A invasão ocorre desde 2008, mas foram impulsionadas em 2020 pela redução das ações de fiscalização ao longo do ano devido a covid-19
Procuradoria da República em Mato Grosso
Invasores da Terra Indígena (TI) Piripkura, localizada em Mato Grosso, devem sair imediatamente da área, reintegrando assim a posse do território aos donos tradicionais, os indígenas que vivem em isolamento voluntário. A decisão é da Justiça Federal que, a pedido do Ministério Público Federal (MPF), determinou a reintegração de posse combinada com o interdito proibitório, ou seja, os invasores terão que sair da área e, os que já estavam no território quando houve a primeira portaria de restrição de uso, terão que retirar o gado das propriedades e não fazer novos desmatamentos. A reintegração da área contará com apoio da Polícia Federal.
Ao menos nove pessoas foram identificadas e citadas na Ação Civil Pública de Reintegração de Posse proposta pelo MPF, por meio do Ofício de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais em Mato Grosso, por ocupação ilegal de parte da Terra Indígena Piripkura.
De acordo com o MPF, a invasão da TI e, consequente degradação ambiental, ocorre desde, pelo menos, o ano de 2008, quando alguns dos citados foram autuados por desmatamento ilegal e outros crimes ambientais, como caça de animais silvestres. As invasões do território e os atos de degradação ambiental tornaram-se mais intervalados desde 2015, sendo que a última e mais atual invasão teve início em 2019.
Conforme o procurador da República, titular do Ofício de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais, Ricardo Pael Ardenghi, as invasões no referido território indígena foram sensivelmente impulsionadas pela redução das ações de fiscalização ao longo do ano de 2020, devido a pandemia de covid-19. Ele ainda alertou para um dado, demonstrado na ação civil pública, fornecido pelo Sistema de Indicação de Radar de Desmatamento (Sirad), utilizado pelo Instituto Socioambiental (ISA): a detecção de uma nova área de desmatamento, aberta em março deste ano, alcançando 518,8 hectares, estimando-se a destruição de 298 mil árvores.
“E, é importante dizer, não se trata apenas de invasão oculta, pois, segundo levantamento da Operação Amazônia Nativa (Opan), existem 15 fazendas em atividade no interior da TI Piripkura (…). Todas estas fazendas estão sobrepostas à TI Piripkura. Da mesma forma, conforme dados do Simcar/MT, existem 60.958 ha registrados no CAR sobrepostos à Terra Indígena Piripikura, o que representa alarmante aumento de 182% se comparado com os dados de dezembro de 2019”, ressalta o procurador Ricardo Pael.
Decisão – Na decisão, o juiz federal da Vara Única de Juína, Frederico Pereira Martins, enfatizou que existe sim o direito dos indígenas Piripkura ao território tradicional, apesar de o processo demarcatório não ter avançado. Segundo ele, os indígenas possuem territorialidade específica e culturalmente determinada, com referências geográficas registradas há mais de 30 anos, tanto é que a Fundação Nacional do Índio (Funai), reiteradamente prorroga as portarias de restrição de uso terra. “Nesse sentido, as últimas portarias editadas sucessivamente dão lastro jurídico para impedir que terceiros não índios adentrem na área, ficando ressalvada a permanência de pessoas que já estavam, eventualmente, no local antes da edição do ato administrativo de restrição de uso. Ocorre que há indícios de que os réus adentraram na área após a edição dos atos editados para a proteção daqueles indígenas”, completou.
O magistrado enfatizou ainda, em sua decisão, que para solucionar o problema da Terra Indígena Piripkura não se poderia esperar a instrução processual, já que há relatos de exploração descontrolada na área, acarretando graves prejuízos à sobrevivência dos índios, além de provocar sérios danos ambientais, resultando em permanente violação dos direitos materiais e culturais da Comunidade Indígena Piripkura, e que por estes motivos deferiu a antecipação de tutela de mérito da ação.
Mandados expedidos – Após a decisão judicial, publicada no dia 16 de julho, os mandados de reintegração de posse e citação foram imediatamente expedidos. Neles, o juiz federal determina que qualquer oficial de Justiça da Subseção Judiciária de Juína dirija-se a TI Piripkura, na região de Rondolândia, e proceda a citação do interdito proibitório e reintegração de posse contra os indicados na acp, inclusive com apoio policial.
Terra Indígena Piripkura – A Terra Indígena Piripkura, habitada por um grupo de indígenas em isolamento voluntário, localiza-se na região entre os rios Branco e Madeirinha, afluentes do rio Roosevelt, nos municípios de Colniza e Rondolândia, no estado de Mato Grosso, e ainda não está demarcada. É um território indígena protegido apenas por medida de restrição de uso, que é um instrumento colocado à disposição da Funai para o resguardo de indígenas em isolamento voluntário.
A TI Piripikura teve a primeira Portaria de Restrição de Uso publicada no Diário Oficial da União (DOU), em 6 de outubro de 2008, a Portaria 1.154, de 30 de setembro do mesmo ano, com validade de dois anos. A portaria permite que apenas pessoas autorizadas pela Coordenação-Geral de Índios Isolados e Recém-Contatados da Funai, Forças Armadas e Policiais, no cumprimento de suas funções institucionais e, desde que acompanhadas da Funai, possam ingressar na área. Além disso, proíbe a exploração de qualquer recurso natural existente nos 242.500 hectares da TI Piripkura.
Quando o período de validade da primeira portaria encerrou, novas portarias foram publicadas, com o mesmo teor, e com prazo de validade de um ano e meio, dois anos e três anos. A última portaria publicada (Portaria 121, de 18 de agosto de 2018) foi publicada em 26 de setembro de 2018, com validade até setembro deste ano.
Em maio, a Justiça Federal, atendendo ao pedido do MPF, determinou que a Funai mantivesse, permanentemente, uma equipe de fiscalização na TI Piripkura, com o objetivo de impedir o ingresso e a permanência de não-índios no território.
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Imagem: Baita e Tamandua, dois homens Piripkura que estão entre os últimos sobreviventes de seu povo. Seu território está sob uma restrição de uso, mas corre o risco iminente de ser completamente destruído por madeireiros e grileiros. © Bruno Jorge