Gilmar Mendes rebate Bolsonaro e diz que STF é responsável pela democracia no país

Por Sérgio Rodas, na Conjur

O ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes rebateu nesta sexta-feira (26/8) declarações do presidente Jair Bolsonaro que minimizaram os ataques de apoiadores à corte e as ameaças à democracia e defenderam a atuação de seu governo no combate à Covid-19. Além disso, o magistrado afirmou que, “se hoje nós ainda podemos falar na existência da democracia constitucional no Brasil, muito se deve a essa atuação serena, marcante e altiva do STF”.

Em evento do LIDE — Grupo de Líderes Empresariais no Rio de Janeiro, Gilmar disse que o inquérito das fake news é um “instrumento legítimo de defesa do tribunal” e dificultou a organização e o financiamento de grupos que visavam a desestabilizar as instituições. O ministro lembrou que, em 2019, após Bolsonaro assumir a Presidência da República, manifestações antidemocráticas, às vezes contra o Supremo, passaram a ocorrer em todos os domingos.

“Vimos cenas de pessoas dizendo ‘eu autorizo’. Autoriza o quê? Que se descumpra a Constituição Federal? Isso é um apelo impróprio e claramente inconstitucional”, destacou. Ele reforçou a necessidade de se respeitar a democracia constitucional estabelecida pela Carta Magna de 1988 e seu sistema de freios e contrapesos. “Isso precisa ser compreendido, sob pena de eventualmente entendermos que os poderes se dissolvem com a eleição, que o presidente, com uma maioria de votos, está autorizado a dissolver o sistema institucional e constitucional.”

O magistrado ressaltou ter confiança de que o ministro Alexandre de Moraes se baseou em informações relevantes e não cometeu nenhum ato abusivo ao ordenar busca e apreensão contra um grupo de empresários que, em mensagens em grupo de WhatsApp, defenderam um golpe de Estado em caso de vitória de Lula nas eleições.

Jair Bolsonaro afirmou ao Jornal Nacional, da TV Globo, na segunda (22/8), que as manifestações de seus apoiadores são meros atos de exercício da liberdade de expressão.

“Você vê as manifestações nossas sem qualquer ruído. Uma lata de lixo sequer virada nas ruas. Eu considero como liberdade de expressão. Essa? Artigo 142 (da Constituição), o que é o artigo 142? É um artigo da Constituição que eu entendo da maneira como alguns pouquíssimos entendem. Quando alguns falam em fechar o Congresso é liberdade de expressão deles, eu não levo para esse lado; e, para mim, isso daí faz parte da democracia. Não posso eu ameaçar fechar o Congresso ou o Supremo Tribunal Federal. Então, Bonner, eu não vejo nada de mais, vejo como liberdade de expressão, como alguns fazem com AI-5. Não existe mais AI-5, você punir alguém por alguém querer levantar uma faixinha no meio da multidão, AI-5? Isso é uma coisa que, no meu entender, não leva a lugar nenhum. O outro lado?”, disse o presidente.

Na entrevista, Bolsonaro mentiu ao afirmar que não havia xingado ministros do STF, sendo que ele, em pelo menos três ocasiões, ofendeu publicamente Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso. Desde o início de seu mandato, mas especialmente após o início da epidemia de Covid-19, o presidente vem atacando o Supremo.

Atuação na crise sanitária

Gilmar Mendes afirmou que as decisões do Supremo que permitiram a estados e municípios imporem medidas de isolamento social durante a epidemia de Covid-19 evitaram que o país ultrapassasse a marca de um milhão de mortos pela doença — 683 mil pessoas já perderam a vida no Brasil devido ao coronavírus.

“Certamente poderíamos ter tido muito menos mortos se houvesse maiores esforços no tratamento dessa temática. Mas médicos da Universidade de São Paulo já disseram que a atividade do tribunal ajudou a poupar vidas.”

De acordo com o ministro, o governo Bolsonaro tentou esvaziar as medidas de isolamento social argumentando que estados e municípios não podiam limitar atividades essenciais. Além disso, o presidente editou decretos estabelecendo que serviços como os de igrejas, barbearias e loterias eram essenciais — uma tentativa de esvaziar o isolamento social, conforme o magistrado.

A troca de ministros da Saúde e a colocação do general Eduardo Pazuello no cargo fez o Brasil pagar “um preço muito alto”, avaliou o ministro. Pazuello, essa “figura muito marcante”, disse ele, chegou como especialista em logística e “propagou o caos” no sistema de saúde.

