Alegação de que indígenas teriam destruído e saqueado a casa dos ex-caseiros foi amplamente utilizada pelas autoridades de segurança
Ministério Público Federal em Mato Grosso do Sul
Foi finalizado nesta quinta-feira (07/07) e anexado ao procedimento preparatório nº 1.21.005.001030/2022-21, instaurado para “apurar e acompanhar suposto conflito entre indígenas da aldeia Amambai e forças policiais locais”, relatório técnico de vistoria produzido pelo setor de Perícia, Pesquisa e Análise do Ministério Público Federal (MPF).
Trata-se de resultado parcial da perícia antropológica realizada pelo órgão ministerial na área de conflito, entre os dias 28 de junho e 4 de julho. Tanto o relatório técnico quanto o procedimento preparatório que ele integra estão sob sigilo, mas alguns dos elementos colhidos podem ser divulgados sem que haja prejuízo ao andamento das investigações e são úteis para o esclarecimento dos fatos perante a sociedade.
Narra o documento que a “casa azul”, local de moradia dos antigos caseiros da fazenda Borda da Mata, ganhou destaque e visibilidade nas narrativas sobre a primeira ocupação realizada pela comunidade indígena, no final de maio, pois os indígenas, “ao entrarem no território, teriam a tudo destruído e haviam roubado os pertences dos ali residentes, uma família de origem bastante humilde”. Este foi o discurso adotado tanto pelos ex-moradores quanto pelas autoridades de segurança.
A alegação de que quebraram tudo e de que tudo fora levado, no entanto, não se sustenta. Fotografias tiradas em 27 de maio, logo após a primeira retirada dos indígenas pela Tropa de Choque da PM, e disponibilizadas ao MPF pelos antigos moradores, ilustram o local sujo e revirado, mas também objetos de valor que interessariam aos indígenas e que lá permaneceram, a exemplo de equipamentos de pesca, bacia plástica, botijão de gás, freezer e cortina. Vê-se camas, colchões, sofás, poltronas, um aparelho de televisão e até uma nota de R$ 2.
No dia em que as fotografias foram tiradas, 27 de maio, os ex-moradores retornaram ao local, acompanhados pela Polícia Militar, a fim de, com um veículo fretado, buscar o que não conseguiram levar consigo de imediato: geladeira, freezer, mesa, poltrona, cadeiras de plástico. O fogão e alguns itens de uso pessoal já haviam sido retirados com a ajuda da PM no dia da primeira ocupação, segundo os próprios caseiros em entrevista concedida ao antropólogo do MPF.
Já as fotografias feitas pelo próprio perito do MPF, em 1º de julho, dias após a segunda ação da Tropa de Choque – que resultou na morte do indígena Vito Fernandes – mostra a mesma “casa azul” com o interior limpo e mais alguns materiais que poderiam ter valor para os indígenas ali acampados: fogão, geladeira, colchões, toalha, cobertor, roupas, cadeiras, botijão de gás, panelas, garrafão de água mineral, fardo de papel higiênico e até um saco de pães. A informação obtida pelo MPF é que, entre uma ação da Tropa de Choque e outra, uma equipe de segurança particular passou a ocupar a “casa azul”.
Além da “casa azul”, as demais edificações da sede da fazenda, incluindo insumos e equipamentos, não aparentam ter sofrido qualquer avaria significativa recente.
Viatura da Funai – Narra ainda o relatório que, em 24 de junho, o Coordenador Técnico da Funai em Amambai, Newton Bueno, compareceu na área do conflito e ficou mantido “como refém” pelos indígenas, tendo conseguido sair da área com apoio da polícia. O coordenador técnico conta ainda que teve seu aparelho celular e as chaves do veículo funcional, uma camionete L-200, subtraídos pelos indígenas.
Quando da chegada da equipe pericial do MPF no local, houve o intermédio das negociações e o referido veículo foi devolvido sem qualquer sinal capaz de configurar “dano ao patrimônio público”. Durante a permanência da viatura na área ocupada, ela foi utilizada inicialmente para o transporte de indígenas feridos e, depois, para o transporte de água.
Procedimento preparatório nº 1.21.005.001030/2022-21
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Arte: Secom/MPF