Novos símbolos, herança nefasta, revogaço e aposentadoria do guru negacionista

Newsletter do Observatório do Clima

Foi uma semana de símbolos, alguns inéditos e inesquecíveis. Lula subindo a rampa com o cacique Raoni e a catadora Aline, revogaço ambiental no primeiro dia de governo, posse de Marina Silva lotada de servidores com Rui Costa (Casa Civil) pagando de ambientalista, Funai ocupada por indígenas, o discurso de Silvio Almeida e a aposentadoria do “guru ambiental” de Bolsonaro, Evaristo de Miranda.

Agora começa o jogo. Reconstruir é muito mais difícil do que destruir. A primeira prova para as “tensões e contradições” citadas por Marina no discurso de posse virá com a retomada de projetos antiambientais no novo Congresso, as “boiadas de 2023”. É sempre bom lembrar que o ministro da Agricultura escolhido por Lula, Carlos Fávaro, foi relator do PL da Grilagem, apesar do discurso fofo com Marina e das promessas de “produção agrícola mais sustentável do mundo” ao assumir o cargo.

Ninguém disse que ia ser fácil. Mas agora, como escreveu a repórter Daniela Chiaretti, voltamos aos “embates normais, de Terra redonda”. Boa leitura e feliz 2023 (ACABOU, PORRA!).

A HERANÇA DE BOLSONARO NA AMAZÔNIA

Devastação recorde de agosto a dezembro será contabilizada na taxa de desmatamento de 2023, a primeira do governo Lula; Apuí e Lábrea (AM), no eixo da BR-319, encabeçam ranking de municípios com maior área desmatada

Outro símbolo do fim do regime Bolsonaro foi o automático cancelamento da censura imposta nos últimos quatro anos a servidores públicos que sabem tudo de desmatamento. O pesquisador do Inpe Cláudio Almeida voltou a comentar dados oficiais divulgados na sexta-feira (6) que mostram o avanço da devastação na Amazônia, tocando a real: “No sul do Amazonas existe a expectativa de asfaltamento da BR-319, e isso leva pessoas a ocuparem aquela região, com perspectivas de ganho futuro. A ideia por trás é: ‘agora que ainda não está asfaltada essa região, vou invadir e tomar uma terra. Se eu conseguir legalizar essa terra (oi, Fávaro), quando asfaltarem a região ela vai valer muito mais, então eu vou fazer muito dinheiro vendendo essa terra’.”

Apuí e Lábrea, no sul do Amazonas, encabeçam o ranking de municípios com maior área desmatada em 2022. As cidades ficam no eixo da BR-319 (Manaus-Porto Velho), obra da ditadura militar que o governo Bolsonaro retomou à força, sob o comando do então ministro Tarcísio de Freitas, eleito governador de São Paulo – a licença prévia para asfaltamento da rodovia foi concedida em junho, atropelando pareceres de técnicos do próprio Ibama. É um dos principais problemas que estarão na mesa do futuro presidente do instituto, já escolhido, mas ainda não anunciado por Marina.

Os dados comentados por Almeida, do sistema Deter-B, mostram que a área sob alertas de desmatamento na Amazônia foi recorde no ano passado. Só nos últimos cinco meses, de agosto a dezembro, atingiu 4.793 km2, um aumento de 54% em relação ao mesmo período de 2021. Como a taxa oficial de desmatamento na Amazônia é medida pelo Prodes, do Inpe, sempre de agosto de um ano a julho do ano seguinte, essa destruição será herdada pelo presidente Lula na taxa de 2023.

O dado preliminar do Deter-B aponta que houve uma corrida pelo desmatamento no fim do mandato de Jair Bolsonaro, revertendo tendência de queda registrada de agosto de 2021 a julho de 2022.

Ou seja: O governo Bolsonaro acabou, mas sua herança ambiental nefasta continua. Marina Silva tem sete meses para reativar o Ibama e impedir mais uma tragédia na taxa de 2023.

