Mais de 400 pessoas do ES e MG acampam no local e afirmam só sair depois de garantido retorno do pagamento
Por Fernanda Couzemenco, Século Diário
Um protesto iniciado na manhã desta terça-feira (8) interrompeu a Estrada de Ferro Vitória-Minas (EFVM), da Vale, na altura do município de Itueta, em Minas Gerais, próximo à divisa com o Espírito Santo. O motivo é o corte do Auxílio Financeiro Emergencial (AFE) implementado pela Fundação Renova desde janeiro, contra pescadores profissionais e ilheiros atingidos pelo crime da Samarco/Vale-BHP, ocorrido há mais de seis anos, em novembro de 2015.
“Chegamos às seis horas da manhã. Paramos o primeiro trem, está parado até agora. Não vai passar enquanto não vier alguém da Vale conversar com a gente. Renova não queremos. Tem duas viaturas da Polícia Militar, e está tudo pacífico. Exigimos pelo menos o retorno do AFE. Tem metal pesado no nosso peixe, na nossa água. O mínimo é voltar com o auxílio, relata a ilheira e pescadora de subsistência em Ilha Brava, Governador Valadares, Joelma Fernandes Teixeira.
Simpatizante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Joelma conta que só de sua cidade saíram quatro ônibus de atingidos. São mais de 400 pessoas acampadas no local, onde foram montadas barracas, banheiros, cozinha completa, com muita água e alimentos. “Não temos previsão de sair daqui. Só quando formos ouvidos pela Vale”, reafirma.
Segundo relato dos manifestantes, o AFE foi cortado em janeiro dos agricultores, ilheiros (pessoas que praticam agricultura em ilhas dentro do Rio Doce) e pescadores profissionais, com Registro Geral de Pesca (RGP). “Cortou em janeiro um tanto de pessoas e vai cortar outro tanto em fevereiro. Nós não podemos aceitar isso”, afirma Joelma.
Jonas Henrique, pescador amador em Resplendor, também próximo à divisa dos dois estados atingidos, conta que seu AFE foi cortado pela metade há um ano, junto a centenas de atingidos capixabas e mineiros. “A pesca está suspensa ainda, os peixes estão contaminados. Estou vivendo de bicos desde que a lama chegou. Com a pandemia, piorou tudo, e agora, com o corte do auxílio, a situação ficou ainda mais difícil”, expõe.
No caso de Joelma, além da impossibilidade de pescar para alimentação própria e da família, há também os prejuízos com agricultura e apicultura. “Perdi 30 caixas de abelha. 450 reais cada uma. Foi tudo embora nessa lama”.
A ilheira conta que as enchentes de 2022 trouxeram ainda mais rejeito que quando do rompimento da barragem, há seis anos. Em 2015, na nossa região, chegou a subir 50 centímetros de rejeito. Em 2020, já foi um metro. Agora em 2022, chegou até a um metro e vinte. E não é enchente normal. Enchente normal deixa areia e matéria orgânica. Essa aí é rejeito mesmo, pesado, carrega até a casa”, compara.
Além do retorno imediato do pagamento do AFE para todos os atingidos cadastrados, os manifestantes também reivindicam um ponto ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que desde junho de 2021 coordena a repactuação da governança das ações de compensação e reparação dos danos do crime das mineradoras, com vistas a implantar uma gestão mais ágil e eficiente que a feita até o momento pela Fundação Renova.
“Queremos que, na repactuação, a indenização dos atingidos não passe pelos governos de Minas Gerais e Espírito Santo, [Renato] Casagrande [PSB] e [Romeu] Zema [Novo]. Reparação é outra coisa, mas as indenizações dos atingidos têm que ser paga diretamente para os atingidos. Sem sistema Novel e sem advogados, que ficam com 10% ou mais do valor”, explica.
Os manifestantes, complementa, são contrários ao Sistema Novel, hospedado no site da Fundação Renova, pois para ser indenizado por ele, os atingidos precisam assinar um termo de quitação geral de danos, que já foi declarado ilegal pela Justiça, pois impede que os atingidos possam reivindicar indenizações por outros danos no futuro.
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Imagem: Redes sociais