Para abordar o assunto, entrevistamos Olinda Yawar Tupinambá, indígena do povo Tupinambá e Pataxó Hã-hã-hãe
Gabriela Amorim, Brasil de Fato
No dia 05 de junho foi comemorado o Dia Mundial do Meio Ambiente. Um tema central e cada vez mais urgente para toda a humanidade. A cada ano que passa, as mudanças climáticas se agravam e põem em risco a vida de mais pessoas, como as chuvas deste mês de maio que atingiram várias cidades de Pernambuco. Na tentativa de diminuir os impactos danosos da ação humana na natureza, a luta dos povos indígenas e originários tem papel importante. Nós conversamos sobre isso com Olinda Yawar Tupinambá, indígena do povo Tupinambá e Pataxó Hã-hã-hãe, jornalista, documentarista, cineasta, artista e ambientalista.
Olinda, você poderia nos trazer, em linhas gerais, um panorama da situação ambiental aqui na Bahia?
Eu acho que a situação ambiental aqui na Bahia não é diferente de outros lugares do Brasil. A gente tem visto que a Mata Atlântica, um dos biomas aqui da Bahia, está sendo bastante destruído e devastado. Depois que esse novo governo [federal] entrou, aqui na minha região, por exemplo, a gente começou a ver muito desmatamento, mais do que havia antes. E o que agrava ainda mais a situação é que as entidades que deveriam proteger essas matas não têm como agir, porque o governo brasileiro tirou todos os recursos do Ibama, do Inema.
A gente tem uma situação muito grave aqui na região sul da Bahia, que é da queimada dos lixões. Eu já tive uma briga pessoal muito grande aqui no município para tentar resolver essa questão. É um problema que afeta toda a população da cidade e as populações rurais, mas ninguém toma uma providência para resolver.
Outro problema que vem nos preocupando, tanto as comunidades indígenas quanto aos ambientalistas, é a questão da mineração que está começando a aparecer fortemente aqui na Bahia. A gente sabe que o governo federal, na imagem do atual presidente, quer liberar a mineração, o garimpo dentro das terras indígenas. E a gente vê também uma certa vontade do governo do estado em apoiar esse tipo de situação aqui na Bahia.
Como a destruição e as drásticas alterações ambientais impactam na vida das populações indígenas?
As comunidades de um modo geral vivem da produção agrícola, daquilo que plantam dentro de seus territórios. O que a gente percebe é que as mudanças climáticas, associadas à destruição das matas, à poluição dos rios, vem dificultando a sobrevivência dessas pessoas dentro da sua própria comunidade.
Isso faz com que muitos indígenas acabem migrando para a cidade, procurando outros meios de sobrevivência, porque o território já não é mais capaz de manter a sobrevivência dessas pessoas. Então, além das questões ambientais, tem a questão do próprio território, da demarcação das terras indígenas.
Muitas comunidades vivem ainda brigando para assegurar seu direito à terra, a ter uma vida saudável dentro do território. E isso só é possível a partir do momento em que esses territórios forem assegurados aos povos indígenas, que as terras indígenas forem demarcadas e desintrusadas. Há várias comunidades que vivem um embate iminente com os fazendeiros, impedindo muitas vezes que essas comunidades tenham uma vida digna no território. Porque, ao invés de estarem se preocupando em melhorar a educação, em estar resgatando questões culturais, está mais preocupado com a sobrevivência física mesmo, de resistir enquanto ser humano. Então eu acho que tem duas coisas aí que tem prejudicado a forma como os indígenas vivem dentro de seus territórios.
A demarcação das terras indígenas e a garantia da permanência dos povos nelas pode ajudar a modificar esse cenário de mudanças climáticas?
Eu não acredito que apenas a demarcação das terras indígenas vai ser suficiente para modificar o cenário de mudanças climáticas no mundo porque isso tem muito mais a ver com garantir que esses territórios não sejam destruídos. Existem estudos e as comunidades têm provado que essas terras estão muito mais preservadas quando estão nas mãos dos povos indígenas.
