Indígenas do Vale do Javari cobram urgência nas nomeações dos coordenadores de Funai e Dsei

Por Elaíze Farias, na Amazônia Real

Manaus (AM) – A demora do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em nomear os novos coordenadores regionais da Fundação Nacional do Índio (Funai) e Distrito Sanitários Especiais Indígenas (Dsei) tem incomodado organizações e lideranças indígenas. Nesta semana, indígenas da Terra Indígena Vale do Javari, a segunda maior do Brasil e uma das mais vulneráveis, fizeram um protesto nas ruas do município de Atalaia do Norte, no Amazonas, fronteira com o Peru. Em junho de 2022, o indigenista Bruno Pereira e o jornalismo britânico Dom Phillips foram assassinados em uma comunidade ribeirinha na divisa da TI Vale do Javari, por pescadores ilegais e a mando de Ruben da Silva Villar, o Colômbia.

O protesto aconteceu na última terça-feira (14), com cerca de 100 indígenas dos povos Matís, Kanamari, Mayoruna, Kulina e Marubo. Eles cobraram não apenas a urgência nas nomeações, mas também o atendimento dos nomes indicados no encontro de lideranças ocorrido em novembro de 2022, na aldeia Massapê, no rio Itacoaí. Até o momento, os órgãos estão sendo dirigidos por coordenadores substitutos.

Thoda Kanamari, vice-presidente da União dos Povos Indigenas (Univaja), disse à reportagem que neste sábado (18) começa a assembleia geral do território, e todos aguardam que na próxima semana os nomes dos novos coordenadores já tenham sido definidos. A assembleia vai até o dia 20, na aldeia Paraná, no rio Ituí, onde vive o povo Marubo. Ela contará com mais de 100 lideranças indígenas de todo o Vale do Javari.

“Desde que o Lula assumiu ainda não tivemos respostas. Sem as nomeações, a gente fica sem coordenador. Com quem a gente vai dialogar e conversar para pelo menos minimizar a invasão no Vale do Javari? O problema aqui não acabou, só aumenta. Sem coordenador, as coisas ficam perdidas, os profissionais estão (sem) rumo. A nossa terra é imensa, vulnerável, exige logística grande. Precisamos que os nomes saem o mais rápido possível”, disse Thoda.

Na terça-feira, indígenas se concentraram na sede da Univaja às 8h. Em seguida, fizeram um protesto nas ruas de Atalaia do Norte até a sede do Dsei Vale do Javari, onde lideranças e caciques expuseram sua preocupação. Uma hora depois, eles foram até a sede da CR Vale do Javari, da Funai, cuja fachada exibe um painel em homenagem a Bruno Pereira e Dom Phillips.

“O problema aqui está aumentando, mas o governo parece não demonstrar preocupação. Está demorando demais. Tem a situação da saúde, que é uma das prioridades”, disse a liderança Kunin Matís.

No Encontro dos Caciques, realizado no final de novembro, os nomes indicados pelas lideranças foram de Bushe Matís e de Jader Marubo, para a CR Funai, e de Kora Kanamari, para o Dsei. Indígenas ouvidos pela reportagem afirmaram que esperam que o governo Lula atenda as indicações. Eles também exigem que os novos chefes dos dois órgãos sejam indígenas.

Outro grupo do Vale do Javari, contudo, sinalizou também a indicação de Panã Marubo para a chefia da Coordenação Regional da Funai. Panã também tem apoio de lideranças do território. Independente de quem for nomeado, eles não abrem mão que seja indígena. “Se for não indígena, vamos expulsá-los”, disse uma liderança.

A TI Vale do Javari tem 85.4456 quilômetros quadrados, abrangendo uma vasta área do estado do Amazonas. Tem mais de 6 mil indígena e um número incalculável de grupos isolados – possivelmente o maior do mundo. A área tem quatro Bases da Frente Etnoambiental (também chamada de Base de Índios Isolados), que estão sem chefia. As bases possuem apenas um espaço físico, onde poucos servidores (muitos deles indígenas) trabalham, mas sem realizar trabalho de vigilância, por falta de estrutura e recursos e também de uma coordenação. A segurança dos servidores e das bases é feita por guardas da Força Nacional.

“Tem essas bases, mas os funcionários não podem fazer nada. Eles só ficam nelas. Sem um direcionamento ou uma coordenação, é apenas um local parado no rio. Enquanto isso, os invasores entram e não são fiscalizados”, disse Thoda Kanamari.

