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O governo do ex-presidente Jair Bolsonaro vendeu as Forças Armadas como “pau para toda obra”, especialmente na Amazônia. A justificativa era de que os militares teriam know-how para atuar nessa região e seriam mais efetivos no combate a ilegalidades.
O que se viu, no entanto, foi o contrário: a explosão do desmatamento na Amazônia, acompanhada pela intensificação da presença do crime organizado. E a crise humanitária vivida pelos Yanomami oferece uma nova face do colapso militar na Amazônia, marcada por um misto de falta de vontade, corrupção e incompetência que deixou os Povos Indígenas e seus defensores desprotegidos.
O Globo destacou um exemplo desse colapso. Uma das rotas mais acessadas por garimpeiros para invadir a Terra Yanomami fica nas proximidades do 4º Pelotão Especial de Fronteira do Exército Brasileiro. A sede do pelotão também é próxima da comunidade de Surucucu, onde houve o maior número de pessoas desnutridas e crianças mortas. Mesmo tendo informação sobre o uso dessa trilha pelos criminosos, os militares não fizeram nada.
Em alguns casos, a omissão deu espaço para a corrupção pura e simples. A Folha revelou trechos de dois relatórios de inteligência da FUNAI, elaborados ainda em 2019, no 1º ano do governo Bolsonaro, que ilustram o problema. Militares instalados no 7º Batalhão de Infantaria da Selva (BIS), responsáveis por operações de combate ao garimpo, teriam vazado informações sobre as ações para os criminosos em troca de propina. Em alguns casos, os próprios garimpeiros eram parentes dos militares.
O descaso também era característico entre os militares que serviam em postos fora das Forças Armadas, instalados no IBAMA e na FUNAI. O Estadão mostrou que os ex-diretores do IBAMA, Samuel Vieira de Souza e Aécio Galiza Magalhães, chegaram a ter, em mãos, um plano de ação para expulsar os garimpeiros da Terra Yanomami. O plano seria fruto de pressão judicial do Ministério Público Federal (MPF), que cobrou o governo Bolsonaro por ações contra o garimpo no território Yanomami. Porém, nenhuma ação foi realizada.
Nem o alto escalão do governo Bolsonaro se mostrou diferente. De acordo com o site De Olho nos Ruralistas, o ex-vice-presidente e general da reserva Hamilton Mourão recebeu José Altino Machado, defensor do garimpo na Amazônia, por quatro vezes durante seu mandato no Palácio do Planalto. Representantes do garimpo também se encontraram repetidas vezes com o ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) e também general da reserva Augusto Heleno, além de ministros do antigo governo e parlamentares.
O desleixo e o desprezo dos militares com a situação dos Yanomami pode não ser um “ponto fora da curva”. Como destacou o g1, setores importantes das Forças Armadas compartilham a crença negacionista que rejeita a nacionalidade brasileira aos Yanomami, sob a justificativa rasa de “risco à soberania”. Esse mito ganhou força nos anos 1990, depois que um coronel publicou um livro repleto de falsidades e distorções pela Biblioteca do Exército.
“A tese não é uma opinião isolada, mas reflete o que é um conhecimento difundido, para não dizer doutrinário, dentro do Exército acerca da questão indígena, mas poderíamos dizer também da questão ambiental”, explicou o pesquisador João Pedro Garcez, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
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Garimpo na Terra Indígena Yanomami: estima-se que mais de 20 mil garimpeiros estejam no território atualmente. Foto: Acervo ISA