Após reportagem do Joio, governo Lula promete revogar norma inconstitucional de Bolsonaro sobre terras indígenas

Funai anunciou que vai derrubar a instrução normativa “que tem aspectos que afrontam garantias aos povos indígenas”

Por Tatiana Merlino, em O Joio e o Trigo

A Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) anunciou que revogará a norma do governo de Jair Bolsonaro que libera exploração agropecuária de terras indígenas por não indígenas. A informação foi uma resposta à reportagem do Joio que expunha que a medida inconstitucional seguia vigente, quase cem dias após o início do mandato de Luiz Inácio Lula da Silva.

“A Instrução Normativa n°. 1 será revista e revogada, pois nela há muitos aspectos que afrontam as garantias fundamentais aos povos indígenas, sobretudo, o artigo que trata de ‘organizações de composição mista de indígenas e não indígenas’”, anuncia a fundação.

Na nota enviada à reportagem, a Funai disse que “a IN será discutida em foro apropriado a fim de se ouvir os principais interessados: as comunidades indígenas. Também serão ouvidos outros órgãos que possuem expertises nessa área, a exemplo do Ibama e do ICMBio. A Funai vislumbra que, com os povos indígenas à frente desse processo, poderemos construir uma base sólida para normatizar o licenciamento ambiental para empreendimentos indígenas”.

Editada em fevereiro de 2021 por Funai e Ibama, a Instrução Normativa Conjunta nº 1 trata de procedimentos a serem adotados no processo de licenciamento ambiental de empreendimentos ou atividades no interior de terras indígenas.

O documento prevê o licenciamento quando o empreendedor é o próprio indígena por meio de associações, organizações de composição mista de indígenas e não indígenas, cooperativas ou diretamente via comunidade indígena. Ou seja, o documento abre espaço para as chamadas “parcerias” com fazendeiros ou empresas, o que é vedado pela Constituição, já que o usufruto dessas áreas é exclusivo dos povos indígenas.

Na nota, a Funai reafirma esse dispositivo da Constituição e afirma que “ toda e qualquer atividade produtiva em Terras Indígenas deve se dar à luz desse entendimento. Todavia a exploração econômica da Terra Indígena pelos próprios Indígenas é um direito e uma demanda dos próprios povos indígenas e deve se dar em concomitância a esses princípios. O licenciamento ambiental de atividades econômicas é uma forma republicana de o Estado fiscalizar, garantido que a atividade econômica preserve o coletivo e não produza impactos significativos ao meio ambiente.”

O movimento indígena havia criticado a manutenção da norma. “A medida deve ser revogada urgentemente pelo atual governo federal”, afirmou, por meio de nota, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). Na nota, a organização indígena lembrou que a norma está presente na lista de sugestões de atos normativos a serem revogados pelo governo, apresentada no relatório final do GT Povos Indígenas do governo de transição, do qual a Apib fez parte.

A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) também se manifestou. Um governo que preza pela democracia, disse, “não deve admitir uma medida eivada de vícios e que desconsidera o direito à consulta e consentimento prévio, livre e informado dos sujeitos que direta e irreversivelmente sofrerão seus impactos”.

A instrução normativa fez parte de uma série de medidas tomadas pelo governo Jair Bolsonaro para favorecer os interesses do agronegócio. No Planalto, a ofensiva teve como ponta de lança a escolha de Marcelo Xavier para a presidência da Funai. Delegado da Polícia Federal, é próximo dos ruralistas e tinha como histórico haver atuado numa CPI contrária à própria fundação. Entusiasta da produção de monoculturas dentro de terras indígenas, o governo Bolsonaro apoiou a criação do projeto “Agro Xavante”, de produção de soja e milho dentro da Terra Indígena Sangradouro, em Mato Grosso, retratado na série de investigações “Os Parceiros do Rio das Mortes”, do Joio.

Criança indígena no acampamento Terra Livre. Foto: Marcelo Camargo /Agência Brasil

 

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