No encontro das lideranças, na aldeia Massapê, os participantes divulgaram uma carta cobrando e exigindo ampliação da atenção aos povos indígenas do Vale do Javari. Os indígenas destacaram a imensidão do território e as dificuldades geográficas para levar ações para comunidades mais distantes.

“Exigimos uma política de proteção e fiscalização territorial que seja efetiva. Nos últimos anos, sentidos os golpes do descaso do governo federal ao enfraquecer a Funai e sua força de atuação. Como consequência deste descaso, tivemos a morte de Bruno, Maxciel e Dom. O território do Vale do Javari é enorme, rico em biodiversidade e com inúmeros recursos. Desperta o assédio permanente de invasores pescadores, caçadores, madeireiros, garimpeiros e narcotraficantes. Esta situação coloca em risco a vida de todos os povos indígenas do Vale do Javari, em especial nossos parentes isolados que habitam de norte a sul da nossa terra”, diz trecho da carta.

Apib também cobra governo

No último dia 9, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) divulgou uma carta  alertando para o atraso nas nomeações dos cargos no governo federal, especificamente nas Coordenações Regionais da Funai e dos Dseis. A organização também alertou para as “interferências políticas nas nomeações” que “influenciam negativamente na luta dos povos indígenas por direitos, em todo o país”.

De acordo com a Apib, o atraso têm contribuído para o agravamento das violências contra os povos indígenas. “A política indigenista não pode mais cair na morosidade, omissão e descaso que a caracterizou particularmente nos últimos seis anos. E não pode também, acreditamos, ser submetida a critérios de interferências político-partidárias, negociatas e muito menos à prática do toma-lá-dá-cá, na condição de moeda de troca no jogo de interesses econômicos e políticos de quaisquer grupos sociais, sobretudo anti-indígenas.”, destaca trecho da carta, que foi enviada para Casa Civil, Ministério da Saúde, Ministério dos Povos Indígenas, Funai e Sesai.

Segundo a Apib, o governo federal exonerou mais de 30 coordenadores e servidores da Funai, indicados na gestão de Jair Bolsonaro (PL) e seguem vazios.

“Solicitamos de Vossas Excelências esclarecimentos a respeito da demora do governo federal, especialmente desta Casa Civil, sobre os processos de nomeações dos candidatos e candidatas indicados a ocuparem cargos nos distintos órgãos desse governo, especificamente em relação às Coordenações Regionais da Funai e dos Distritos de Saúde Indígena, nas regiões, enfatizando que esse primeiro passo das nomeações é fundamental para essa garantia da continuidade desse protagonismo dos povos indígenas e visando a implementação urgente dessas políticas, que nos últimos anos se tornaram precárias ou até mesmo ausentes nas nossas comunidades e territórios”, diz a Apib.

O que dizem as autoridades

Procurada, a assessoria de comunicação enviou uma nota publicada nesta quinta-feira (16) em seu site sobre o assunto. No informe, a Funai diz que “as nomeações de coordenadores indicados pelas organizações indígenas com consenso já estão em andamento, tendo sido encaminhadas pela Funai para os órgãos responsáveis, por exemplo, pela análise documental e do perfil dos postulantes ao cargo. Já as que permanecem em discussão serão encaminhadas tão logo haja um consenso acerca das indicações”.

Conforme a assessoria “não há, portanto, demora por parte da Funai no encaminhamento das nomeações, como alegado recentemente por alguns segmentos”.

A Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), vinculado ao Ministério da Saúde, também foi procurada, mas não respondeu até a publicação desta reportagem.

Elaíze Farias – Cofundadora da Agência Amazônia Real e editora de conteúdo. É referência em reportagens sobre povos originários, populações tradicionais, denúncias de violações de direitos territoriais e direitos humanos, violências socioambientais e impactos de grandes obras na natureza e nas populações amazônicas. Entre as premiações recebidas, está o Prêmio Imprensa Embratel. Em 2021, foi homenageada no 16º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo, da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), junto com Kátia Brasil, também fundadora da Amazônia Real. Em 2022, recebeu o Prêmio Especial Vladimir Herzog. É jornalista formada pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM).

Lideranças alertam para a vulnerabilidade do território indígena, que é segundo maior do país e que é alvo permanente de invasões, garimpo ilegal e narcotráfico. Na foto acima, indígenas durante ato no último dia 14, em Atalaia do Norte (Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real).

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