Por Lucas Ferrante, Reinaldo Imbrozio Barbosa, Luiz Duczmal & Philip Martin Fearnside, na Amazônia Real
Uma nova cadeia produtiva de alimentos comerciais está surgindo que visa maximizar os lucros em detrimento do meio ambiente e das comunidades tradicionais da região amazônica. Além disso, a combinação do impacto ambiental com a criação de animais confinados (incluindo porcos e aves), em locais onde os animais podem ter contato com outras doenças, traz o perigo de gerar uma nova pandemia de proporções mundiais. Publicamos um trabalho na prestigiada revista Regional Environmental Change, disponível aqui, que explica este risco [1]. Segue uma tradução do conteúdo:
As forças que impulsionam o desmatamento na Amazônia aumentaram significativamente desde que Jair Bolsonaro assumiu como presidente do Brasil em 1º de janeiro de 2019 [2-5]. A região amazônica tem sido alvo de expansão de novos centros industriais, e novas estradas têm dado acesso a áreas antes intocadas [3, 4, 6]. A administração presidencial está tentando abrir terras indígenas para permitir não indígenas instalarem plantações de monoculturas nessas áreas e consolidar esse setor na região amazônica por meio do afrouxamento da legislação ambiental federal [7, 8]. Aqui relatamos como essas mudanças estão vinculadas a uma nova cadeia de produção de produtos alimentícios comerciais em detrimento do meio ambiente e das comunidades tradicionais, e como isso aumenta o risco de novas pandemias.
Uma das empresas instaladas na região para esse fim é a Millenium Bioenergy que, a princípio, teria sua produção voltada apenas para biocombustíveis [4, 9]. No entanto, a empresa anunciou que fará “parcerias” com comunidades indígenas e outras comunidades locais para produzir milho, peixe, galinhas, porcos e gado confinado para venda à empresa [9, 10] (Veja entrevista com representante da empresa: [11]). Um representante da empresa que cuida do licenciamento ambiental nos disse que os planos para essa iniciativa nos estados do Amazonas e Roraima (Figura 1), seriam para produzir biocombustíveis a partir de monoculturas em terras indígenas e outras comunidades tradicionais (Veja entrevista com representante da empresa: [11]).
As comunidades não seriam pagas, mas a empresa subsidiaria o estabelecimento de uma cadeia produtiva de animais confinados que consumissem rações produzidas pela própria empresa com o talo do milho e demais materiais vegetais descartados no processo de produção do biocombustível. As peças publicitárias da empresa (Veja: [10]) corroboram esse plano de integração dos povos indígenas e suas terras à cadeia produtiva do agronegócio. Segundo o representante da empresa em entrevista oficial conosco, esses produtos seriam exportados pelo porto de Georgetown, Guiana, principalmente para a China e outros países asiáticos, mas também para os Estados Unidos e Europa (Veja entrevista com o representante da empresa: [11]). [12]
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Notas
[1] Ferrante L, Barbosa RI. Duczmal L, Fearnside PM (2021) Brazil’s planned exploitation of Amazonian indigenous lands for commercial agriculture increases risk of new pandemics. Regional Environmental Change 21, Art. 81.https://doi.org/10.1007/s10113-021-01819-6
[2] Abessa D, Famá A, Buruaem L (2019) The systematic dismantling of Brazilian environmental laws risks losses on all fronts. Nature Ecology and Evolution 3: 510–511. https://doi.org/10.1038/s41559-019-0855-9
[3] Ferrante L, Fearnside PM (2019) O novo presidente do Brasil e “ruralistas” ameaçam o meio ambiente, povos tradicionais da Amazônia e o clima global. Amazônia Real, 30 de julho de 2019. https://amazoniareal.com.br/o-novo-presidente-do-brasil-e-ruralistas-ameacam-o-meio-ambiente-povos-tradicionais-da-amazonia-e-o-clima-global/
[4] Ferrante L, Fearnside PM (2020) Os planos de biocombustíveis do Brasil impulsionam o desmatamento. Amazônia Real 13 de janeiro de 2020. https://amazoniareal.com.br/os-planos-de-biocombustiveis-do-brasil-impulsionam-o-desmatamento/
[5] Vale MM, Berenguer E, de Menezes MA, de Castro EBV, de Siqueira LP, Portela RCQ (2021) The COVID-19 pandemic as an opportunity to weaken environmental protection in Brazil. Biological Conservation 255: art. 108994. https://doi.org/10.1016/j.biocon.2021.108994
[6] Ferrante L, Fearnside PM (2020) BR-319: O caminho para o desmatamento da Amazônia. Amazônia Real, 07 de agosto de 2020. https://amazoniareal.com.br/br-319-o-caminho-para-o-desmatamento-da-amazonia-08-08-2020/
[7] Ferrante L, Fearnside PM (2020) O Brasil ameaça terras indígenas. Amazônia Real, 06 de maio de 2020.
