Garimpo ilegal contaminou 75% da população de Santarém com mercúrio

Pesquisa mostra que moradores da cidade portuária no Pará já sofrem alterações nos rins e fígado

Por Redação RBA

O garimpo ilegal na região de Alter do Chão (PA) fez 75% da população do município de Santarém apresentar altos índices de mercúrio no sangue. De acordo com artigo da revista científica International Journal of Environmental Research and Public Health, o garimpo tem afetado a água do rio Tapajós e contaminado a população por meio do consumo de pescados.

A constatação foi feita a partir de um estudo realizado pela Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa) em parceria com a Fiocruz e o WWF, que coletou o sangue de 462 pessoas entre 2015 e 2019. Os participantes da pesquisa apresentaram níveis elevados de mercúrio no sangue, sendo que 75,6% deles apresentaram concentrações do metal acima do limite de 10 microgramas por litro, recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS). A média da concentração na população santarena é quase quatro vezes superior ao limite seguro da OMS.

Dos participantes do estudo, 203 são moradores da área urbana de Santarém e 259 vivem em oito comunidades ribeirinhas do município paraense, sete delas localizadas às margens do rio Tapajós e uma às margens do rio Amazonas. Entre a população ribeirinha, a alta exposição de mercúrio, usado na separação de ouro pelos garimpos ilegais, chega a mais de 90%.

Outros estudos já tinham apontado a contaminação por mercúrio de populações que vivem às margens do Tapajós, como o povo indígena Munduruku, que nos últimos anos vem travando uma crescente disputa contra garimpos clandestinos em seu território.

Contaminação

A investigação conclui que 57,1% dos participantes moradores da área urbana de Santarém apresentam taxas de mercúrio no sangue acima do nível considerado seguro pela OMS, e que a exposição ao mercúrio não se restringe às áreas dos garimpos, “mas pode ocorrer em grande parte da bacia hidrográfica que é bastante impactada pela atividade garimpeira”. 

A estudante de nutrição Larissa Neves, moradora de Santarém, se surpreendeu com a pesquisa sobre o mercúrio. “Eu sabia que a água estava contaminada, porque sempre que me banho no Tapajós fico com coceira no corpo, mas eu não tinha me tocado da contaminação dos peixes”, afirma ela ao portal InfoAmazonia. Segundo ela, que vende marmitas, é difícil reduzir o consumo praticamente diário de peixes. “Todo domingo na minha casa é sagrado peixe assado, porque meu pai pesca, leva peixe para casa e a gente prepara nas marmitas pelo menos outras duas vezes por semana, não tem como eu deixar de comer.”

A prevalência da exposição ao mercúrio também é maior entre os ribeirinhos que vivem às margens do rio Tapajós (59,5%) em comparação aos moradores da margem do rio Amazonas (40,5%). “Independentemente do local de residência, a exposição humana ao mercúrio pode ocorrer, pois depende dos hábitos alimentares, mas também das próprias características individuais”, explica Heloisa do Nascimento Moura Menezes, pesquisadora do Programa de Pós Graduação em Ciências da Saúde da Ufopa e coordenadora do estudo. “Todos aqueles que têm o hábito de consumir peixe frequentemente estão sob risco de exposição ao mercúrio”, completa.

Riscos

A pesquisa avaliou também alterações nos indicadores de saúde por causa do mercúrio e registrou alterações nos rins e nos fígados entre os participantes de Santarém. O mercúrio é um metal pesado tóxico, frequentemente associado a danos nos tecidos e deficiências na saúde mental, além de alterações comportamentais, imunológicas, hormonais e reprodutivas. 

Segundo a coordenadora do estudo, a literatura científica sobre a contaminação por mercúrio mostra que, em geral, pessoas com níveis mais altos do metal apresentam sintomas mais graves, mas sintomas são observados também desde níveis baixos de contaminação. “Por isso é importante identificar precocemente a exposição ao mercúrio, para que os sintomas não se agravem”, pondera.

Segundo o médico Fábio Tozzi, coordenador do Programa Saúde Comunitária do Projeto Saúde e Alegria (PSA) em Santarém, estão aparecendo cada vez mais pacientes que trabalham em garimpo ou que sofrem diretamente as consequências do uso do mercúrio na atividade, apresentando sintomas neurológicos, digestivos, psiquiátricos e respiratórios. No entanto, segundo ele, a contaminação por mercúrio ainda é uma doença muito subnotificada. “O diagnóstico é pouco utilizado, mas pela grande quantidade de garimpos da região isso começa sim a ser um alerta muito grande e o sistema de saúde precisa ter resposta para as populações”, explicou.

Foto: Hellen Joplin

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