Desastre de Mariana: Indenização de indígenas de Comboios tem atendimento inédito a demandas coletivas

Acordo com a Renova foi fechado após um ano de negociações decorrentes de protesto nos trilhos da Vale

Por Fernanda Couzemenco, Século Diário

Indenização igual para todas as famílias. A cláusula, estabelecida no acordo firmado entre a Terra Indígena Comboios, em Aracruz, norte do Estado, e a Fundação Renova, é inédita em toda a Bacia do Rio Doce e mostra a importância da união das comunidades atingidas e do assessoramento independente a quem elas têm direito, para o alcance de acordos minimamente justos com as mineradoras autoras do crime ocorrido em cinco de novembro de 2015.

A equidade dos valores das indenizações foi uma exigência da comunidade Tupinikim, ressalta a defensora pública estadual Mariana Sobral. “Serve de aprendizado”, pondera, ao considerar o intenso grau de esgarçamento dos tecidos sociais das comunidades atingidas, em grande parte, decorrente do esforço empenhado pela Samarco, Vale e BHP Billiton e sua Fundação Renova em implantar intrigas, disputas e desinformação entre as famílias, num típico exemplo da máxima de guerra “dividir para conquistar”.

A Defensoria Pública Estadual (DPES) é uma das instituições de Justiça a assessorar a TI Comboios para o alcance de medidas de compensação e reparação de danos, ao lado da Defensoria Pública da União (DPU) e Ministério Público Federal (MPF/ES).

Em síntese, o acordo, que beneficia 303 famílias, “buscou soluções que respeitassem o direito de autodeterminação das comunidades indígenas, a pluralidade de atividades afetadas, a necessidade de um programa específico de retomada das atividades econômicas e um compromisso de construção e efetivação do plano básico ambiental indígena, que prevê medidas de reparação de caráter imaterial e coletivo, com enfoque em ações de natureza estruturante para garantir a autonomia econômica da comunidade”, destacou a DPES.

Esse resultado é fruto de onze meses de negociações, deflagradas no final de outubro de 2020, às vésperas do “desaniversário” de cinco anos do crime, quando os indígenas ocuparam os trilhos da ferrovia da Vale, no trecho em que corta a aldeia Córrego do Ouro, exigindo o pagamento de indenizações e do lucro-cessante às famílias já cadastradas, e a inclusão de mais 40 famílias que haviam tido o cadastro negado pela Renova. 

A ocupação teve início logo após uma reunião dos indígenas com a Vale, a Fundação Nacional do Índio (Funai) e as instituições de justiça, quando ficou demonstrada, conforme os registros em ata, a “quebra de confiança, ausência de diálogo, desgaste da relação e necessidade de restabelecer ambiente negocial”.

O protesto nos trilhos durou mais de uma semana e forçou o estabelecimento de um “ambiente negocial” mais transparente, que desaguou no acordo assinado há poucos dias. Nele, foi possível garantir uma “pluralidade de danos”, sendo três por família, dentro da matriz de danos reconhecidos no território, que inclui pesca, artesanato e agricultura.

Para além da equidade nas indenizações individuais, o acordo prevê ainda um valor a ser repassado pela Renova para que as comunidades implementem um plano coletivo de retomada de atividades econômicas, em conjunto com as ações que estão sendo elencadas no Plano Básico Ambiental Indígena (PBAI).

O Plano já consta com cronograma aprovado e consultoria contratada, também com aprovação da TI, para sua elaboração. Mas as comunidades, ressalta Maria Sobral, ainda aguardam a contratação da Assessoria Técnica Independente (ATI), prevista no último acordo macro assinado pela Renova e as mineradoras com as instituições de Justiça – o Termo de Ajustamento de Conduta para a Governança (TAC-Gov), de 2018 – e sistematicamente descumprido, como os anteriores.

“A falta de ATI foi sentida na mesa de negociação e os indígenas ainda esperam que esse direito seja implementado para auxiliar na construção do PBAI”, relata a defensora. Enquanto isso, a assessoria jurídica prestada pela DPES, com apoio da DPU e do MPF, se mostrou essencial para a conquista de um acordo com menos injustiças e também para a blindagem de Comboios contra o assédio da chamada “advocacia predatória”, em que escritórios de advocacia têm inundado a bacia do Rio Doce em busca de representar os atingidos em troca de honorários milionários.

“Contar com a Defensoria possibilitou que os indígenas tivessem efetivado o direito à assistência jurídica integral e gratuita, tanto na construção de toda matriz de danos, quanto na tomada de decisões importantes para a comunidade”, observa.

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.

five − 3 =