Projeto quer barrar licença para megaobra na ilha de Boipeba

Órgão público e empresa minimizam impactos socioambientais do projeto, que ganhou apoio do governador Jerônimo Rodrigues (PT)

Por Aldem Bourscheit, em (o)eco

Proposta legislativa de parlamentar estadual pretende derrubar a licença para o empreendimento Ponta dos Castelhanos, na ilha de Boipeba (BA). ONGs, população e pesquisadores criticam a autorização, pois prejudicaria a Mata Atlântica, a vida de populações tradicionais e o acesso público às praias.

Em 7 de março passado, o Inema (Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos) da Bahia autorizou a implantação do projeto turístico-imobiliário da Mangaba Cultivo de Coco e o desmate de 2,9 hectares. O imóvel tem 1.651 hectares no sul de Boipeba, ou 18,75% da ilha, que tem 8.800 hectares.

Um esquema para o projeto foi traçado em 2009 por um escritório de arquitetura, de São Paulo (SP). Os diagramas apontam a provável distribuição dos lotes das 67 residências, 2 pousadas de 25 quartos, hotéis, pista de pouso, trilhas e estação de tratamento de resíduos, listados no licenciamento.

Para o deputado Hilton Coelho (PSOL), a licença submete o desenvolvimento socioeconômico da ilha a vultosos investimentos privados em detrimento da proteção da Mata Atlântica, da cultura e dos direitos de povos tradicionais. “A licença é um absurdo. Está afrontando tudo isso”, ressalta.

Sua análise o fez registrar uma proposta na Assembleia Legislativa da Bahia (Alba) para derrubar o aval do Executivo estadual ao projeto. O PSOL apoiou a eleição e compõe a base do governo Jerônimo Rodrigues (PT), mas com “independência política”, diz a assessoria de Coelho.

Ele fez um pronunciamento esta semana no plenário da Alba buscando apoio à aprovação de seu projeto de decreto legislativo. O texto foi pautado para debates nas comissões de Meio Ambiente e de Direitos Humanos da casa.

O parlamentar lembra que a autorização em Boipeba não pode ser desconectada do acelerado processo de grilagem de terras públicas e de gentrificação no litoral baiano. A gentrificação ocorre quando estruturas e moradores locais são substituídos por outros, geralmente de maior renda.

“A Bahia está sendo esquadrinhada por turismo, agronegócio e mineração ligados a esquemas de grilagem, de pistolagem, dos ‘coronéis’ que historicamente se instalaram no estado e agora amplificam os interesses de grandes grupos econômicos, nacionais e estrangeiros”, afirma Coelho.

Representante dos moradores de Moreré e de Monte Alegre, praias em Boipeba, Bernardo Bramont avalia que, apesar de medidas amarradas no licenciamento e de promessas da empresa, não estão asseguradas a conservação da natureza e do modo de vida das populações tradicionais.

“Não tenho dúvidas de que, se o projeto continuar, os caminhos e práticas de comunidades como de quilombolas e de pescadores serão encurtados. Essas pessoas ajudaram a preservar a ilha, mas não terão mais a mesma liberdade que tiveram ao longo da história”, comenta o ativista.

“Não tenho dúvidas de que, se o projeto continuar, os caminhos e práticas de comunidades como de quilombolas e de pescadores serão encurtados. Essas pessoas ajudaram a preservar a ilha, mas não terão mais a mesma liberdade que tiveram ao longo da história”, comenta.

“Na área do projeto há desova de tartarugas, alguns dos animais que podem ser prejudicados pelas obras, iluminação, movimentação de pessoas e de barcos e do empreendimento. Isso deveria pesar nos estudos, laudos de impactos e licenciamento do projeto”, completa Bramont.

Maré enchendo

Em nota, o Observatório Socioterritorial do Baixo Sul da Bahia se diz perplexo com o aval ao empreendimento turístico-imobiliário, pois o mesmo violaria diretrizes e recomendações do Plano de Manejo da Área de Proteção Ambiental (APA) Estadual das Ilhas de Tinharé e Boipeba.

