Em Minas, moradores requerem reparação após 4 acionamentos “acidentais” de sirene de barragem

Em Santa Bárbara, falsos alertas da AngloGold geraram sofrimento em pessoas que poderiam morrer em um real rompimento

Rafaella Dotta, Brasil de Fato

As datas 25 de maio 2019, 26 de julho 2019 e 8 de janeiro 2020 estão marcados comodias de lembranças agoniantes para os moradores de Santa Bárbara, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Nesses dias, a sirene da barragem Córrego do Sítio disparou, indicando que ela havia se rompido e os moradores teriam poucos minutos para chegar a um local seguro.

Busca por reparação

As comunidades de Santa Bárbara decidiram acionar o Ministério Público (MP) de Minas Gerais para investigar o caso. Atualmente, há um inquérito instaurado no MP e vem ocorrendo uma série de reuniões entre representantes dos moradores e a mineradora Anglogold Ashanti para uma possível negociação.

Luiz Paulo Siqueira, integrante do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), explica que as comunidades requerem indenização individual e coletiva, a contratação de uma assessoria técnica para avaliar os danos causados e de uma equipe especializada em tratamento de traumas. Além de uma compensação financeira ao município de Santa Bárbara.

As próximas reuniões estão marcadas para 25 de fevereiro, 15 de março e 30 de março, e podem resultar em uma negociação por meio de um Termo de Ajuste de Conduta (TAC). Caso não haja acordo, o Ministério Público pode recorrer a um processo judicial.

À reportagem, o MP de Minas respondeu que tem buscado soluções técnicas e jurídicas de compensação às pessoas atingidas para que outros acionamentos indevidos não ocorram. Segundo os promotores, não é oportuno, no momento, dar mais detalhes dos possíveis acordos.

Sobre se vai ou não atender às demandas da comunidade, pela negociação com o MP, a AngloGold Ashanti respondeu que “não comenta publicamente assuntos que estão em andamento com o órgão”.

Memória

“No dia do acionamento da sirene, eu estava em casa com meus três filhos pequenos”, conta Silvana Ferreira Selvo Honorato, moradora da comunidade Barra Feliz. “Quem ouviu a sirene foi meu filho do meio, Kelvin Gabriel, de 11 anos hoje. Não esqueço dele chegando, correndo e chorando trêmulo perto de mim dizendo: ‘mãe, pega o carro. Vó e vô, sirene, corre, vamos morrer se ficar aqui’. E não parava”, relata.

O pânico tomou conta das ruas nas quatro comunidades da área de auto salvamento – Brumal, Barra Feliz, Sumidouro e Praia. “Meu pai e eu estávamos num haras atendendo”, relembra Sara Helena Neves Xavier, moradora do distrito de Sumidouro. “A sirene foi tão alta que o gado correu assustado pelo pasto. Meu pai ligou desesperado para minha mãe, com medo de ser pego no caminho”, conta.

Foram momentos traumáticos para cerca de 3 mil pessoas que moram na área de auto salvamento da barragem Córrego do Sítio, da mineradora Anglogold Ashanti. Quase uma hora depois, os moradores conseguiram saber que a barragem não havia se rompido e que o disparo da sirene foi “acidental”.

A situação aconteceu quatro vezes em um ano e meio. Questionada pela reportagem do Brasil de Fato MG, a Anglogold Ashanti não deu detalhes sobre o motivo dos acionamentos e nem se um novo acionamento “acidental” pode voltar a acontecer. “Os episódios de toques involuntários de sirenes ocorridos no passado tiveram causas diferenciadas e não tendo causas reincidentes”, informou a mineradora.

A empresa informou que realiza inspeções periódicas no sistema e testes, e que investe em aprimoramentos. Reforçou, ainda, que todas as suas barragens seguem seguras e estáveis. O complexo Córrego do Sítio, da Anglogold, faz a exploração de ouro e possui duas barragens (Córrego do Sítio I e Córrego do Sítio II), além de uma pilha de rejeitos.

Sirenes por todos os lados

Esse tipo de fenômeno tem sido recorrente em Minas Gerais após o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho (MG). Menos de um mês depois,a Vale acionou a sirene de suas barragens em Nova Lima e em Barão de Cocais.Na sequência, a mineradora ArcelorMittal acionou o plano de urgência em Itatiaiuçu, todas com a justificativa de risco iminente de rompimento. Além de outras quatro ocorrências por insegurança.

Já em outubro de 2019, a sirene da represa da Mosaic Fertilizantes, em Araxá, foi acionada acidentalmente; em agosto de 2020, foi a sirene da barragem da AngloGold em Sabará; e, em maio de 2021, foi a vez da barragem da mineradora Kinross em Paracatu, também de forma “acidental”.

Paradoxalmente, as duas barragens rompidas no estado, a da Samarco em Mariana, em 2015, e a da Vale em Brumadinho, em 2019, não tiveram suas sirenes acionadas.

Sensação de perigo

Nas comunidades de Santa Bárbara, os resultados causados pelo momento de perigo não pararam quando as sirenes foram desligadas. A psicóloga Mariana Tavares explica que os efeitos psicológicos ainda não são conhecidos em sua totalidade, mas os relatos apontam para uma situação grave.

“Geralmente, situações de perigo imediato geram uma descarga de adrenalina que é o impulso de lutar ou fugir. É uma vivência muito intensa”, avalia. “Essa situação, repetidas vezes, agrava a sensação de impotência e de imprevisibilidade do soar dessa sirene. Se torna um perigo iminente e intermitente”, completa.

Os moradores relatam o início do uso de antidepressivos, aparecimento de insônia, ansiedade e palpitação. Desde os dois últimos acionamentos, que aconteceram no mesmo dia, na manhã e na tarde de 8 de janeiro de 2020, algumas pessoas fazem revezamento durante a noite para vigiar o nível do rio.

“Meus pais estão depressivos. Meus filhos, hoje com 5, 11 e 14 anos, não dormem direito sozinhos. Eu vivo preocupada com qualquer barulho, por menor que seja”, conta Silvana. “E quando há testes de sirene, não consigo segurar o choro, a palpitação no peito, entre outros sentimentos que nem consigo explicar”, conta.

Como cuidar?

Mesmo com carga emocional tão grande, a psicóloga Mariana, que é especialista em cuidados paliativos e tem experiência como trabalhadora e gestora em saúde, indica prudência na forma de tratar a situação.

“O sofrimento não se torna necessariamente um adoecimento. Em alguns casos sim, em outros casos não”, afirma. No seu ponto de vista, é importante evitar a afirmação de que a população está “doente”, pois a patologização de toda uma comunidade pode trazer problemas como a alegação de que as pessoas se tornaram frágeis e, no limite, incapazes.

O mais adequado seria um cuidado individualizado, para lidar com o sofrimento de cada pessoa, junto à adoção de políticas públicas. “É mais interessante formular estratégias coletivas e, se possível, dentro das políticas públicas, para conter, regular, impedir e punir o evento que causa sofrimento”, expõe. “Convém lembrar que o soar de sirenes acidentalmente é uma violência sobre aquele coletivo”, reforça a psicóloga.

Edição: Rebeca Cavalcante e Larissa Costa

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