Estudo publicado na “Nature” afirma que, nos próximos 30 anos, uma área equivalente a cinco vezes a cidade de São Paulo pode ser desmatada se o Brasil legalizar exploração mineral em zona entre Pará e Amapá.
A legalização da mineração em terras indígenas e áreas protegidas na Amazônia brasileira pode provocar o desmatamento de milhares de quilômetros quadrados, adverte um estudo da revista científica Nature Sustainability publicado nesta quinta-feira (28/07).
A mineração em terras indígenas é uma das bandeiras do presidente Jair Bolsonaro. Um projeto nesse sentido foi apresentado em 2020 e atualmente está tramitando na Câmara Federal. Em março, deputados chegaram a aprovar regime de urgência para o projeto, despertando críticas de ambientalistas e defensores dos povos indígenas. Nos últimos anos, a Amazônia já vem registrando seguidos recordes de desmatamento.
Bolsonaro também se pinta como um defensor dos garimpeiros que atuam na Amazônia, na maioria das vezes de forma ilegal.
Defensores da mineração argumentam que o setor poderia ser mais regulamentado com a legalização das atividades, com o efeito de reforçar a proteção da floresta tropical, mas o estudo publicado na Nature aponta que esse não é o caso. Na realidade, a abertura de novas áreas de exploração aceleraria o desmatamento que alimenta as mudanças climáticas.
O modelo de impacto foi proposto por pesquisadores da Escola Politécnica (Poli) da USP e analisou os efeitos da possível abertura para mineração em áreas da Reserva Nacional de Cobre e Associados (Renca), entre os estados do Amapá e do Pará, uma zona de 47 mil quilômetros quadrados que inclui dois territórios indígenas e várias reservas naturais de proteção.
Segundo o estudo, a abertura da região para mineração abriria caminho para a exploração de 242 jazidas adicionais de ouro, cobre e outros minerais. No entanto, essa exploração também levaria ao desmatamento de cerca de 7.626 quilômetros quadrados – uma área equivalente a cinco vezes o município de São Paulo – nos próximos 30 anos, e isso apenas com a abertura das estradas necessárias para explorar as minas.
A construção de novas estradas também permitiria aos madeireiros ilegais, grileiros e pecuaristas um acesso mais fácil a partes relativamente intocadas da floresta.
“No total, 7.626 km² de florestas seriam perdidas considerando os impactos diretos e indiretos da construção de 1.450 quilômetros de novas estradas necessárias para acessar os 242 depósitos minerais da região”, apontou ao Jornal da USP a engenheira ambiental Juliana Siqueira-Gay, que desenvolveu a pesquisa para sua tese de doutorado.
“Metade de todo esse desmatamento aconteceria em áreas de alta importância para conservação da biodiversidade, evidenciando a importância do estabelecimento de áreas protegidas, em que a mineração e seus impactos não são permitidos”, acrescentou.
“Mostramos que para atingir depósitos em locais remotos, como muitas vezes acontece em projetos de mineração no mundo, são necessárias estradas longas que causam perda direta de ecossistemas com alta relevância para conservação. Outras estradas, com um desenho mais compacto, também podem causar significativa fragmentação de habitats, sendo necessária, portanto, uma robusta verificação das consequências da construção de infraestrutura de suporte à mina.”
Também participaram da pesquisa o professor do Instituto de Biociências da USP Jean Paul Metzger; o professor da Poli Luis Enrique Sánchez e a pesquisadora da Universidade de Queensland, na Austrália, Laura Sonter.
“O artigo preconiza o tamanho do prejuízo e o que pode acontecer se o incentivo à mineração em áreas protegidas continuar sendo promovido por esse governo”, disse Ane Alencar, diretora de ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), que não participou da pesquisa.
A destruição potencial seria ainda maior se a mesma metodologia fosse aplicada em toda a Amazônia, de acordo com Siqueira-Gay. Novas áreas de mineração estão frequentemente localizadas em algumas das áreas de maior biodiversidade do planeta e só devem ser abertas se houver planos para evitar essa destruição adicional, disse ela.
Os pesquisadores compararam isso com uma estimativa de 4.254 quilômetros quadrados de desmatamento se as proteções continuarem em sua forma atual.
Segundo Philip Fearnside, ecologista do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), o estudo informa o debate político ao quantificar o que está em jogo. “Eu diria apenas ‘não, não abra para a mineração'”, disse ele.