. O novo status garante maior autonomia para criar cursos e programas. Bom para ela, e para a UniMissional.

Basta dar uma circulada por qualquer dos campi da UniCesumar para perceber que essa não é uma universidade comum. A doutrinação começa nos banheiros, onde versículos da Bíblia são colados às portas dos sanitários. E segue para dentro das salas de aula, a julgar pelo que disse o reitor e fundador da instituição, Wilson de Matos Silva, no tradicional discurso de boas-vindas aos calouros: “O Brasil é um país de maioria cristã. E nós, cristãos, acreditamos no criacionismo, não no evolucionismo”.

Além da UniCesumar, o grupo inclui outras 14 instituições de ensino superior credenciadas pelo MEC e o Colégio Objetivo de Maringá. Wilson, o homem por trás desse império, tem 73 anos e talento para a oratória, habilidade que já lhe foi útil na política, onde atua pelo menos desde 2007, quando foi eleito suplente do senador Álvaro Dias, então no PSDB. O empresário se desfiliou do partido no ano passado e simpatiza com bandeiras da extrema direita – ele já comparou o golpe de 1964 à independência do Brasil.

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Menina da etnia indígena Kaiapó . Foto de Ricardo Moraes, Reuters

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