A agonia da Amazônia é perceptível no chão: as clareiras abertas, as árvores derrubadas, o fogo e a fumaça, os buracos do garimpo. Mas essa visão não se compara à visão da floresta do alto, a algumas dezenas ou centenas de metros acima da copa das árvores. Do alto, podemos enxergar a verdadeira dimensão da destruição ambiental: o oceano verde se desfaz com uma rapidez preocupante.
“É um crime contra a humanidade, não é só um crime ambiental. Estão matando a Amazônia”, disse à Deutsche Welle Auricélia Arapium, coordenadora do Conselho Indígena Tapajós Arapiuns (CITA), ao vislumbrar as cenas da floresta onde vive desde de que nasceu a bordo de uma aeronave. “Foi muito impactante e eu fico muito emocionada. A gente sabe o que significa um território vivo, um rio vivo. Eu sou mãe. O que vai ser do nosso futuro?”.
Na semana passada, Auricélia e outras lideranças indígenas e ambientalistas participaram de sobrevoos na região do Tapajós, junto com jornalistas brasileiros e estrangeiros, uma iniciativa organizada pelo ClimaInfo e outras instituições socioambientais. Do alto, eles puderam olhar com detalhes as marcas da destruição na floresta, especialmente aquelas realizadas pelo garimpo ilegal na Terra Indígena Munduruku.
“Os garimpos vêm crescendo muito rápido no território desde 2019, quando começaram as promessas de que ia poder garimpar nas Terras Indígenas”, comentou Alessandra Munduruku, vice-coordenadora da Federação dos Povos Indígenas do Pará, ao Diálogo Chino. “Isso traz muito sofrimento para a gente. Acabaram com rios, igarapés, ficou só lama. Não tem mais peixe, e quando tem, está contaminado pelo mercúrio. Tem família indígena comprando água, isso está acontecendo dentro da Amazônia”.
Os sobrevoos aconteceram em um período particularmente devastador para a floresta amazônica. Nas últimas semanas, as queimadas ganharam força em boa parte do bioma, com recordes sucessivos de focos diários de calor registrados pelo INPE. No último domingo (4/9), a Amazônia registrou 3.393 focos, o pior índice para um dia no mês de setembro; nos dias anteriores, os números também foram elevados: 2.076 no dia 1º, 3.333 no dia 2 e 3.331 no dia 3. Assim, mais de 12 mil focos foram captados apenas nos quatro primeiros dias de setembro, mais de 1/3 da média histórica (1998-2021) para o mês inteiro. A notícia é da MetSul, que também publicou imagens do alto registradas pelo jornalista Douglas Magno, da AFP.
Essa destruição não é ação de “peixe pequeno”. Para chegar a essa magnitude, é preciso não apenas organização e preparo, mas também muito dinheiro. “É necessária uma estrutura para que se consiga destruir uma área gigantesca… Então é impossível, de acordo com as investigações da Polícia Federal e as apurações do Greenpeace, que um trabalhador rural comum consiga destruir tudo aquilo só para fazer pasto”, explicou o jornalista Alexandre Hisayasu, da TV Amazônia (Globo), ao podcast O Assunto, do g1. Além das condições financeiras e estruturais, os responsáveis pela destruição florestal também têm seu trabalho facilitado pela falta de fiscalização dos órgãos governamentais, especialmente da União, enfraquecidos e desmoralizados sob o atual governo.