Órgão ministerial esclarece que direitos indígenas coletivos são tutelados pela Constituição
O Ministério Público Federal (MPF) defendeu a competência da Justiça Federal para julgar caso de possível tentativa de homicídio contra um indígena da etnia Guarani Caiowá. O entendimento do órgão ministerial foi na análise do conflito de competência apresentado pela Justiça de Mato Grosso do Sul ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). Segundo o MPF, as divergências que levaram ao atentado estão relacionadas a conflitos por território, o que torna o caso de interesse da União.
O conflito ocorreu nos limites da Fazenda Boa União, em Dourados (MS). Segundo o parecer ministerial, o indígena foi atacado por um grupo que participava de um movimento de retomada de terras, quando se tornou alvo de agentes policiais e seguranças particulares, sendo atingido na perna por um disparo de arma de fogo. Inicialmente, o inquérito foi instaurado para investigar suposto crime de perseguição e invasão a propriedade rural por parte do indígena. No entanto, após apurações, o procedimento foi arquivado, e o MPF ofereceu denúncia contra os autores, por tentativa de homicídio em conflito relacionado a direitos indígenas.
As divergências apontadas na ocasião não estão relacionadas a pequenos desentendimentos provocados por direito à propriedade, ressalta o parecer ministerial. O documento observa que o conflito tem raízes e grande parte de sua motivação no preconceito étnico contra indígenas da etnia Guarani Caiowá. Tal fundamento, na avaliação do órgão, demonstra que o caso se insere na criminalização expressa na Constituição Federal, quanto a prática de racismo. “Resta demonstrado que a Constituição se pôs de maneira declarada como instrumento de combate à discriminação racial, certo é que o Estado tem a obrigação de agir na repressão deste tipo de conduta”, pontua a subprocuradora-geral da República Luiza Frischeisen, que assina a manifestação do MPF.
A representante do MPF destaca que o caso não é isolado, demonstrando padrão de violência e descaso com a integridade física e moral das vítimas, originada “numa leitura preconceituosa relacionada à sua fragilidade socioeconômica e origem étnica”. Ela esclarece que a legislação federal atribui à União, por meio da Fundação Nacional do Índio (Funai), a competência federal para proteger administrativamente os direitos indígenas. No entanto, a inércia do órgão indigenista em relação a questões fundiárias, resultou na proposta de execução do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), celebrado em 2007 com o MPF, “a fim de agilizar e finalizar os procedimentos administrativos de identificação e delimitação de terras indígenas” no estado sul-mato-grossense.
No entendimento do Ministério Público, a Constituição reserva para a competência federal as questões penais relacionadas a disputas sobre direitos indígenas. O órgão ressalta que sempre que houver crime em que o índio seja autor ou vítima, a investigação deve ser feita pela Polícia Federal. “As minorias indígenas são um bem jurídico a proteger, como se pode extrair da interpretação sistemática do art. 231 da Constituição, que atribui à União a responsabilidade pela proteção dos direitos e interesses dos índios, e ao Ministério Público Federal o dever de promover judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas”, salienta Frischeisen.
Jurisprudência do STJ
Outro ponto analisado pelo MPF no parecer foi a incidência do disposto na Súmula 140/STJ. A regra define que compete à Justiça estadual comum processar e julgar crimes nos quais indígenas sejam vítimas ou autores. No entanto, para Frischeisen, a aplicação desse ordenamento “não deve ser de forma indistinta”, exigindo a análise de cada caso concreto de forma individualizada para delimitar a atribuição da persecução penal. A subprocuradora-geral entende que o crime extrapola o interesse individual.
Esse entendimento também alcançou o relator do caso no STJ, ministro Rogério Schietti. O magistrado ressaltou, em decisão monocrática, que a suposta tentativa de homicídio contra o indígena foi motivada por conflitos agrários. Observando o disposto no art. 109, inc. XI da CF, ele destacou que o Tribunal tem precedentes quanto a inaplicabilidade da Súmula 140, “quando o crime envolvendo direitos indígenas implicar em ofensa a interesses coletivos da comunidade”. No caso, Schietti decidiu declarar a Justiça Federal de Dourados como competente para julgar o processo, conforme defendido pelo MPF.
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