MPF ajuizou duas ações criminais por conta do conflito. A contra um indígena já teve sentença, enquanto outra contra produtores rurais ainda está na fase inicial
Ministério Público Federal em Mato Grosso do Sul
O Estado brasileiro poderá ser responsabilizado perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), da Organização dos Estados Americanos (OEA), pela grave violação aos direitos humanos dos povos Guarani e Kaiowá. Além disso, a lenta tramitação, na Justiça Federal de Dourados (MS), da ação contra os responsáveis pelo chamado Massacre de Caarapó, em 2016, pode levá-los a julgamento pelo Tribunal Penal Internacional. Em todos os casos, possíveis condenações repercutem negativamente para a imagem do país no cenário internacional, além de gerar a obrigação de reparar o dano.
O Ministério Público Federal (MPF) reiterou este entendimento em petição enviada à Justiça Federal de Dourados, assinada por três procuradores da República com atuação na Força-Tarefa Avá Guarani. O documento foi encaminhado ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e à Procuradoria-Geral da República (PGR), para providências.
Segundo a petição, é injustificável o lento ritmo de tramitação de denúncia criminal do MPF contra os proprietários rurais autores de eventos de violência e morte contra indígenas em Caarapó, que ficou conhecido como Massacre de Caarapó, em junho de 2016.
Proposta em 2016, esta ação sequer entrou na fase inicial de apresentação de provas. O MPF destaca que “o crime apurado não é complexo e que ofereceu denúncia logo após os fatos, em 2016. Até o presente momento, ainda não foi iniciada a instrução probatória da fase da pronúncia”.
Já na ação proposta pelo MPF contra um indígena, em razão dos crimes por ele praticados após tomar conhecimento do assassinato de seu filho durante os eventos citados, já houve condenação do réu e julgamento de recurso em segundo grau.
Crimes contra a humanidade
O MPF destaca que os crimes cometidos em Caarapó compõem um quadro de ataque sistemático contra os povos Guarani e Kaiowá e podem ser classificados como crimes contra a humanidade. De acordo com o parecer elaborado pelo Núcleo de Direitos Humanos da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), coordenado pela professora Fernanda Frizzo Bragato,, “o material analisado sobre os 24 ataques (a comunidades Guarani e Kaiowá) permitiu concluir que a série de crimes investigados ou denunciados pelo MPF constituem ataques que não são isolados, aleatórios ou desconectados entre si, mas sistemáticos e generalizados. São características que permitem seu enquadramento como crimes contra a humanidade, nos termos do art.7.1 do Estatuto de Roma e de acordo com vasta jusrisprudência internacional“. (Clique para ler)
Neste sentido, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) poderá atuar, caso se verifique demora excessiva no julgamento do processo. O MPF cita dois casos em que a Corte IDH condenou o Brasil por negligência e demora excessiva na garantia de proteção de relevantes direitos humanos: o “Caso Sétimo Garibaldi” e o “Caso Favela Nova Brasília”.
Na sentença do caso Sétimo Garibaldi, a Corte IDH afirmou que “indica que a falta de resposta estatal é um elemento determinante ao avaliar se tem descumprido a Convenção Americana. A Corte conclui que as autoridades estatais não atuaram com a devida diligência no Inquérito da morte de Sétimo Garibaldi, o qual, ademais, excedeu um prazo razoável. A Corte não pode deixar de expressar sua preocupação pelas graves falhas e demoras no inquérito do presente caso, que afetaram vítimas que pertencem a um grupo considerado vulnerável. A impunidade propicia a repetição crônica das violações de direitos humanos“. O MPF alerta para semelhança com o caso de Caarapó.
A responsabilidade internacional do Estado brasileiro é ressaltada pela própria Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em relatório em que destaca seu papel de “investigar, sancionar e reparar as ameaças, ataques e violência contra membros dos povos indígenas e quilombolas causados por agentes estatais ou privados em decorrência de atividades de defesa ambiental ou em outros contextos, incluindo o caso do “Massacre de Caarapó”.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos recomendou tramitação expressa do julgamento dos responsáveis pela violência em Caarapó.
Conflito em Caarapó – Segundo as investigações da Força-Tarefa Avá Guarani, os cinco proprietários rurais denunciados organizaram, promoveram e executaram o ataque à comunidade Tey Kuê no dia 14 de junho de 2016. Cerca de 40 caminhonetes, com o auxílio de três pás carregadeiras e mais de 100 pessoas, muitas delas armadas, retiraram à força um grupo de aproximadamente 40 índios Guarani-Kaiowá de uma propriedade ocupada por eles.
O indígena Clodioude Aquileu Rodrigues de Souza foi assassinado com um tiro no abdômen e outro no tórax. Outros seis indígenas, inclusive uma criança de 12 anos, foram atingidos por disparos e ficaram gravemente feridos. Dois índios sofreram lesões leves e a comunidade foi constrangida violentamente a deixar a área.
Ajuizada em junho de 2016, há cerca de cinco anos, esta é a denúncia cuja lenta tramitação é objeto da petição à Justiça Federal de Dourados.
FT Ava Guarani – A Força Tarefa Avá Guarani foi criada pela Procuradoria-Geral da República, em setembro de 2015. Formada por procuradores da República com atuação na área, é dotada de atribuições criminais e tem como objetivo investigar os recentes casos de violência contra indígenas no Conesul do Mato Grosso do Sul.
Referência processual na Justiça Federal de Dourados
Ação contra indígena:0002903-29.2017.4.03.6002
Ações contra produtores rurais:0003305-13.2017.4.03.6002 / 0003682-18.2016.4.03.6002
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Arte: Secom/MPF