Especialistas mostram como as distorções no modelo agrícola brasileiro produzem a fome – em vez dos alimentos necessários
Por Cida de Oliveira, da RBA
A fome no Brasil esteve em destaque em debate promovido na tarde de hoje (26) pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, em Portugal, para discutir, agrotóxicos, transgênicos, desmatamento e alterações climáticas. A distribuição de cortes de ossos bovinos com fragmentos de carne por um açougue de Cuiabá, que tem tido cada vez mais procura por um grupo crescente de pessoas, foi o exemplo usado por especialistas. Afinal, a fila de pessoas ao redor do pequeno comércio, que tem se repetido várias vezes na semana, tornou-se símbolo da fome na capital do estado líder do agronegócio.
E das contradições de um modelo baseado na produção mecanizada de commodities agrícolas, em grande extensões de terra, com uso de sementes transgênicas em sua maioria, em grande parte resistentes a grandes doses de agrotóxicos. Mato Grosso é o maior estado consumidor desses produtos.
Fome no Brasil
“O Brasil quer ser reconhecido como celeiro do mundo. As safras de grãos têm sido muito representativas, o que ajuda a compensar um pouco o PIB brasileiro, que em geral não está em uma época muito boa, ainda fortalece o argumento de quem defende o agronegócio e algumas de suas práticas problemáticas”, disse o procurador do Trabalho Leomar Daroncho.
Com um trabalho muito intenso na defesa dos trabalhadores do campo expostos a esses produtos na lida diária – e contra os impactos causados na saúde das famílias e de populações tradicionais por pulverizações aéreas, o procurador derrubou um forte argumento: De que os agrotóxicos aumentam a produção e ajudam a enfrentar a fome.
“A gente precisa considerar que usar mais agrotóxico não tem nada a ver com diminuir a fome”, disse o procurador. “O estado do Mato Grosso, que tem o maior rebanho bovino brasileiro, com 31,7 milhões de cabeças, ganhou o noticiário com as pessoas fazendo fila para receber ossos de boi. E há notícas também da venda de arroz quirela, quebrado, assim como o feijão, que geralmente iria para a ração animal. Mas agora está sendo vendido. Vivemos um momento de fome, em taxa que chega a 19 milhões de pessoas, a maior desde 2004”, disse.
O que está por trás de tudo isso, segundo ele, é o modelo de produção agrícola no Brasil. De tão equivocado, o país passou a aumentar a importação de leite, arroz, oleo e outros produtos básicos. “As áreas disponíveis para agricultura estão sendo destinadas às commodities, e nao necessariamente aos alimentos. A cana a maior parte vai pra etanol, temos ainda soja, com a maioria sendo exportada para ração animal e o milho. O Brasil está passando uma tragédia ambiental neste momento de fome”, disse Daroncho.
Fome e ossos
“Em um dos estados mais ricos do agronegócio, as pessoas formam filas para receber ossos. Em um programa, a dona do açougue se disse que fica escandalizada quando vê algumas pessoas roendo os ossos. E isso em um dos estados mais pujantes, que se orgulha da força da economia que está associada a esse modelo de produção”, disse o engenheiro agrônomo Leonardo Melgarejo, coordenador-adjunto do Fórum Gaúcho contra os Impactos dos Agrotóxicos .
Ele chamou atenção para um artigo publicado na última semana por pesquisadores da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), segundo o qual o Brasil alimenta 800 milhões de pessoas em todo o mundo, dos quais 212 milhões de brasileiros.
“Eles fazem essa conta utilizando dados do agronegócio, o que consideraria uma ração média de 50% de soja, uns 30% de milho e alguns outros grãos”, disse Melgarejo.
Desde o início do mês, o direito humano à alimentação e nutrição adequadas (Dhana) está sendo discutido por especialistas de diversos países. O ciclo será encerrado em 18 de outubro.