Supremo também determinou que houvesse um plano nacional de vacinação, com um prazo para que ela começasse a ser aplicada, lembrou Gilmar.

Dessa maneira, ele refutou as acusações de que o Supremo praticou ativismo judicial. “Essa é uma página de ouro (na história) do STF. Poucas cortes do mundo tiveram tamanho desafio e conseguiram dar uma resposta tão efetiva, enfrentando com responsabilidade esse imenso desafio e não se envolvendo diretamente no caos político que se desenhava, fazendo as determinações passíveis de serem feitas.”

No Jornal Nacional, Jair Bolsonaro afirmou que não errou ao ser contrário ao isolamento social na epidemia.

“Eu falei no início que nós devíamos cuidar de tratar dos idosos, pessoas com comorbidade, e o resto da população trabalhar. Isso eu falei e não errei. Hoje muitos países já falam que o lockdown foi um erro, que as pessoas se contaminavam muito mais em casa do que nas ruas. E outra coisa, se falava em fazer o que no lockdownLockdown um mês, dois meses, no máximo, para achatar a curva. Demorou mais de um ano o lockdown e até hoje continua gente falecendo por Covid. Ou seja, o lockdown serviu, sim, para atrapalhar a nossa economia e contaminar mais pessoas ainda em casa.”

O Brasil não adotou um lockdown, como diversos outros países, apenas restringiu atividades. Estudo do British Medical Journal demonstrou que o isolamento social levou a uma diminuição média de 13% na incidência de Covid-19 em 149 países ou regiões.

Respeito às eleições

O decano do Supremo afirmou não acreditar que “haja seriedade” nos ataques de Bolsonaro ao sistema eleitoral e às urnas eletrônicas, nem na possibilidade de o resultado do pleito ser desrespeitado. “Temos uma democracia consolidada.”

“Tenho a impressão de que esses ataques às urnas são um pouco pretexto para um momento de eventual dificuldade eleitoral. São profissionais que sempre se elegeram com as urnas eletrônicas. Ganharam a eleição em 2018. Isso significa que houve fraude em 2018 para que eles ganhassem? É disso que estamos falando? Isso não faz o menor sentido. O Brasil baniu as fraudes com as urnas eletrônicas. Isso é consabido. Então é preciso que a gente tenha essa percepção”, analisou Gilmar.

Em entrevista ao Jornal Nacional, Jair Bolsonaro declarou que o resultado das urnas será respeitado “desde que as eleições sejam limpas e transparentes”.

O presidente constantemente afirma, sem provas, que as urnas eletrônicas são passíveis de fraude e que a eleição de 2018 — na qual foi eleito — foi manipulada.

Onda de aplausos

O ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, foi aplaudido pelos empresários e profissionais do Direito presentes no evento quando afirmou que, para entrevistar Lula, o apresentador do Jornal Nacional William Bonner deveria ter se desincompatibilizado do cargo três meses antes, uma vez que teria feito campanha pelo petista.

“Fiquei um pouco triste com a diferença de atitude dos apresentadores”, disse. “A forma como o presidente foi tratado, a diferença com o que foi feito ontem (quinta-feira) com o presidente Lula, a gente viu que existe uma tendência de os apresentadores de ajudar o presidente Lula contra o presidente Bolsonaro. Mas faz parte do jogo”, afirmou Nogueira.

No entanto, as maiores salvas de palmas vieram após Gilmar Mendes defender a atuação do Supremo e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), afirmar que é preciso respeitar o sistema eleitoral.

Medidas econômicas

Autoridades que participaram do evento destacaram medidas dos últimos anos que consideram importantes para o ambiente de negócios no Brasil.

O ministro do Superior Tribunal de Justiça Luís Felipe Salomão mencionou a nova Lei de Falências (Lei 14.112/2021), a Lei das Startups (Lei Complementar 182/2021), a Lei da Liberdade Econômica (Lei 13.874/2019), a Lei do Superendividamento (Lei 14.181/2021) e a Lei do Ambiente de Negócios (Lei 14.195/2021).

Rodrigo Pacheco apontou o Marco Legal do Saneamento Básico (Lei 14.026/2020) e a privatização da Eletrobras. Também disse ser importante preservar a reforma trabalhista e o teto de gastos.

Já Ciro Nogueira disse ser preciso promover uma reforma tributária e investir em energia limpa e no agronegócio para que o Brasil se torne “uma Arábia Saudita dos alimentos”.

 

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