Agora, em relação se isso vai ajudar a modificar o cenário das mudanças climáticas, eu acho que não, quem mudaria são os governantes, os países entenderem que precisam mudar seu modo de consumo, mudar o modo como a humanidade vem degradando o ambiente.
E isso tem muito a ver com essa questão do consumo. Eu acho que só quando a humanidade entender que a gente precisa mudar esse modo de vida para que a gente tenha uma vida mais equilibrada, respeitando mais os outros seres vivos, a partir daí a gente começa a realmente tentar mudar esse cenário que se apresenta hoje com relação às mudanças climáticas.
Mas o que a gente percebe, ao mesmo tempo, é que esses tratados todos, essas convenções, na verdade, não são levadas a sério, né? Como é que a gente vai realmente mudar esse cenário de mudanças climáticas se a cada ano as matas estão sendo mais destruídas? E eu não falo só na Amazônia. Eu falo na Mata Atlântica. Eu falo do Pantanal. Eu falo da Caatinga. Eu falo dos biomas existentes no Brasil. Mas isso não vem acontecendo só no Brasil.
Essa destruição dos biomas vem acontecendo no mundo. No fundo, a gente percebe que as pessoas que estão à frente, que deveriam tomar realmente pulso para resolver essas situações não estão levando a sério essa situação. O que acontece é que a gente ouve muito discurso, a gente ouve muita conversa… As pessoas sabem o que devem fazer, mas não fazem. Para alterarmos esse cenário de mudanças climáticas no mundo, a gente tem que mudar o nosso modo de viver no mundo que a gente vive hoje. Não tem como a gente manter essa estrutura que é esse planeta consumindo do jeito que a gente consome.
E o que o modo de vida dos povos originários pode nos ensinar nesse sentido [da preservação e cuidado da natureza]?
O modo de vida praticado pelos povos indígenas é para garantir a manutenção cultural e existencial das futuras gerações. Uma das coisas que podemos aprender com isso é que é importante preservar, cuidar dessa natureza que está aí, porque precisamos dela para sobreviver.
A gente precisa beber água – e nesses territórios têm água, que são os rios. A gente precisa plantar, e para isso a gente precisa cuidar dessa terra. A gente precisa fazer com que a terra possa devolver para nós através dos alimentos, através das plantas que crescem, esse cuidado.
Então, se se destrói esses elementos que são tão importantes para a manutenção da vida na Terra, nós também estamos nos matando. Eu acho que uma das coisas que precisamos entender é que precisamos ter harmonia com os outros seres vivos, porque nossa relação com a Terra é uma relação de unidade, é uma relação de cuidado mútuo.
A gente cuida da terra, a gente cuida dos rios e, em troca, a gente recebe tudo que a gente tem para sobreviver. A gente tem água para poder sobreviver, a gente tem alimento. E esses alimentos depois voltam para a terra. Um exemplo disso é [a produção de] orgânicos, que devolvemos para a terra, aquilo vira adubo, e a planta que a gente vai plantar já vai nascer mais forte, com mais nutrientes e isso vai refletir também na nossa saúde, porque vamos ter mais nutrientes e micronutrientes no nosso corpo para ter uma saúde mais forte.
Então, o que eu acho que se pode aprender é isso: que a gente precisa estar em harmonia com a natureza. Nós, os seres humanos, precisamos entender que não somos os únicos nesse planeta. Nós fazemos parte de um grande organismo. E para a gente sobreviver, a gente precisa cuidar dessa Terra, dessa biodiversidade, porque existem vários mundos dentro da Mãe Terra.
Edição: Elen Carvalho
—
Imagem: De acordo com Olinda, modificar o cenário de mudanças climáticas depende da alteração do nosso modo de viver no mundo. – Divulgação