Bombas no Congresso

AS BOIADAS DE 2023

Logo após a eleição, dezenas de projetos antiambientais entraram na pauta da Comissão de Meio Ambiente da Câmara. Com a bênção de Arthur Lira (PP/AL), deputados ruralistas tentaram empurrar uma xepa que incluía liberar geral o desmatamento e a matança de animais silvestres. Isso sem contar as bombas que quase passaram no Senado, como o fim do controle de agrotóxicos, a anistia à grilagem (alô, Fávaro) e a extinção do licenciamento.

Nada disso melhorará em 2023. A aliança entre o ruralismo podre e o bolsonarismo veio para ficar, numa legislatura tomada de assalto pela extrema direita. Lula terá de rebolar para moderar o apetite dos gafanhotos no Parlamento. Há rumores desde dezembro de que o governo do PT teria fechado um acordo para deixar passar o PL do Veneno, que libera mais agrotóxicos, segurando outras bombas. Apesar de Lula ter reforçado o compromisso ambiental e indígena na posse, a chave do “nacional-desenvolvimentismo” que marcou seus dois primeiros mandatos foi mesmo virada? Leia análises sobre o retorno de Marina Silva aqui, aqui, aqui e aqui.

Grande dia

O REVOGAÇO AMBIENTAL

No primeiro dia de governo, o presidente Lula assinou decretos para retomar políticas ambientais enterradas por Bolsonaro e revogar medidas da última gestão, como a que estimulava o garimpo em áreas protegidas.

Um dos decretos reativou o Fundo Amazônia, paralisado desde 2019 com mais de R$ 3 bilhões em caixa, doados por Noruega e Alemanha. Os dois países europeus já se comprometeram com mais recursos para o fundo, criado por Lula em 2008.

Outro decreto transferiu o Cadastro Ambiental Rural (CAR) do Ministério da Agricultura para o do Meio Ambiente, que agora incorpora o termo Mudança do Clima no nome. O Serviço Florestal Brasileiro, órgão ao qual o CAR está vinculado, havia sido transferido para a pasta da Agricultura no início do regime Bolsonaro. Setores do agronegócio pressionavam para manter o CAR na Agricultura. É, portanto, uma vitória de Marina, que também recuperou a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico.

Extinto por Bolsonaro em seu primeiro ano de governo, o Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm) foi retomado. A notícia é excelente, mas não se trata ainda de um plano efetivo. Falta detalhamento, que será definido e coordenado por uma comissão vinculada à Casa Civil. O decreto prevê planos para todos os outros biomas. No caso da Amazônia, o PPCDAm será retomado após alta inédita de 60% do desmatamento no último mandato em relação aos quatro anos anteriores.

No caso das multas ambientais, foi extinta a fase de “conciliação” criada pelo então ministro Ricardo Salles, que na prática só serviu para livrar infratores de pagar por seus crimes. O aumento do desmatamento sob Bolsonaro coincidiu com o menor número de multas ambientais já registrado na Amazônia.

A reorganização do processo sancionador ambiental, prevista no decreto assinado por Lula, pode evitar que R$ 18 bilhões em multas do Ibama prescrevam, como queria a gestão Bolsonaro. Já a criação da Autoridade Nacional de Segurança Climática ficou para março.

O Diário Oficial também trouxe a exoneração de Eduardo Bim da presidência do Ibama e de Marcos de Castro Simanovic da presidência do ICMBio pelos serviços prestados ao bolsonarismo, contra o meio ambiente. Leia mais aqui e aqui.

Já vai tarde

A APOSENTADORIA DO GURU NEGACIONISTA

O expurgo provocado pela mudança de governo contaminou até a Embrapa. O site do órgão federal publicou nesta semana sua melhor notícia em quatro décadas: o agrônomo Evaristo de Miranda encerrou sua carreira em 31 de dezembro, junto com Jair Bolsonaro. Apontado como “guru ambiental” do ex-presidente, Miranda liderou em 2018 a equipe de transição do Ministério do Meio Ambiente que maquinou o desmonte da pasta entregue a Ricardo Salles. Em janeiro deste ano, um grupo de 12 cientistas publicou um estudo que desmonta as “falsas controvérsias” produzidas pela equipe do pesquisador. Desde a época da mudança do Código Florestal, no governo Dilma, Miranda vem produzindo estatísticas criativas segundo as quais o Brasil “encolheu” por excesso de áreas protegidas. Tudo fake.

 

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