Relatora da Câmara diz que Marcelo Xavier ‘afronta’ indígenas e servidores. Para autor da proposta no Senado, política da Funai torna ativistas alvos de criminosos. G1 procurou o órgão.
Por Kevin Lima*, g1 Brasília
As comissões externas criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado para acompanhar as investigações dos assassinatos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips aprovaram nesta quarta-feira (6) o envio ao governo de pedidos de afastamento imediato do presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Marcelo Xavier.
O indigenista e o jornalista foram assassinados no mês passado durante uma expedição pela Terra Indígena do Vale do Javari, região onde o tráfico de drogas, o roubo de madeira e o avanço do garimpo são fatores de conflito. Bruno Pereira e Dom Phillips foram mortos a tiros e tiveram os corpos queimados e enterrados. Dias após o desaparecimento dos dois, Xavier disse que eles deveriam ter pedido “autorização” à Funai para realizar a expedição.
O g1 procurou a assessoria da Funai sobre os pedidos de afastamento do presidente da fundação. Assim que receber resposta, registrará a manifestação do órgão nesta reportagem.
Câmara
Na Câmara, foi aprovada uma indicação, direcionada ao Ministério da Justiça, ao qual a Funai está subordinada. As indicações são prerrogativas dos deputados para, entre outras coisas, sugerir a adoção de providências a outros poderes da República. No caso do Poder Executivo, os pedidos são enviados pela Primeira-Secretaria da Câmara à Secretaria de Governo. Lá, os requerimentos são encaminhados aos órgãos responsáveis – neste caso, ao Ministério da Justiça. Não há, no entanto, obrigação ou prazo para o governo responder nem tampouco acatar as sugestões dos parlamentares.
A deputada Vivi Reis (PSOL-PA), relatora dos trabalhos da comissão, disse que a continuidade de Xavier no cargo “afronta aos servidores da Funai, aos colaboradores da Univaja [União dos Povos Indígenas do Vale do Javari] e de outras entidades indigenistas”. É uma grave ofensa a todos os que se preocupam com a vida humana e com os povos indígenas da Amazônia”, declarou.
No pedido, a deputada afirmou que relatos de servidores e indígenas demonstram que a gestão de Marcelo Xavier à frente da Funai tem o objetivo de “tolher a atividade daqueles que se encontram na ponta, em contato direto com os povos indígenas”.
“A atual Funai não está somente despreparada, mas tem verdadeiro desprezo pelos indígenas e indigenistas da região amazônica, enxergando-os como obstáculos ao chamado ‘desenvolvimento’, à desgovernada exploração dos nossos recursos naturais. Com seus discursos e atitudes, acabam por incentivar aos criminosos para que cresçam despreocupadamente na região e, cheguem, inclusive, a tirar a vida daqueles que ousem combatê-los”, disse a parlamentar.
Senado
Mais cedo, nesta quarta, outra comissão externa destinada ao acompanhamento do caso no Senado também aprovou um requerimento com a mesma sugestão, mas com direcionamento à Casa Civil do governo federal.
O pedido, de autoria do senador Fabiano Contarato (PT-ES), afirma que a gestão de Xavier “revela cabal desrespeito aos direitos dos povos indígenas e conflito com suas atribuições institucionais” da Funai.
Contarato defende o afastamento imediato do presidente da Funai para “reverter os danos causados pela política omissiva dos dirigentes da instituição”.
“A atual política do órgão tem transformado indígenas e ativistas em verdadeiros alvos de criminosos que realizam operações ilegais em terras indígenas”, afirmou o senador.
O caso
Há um mês, em 5 de junho, Bruno Pereira, servidor afastado da Funai, e Dom Philips foram considerados desaparecidos no Vale do Javari, segunda maior terra indígena do país. O local é conhecido por conflitos ocasionados por traficantes e garimpeiros.
Três dias após o desaparecimento, no dia 8, o presidente da Funai afirmou que o órgão não foi procurado para emitir autorizações para a entrada dos dois no território da terra indígena.
“Muito complicado quando duas pessoas resolvem entrar na área indígena sem nenhuma comunicação formal aos órgãos de segurança, nem mesmo à Funai, que exerce sua atribuição dentro dessa área indígena”, disse Xavier.
Dois dias depois, a própria Funai emitiu nota corroborando as afirmações de Xavier, acrescentando, porém, que pediria ao Ministério Público Federal a abertura de investigações para apurar o envolvimento da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) na suposta liberação, sem autorização prévia, da entrada de Bruno e Dom. Em 14 de junho, a Justiça Federal do Amazonas determinou a retirada da nota e mandou a Funai se abster “de praticar qualquer ato que possa ser considerado atentatório à dignidade” do indigenista e do jornalista.
Um dia depois, os restos mortais de Bruno e Dom foram encontrados. Três suspeitos foram presos pela Polícia Federal. Um deles, Amarildo da Costa Oliveira, conhecido como “Pelado”, confessou ter participado do duplo homicídio. Ainda não está confirmada a motivação do crime. A polícia também investiga se houve um mandante.
Para a deputada Vivi Reis, a intervenção de Marcelo Xavier, ao levantar suspeitas sobre Bruno e Dom, buscou desqualificar Bruno, que “acabara de perder a vida lutando pela proteção dos territórios indígenas, em completo desrespeito aos familiares e a todos que se consternavam com trágica situação”.
* Sob supervisão de Fausto Siqueira
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