“Trata-se, portanto, caso seja viabilizado, de um projeto que consolida os processos de privatização, degradação e captura de terras públicas da União, com consequências ambientais e sociais sem precedentes”, destaca a entidade, que reúne instituições públicas de ensino e de pesquisa.

Um dos abaixo assinados críticos ao projeto acumulava mais de 65 mil assinaturas no fechamento da reportagem. Um perfil no Instagram criado pelo movimento de proteção de Boipeba soma por volta de 14 mil seguidores. A ilha tem entre 4,5 mil e 5 mil moradores, estimam fontes locais.

Coordenadora da ong Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé e do Movimento da Juventude Indígena de Rondônia, Txai Suruí lembrou, em sua coluna no jornal Folha de S. Paulo, da situação de Boipeba ao criticar a ocupação desenfreada das praias brasileiras.

Para ela, a “praia não deveria ter classe social, o dinheiro não deveria importar. O mar está aí para todo mundo se banhar. E quem nasceu lá, como indígenas e caiçaras, está sendo expulso, impedido de pescar, de nadar e de estar em seus territórios ancestrais”.

A ativista avalia que a privatização litorânea irá disparar no país caso o Congresso aprove a extinção dos terrenos de marinha e a criação de zonas especiais de turismo na beira do mar, rios e lagoas. Isso “promoverá a destruição ambiental e a insegurança climática”, alerta.

No mesmo jornal, o colunista Guilherme Dias destaca que o projeto em Boipeba agravará o racismo ambiental, “uma vez que os impactos negativos não seriam sentidos por quem chega de helicóptero na ilha, mas pela população historicamente marginalizada e invisibilizada, em sua maioria, negra”.

Público e privado

O Inema da Bahia e a Mangaba Cultivo de Coco remeteram notas com informações a questionamentos sobre o empreendimento. Ambas, todavia, não atualizaram os desenhos do projeto turístico-imobiliário Ponta dos Castelhanos, no sul da ilha de Boipeba.

O órgão público afirma que autorizou o desmate de 2,9 hectares em área livre de espécies ameaçadas de extinção e com Mata Atlântica em regeneração. A lei do bioma permite sua eliminação, em casos específicos. Novos pedidos para desmate podem vir e serão analisados pelo Inema.

Conforme a autarquia estadual, as estruturas licenciadas estão em áreas não protegidas por lei ou já afetadas por ações humanas, como plantações de coco. A ocupação do Morro das Mangabas foi vetada para atender ao Plano de Manejo da APA Tinharé-Boipeba. Confira aqui a íntegra do comunicado.

O governador Jerônimo Rodrigues (PT) disse esta semana que pedirá informações à Secretaria de Meio Ambiente para verificar se “há algo ilegal” na iniciativa. Desde já, declarou que a mesma “está dentro do padrão” e que o Estado exigirá da empresa uma “compensação”, traz o Informe Baiano.

Já a nota da Mangaba Cultivo de Coco descreve que as construções tomarão menos de 2% do imóvel e que o projeto está alinhado à preservação da APA das Ilhas de Tinharé Boipeba. Confira aqui o posicionamento completo.

A empresa diz que o licenciamento inclui 59 condicionantes socioambientais, como centro cultural, equipamentos esportivos, gestão urbana e melhorias no saneamento básico da comunidade de São Sebastião, estação de tratamento de resíduos e capacitação da mão de obra local.

Assegura que ninhos de tartaruga são monitorados, sinalizados e protegidos e, ainda, que serão mantidos caminhos tradicionais ao Rio Catu, aos portos do Almendeiro Grande, da Ribanceira, do Coqueiro e do Campo do Jogador e livre acesso para extrativismo, “respeitando o limite do manguezal”.

Parte da área na ilha de Boipeba onde será implantado o projeto Ponta dos Castelhanos. Foto: Reprodução / WWW

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