[8] Siqueira-Gay J, Soares-Filho B, Sánchez LE, Oviedo A, Sonter LJ (2020) Proposed legislation to mine Brazil’s Indigenous lands will threaten Amazon forests and their valuable ecosystem services. One Earth 3: 1–7. https://doi.org/10.1016/j.oneear.2020.08.008
[9] NovaCana (2019) Usina de etanol de milho da Millenium Bioenergy em Roraima já pode sair do papel. https://bityl.co/5J9a
[10] BrasilAgro (2019) Millenium Bioenergy vai produzir etanol a partir do milho no Amazonas.https://bityl.co/5J9l
[11] Ferrante L (2020) Entrevista com representante para licenciamento ambiental para o projeto de Millenium Bioenergy no Amazonas e Roraima. https://bityl.co/87I7
[12] O trabalho em inglês do qual este texto foi traduzido está disponível para livre acesso em [1].
Os autores
Lucas Ferrante é Biólogo formado pela Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL), Mestre em Biologia (Ecologia) pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), e doutorando em Biologia (Ecologia) no INPA. Foi primeiro autor de notas em Science e Nature Medicine sobre o impacto de COVID-19 na Amazônia, inclusive em povos indígenas, e coordenou o grupo formado a pedido do Ministério Público-AM sobre o COVID-19 em Manaus. ([email protected]).
Reinaldo Imbrozio Barbosa é Engenheiro Florestal pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e Doutor em Biologia Tropical (Ecologia) pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA). Possui especial interesse em estudos relacionados às mudanças climáticas, uso e ocupação da terra, dinâmica de ecossistemas e emissões de gases do efeito estufa decorrentes das atividades antrópicas na Amazônia. É Pesquisador Titular do INPA, Professor do Programa de Pós-graduação em Recursos Naturais da UFRR (Doutorado/Mestrado) e Professor colaborador nos cursos de Pós-graduação em Ecologia e Ciências Florestais do INPA (Doutorado/Mestrado). Bolsista Produtividade do CNPq entre 2009-2019. Suas publicações e métricas podem ser encontradas aqui.
Luiz Henrique Duczmal é Professor Titular do Departamento de Estatística da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). É doutor em Matemática (PUC/RJ 1997), com pós-doutorado na Connecticut University (2002), Harvard University (2004), Pennsylvania State University (2006) e Universidade de Faro, Portugal (2008). Fez graduação em Matemática (UFMG 1986) e mestrado em Ciências da Computação (UFMG 1991). Bolsista do Programa Pesquisador Mineiro (Fapemig). Tem experiência na área de Estatística, com ênfase em Estatística Espacial (monitoramento ambiental, clusters espaciais irregulares, vigilância sindrômica e epidemiológica, modelos SEIR de coronavirus (COVID-19), workflow, fontes múltiplas de dados, visualização geográfica) e Estatística Computacional (algoritmos evolutivos, otimização multiobjetivo, autômatos finitos, finanças, estatística industrial, redes de comunicação, etc.).
Philip Martin Fearnside É doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 700 publicações científicas e mais de 600 textos de divulgação de sua autoria que podem ser acessados aqui. https://philip.inpa.gov.br
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Figura: Mapa com locais das indústrias de Millenium Bioenergy