Seis garimpeiros armados passam de lancha e atiram contra os indígenas, na comunidade Oxiu, no momento em que faziam o ritual ‘reahu’
Por Ligia Apel, no Cimi
“Nós, da Hutukara e outras lideranças locais, nós temos assim a análise, já perdemos muito tempo. Agora, a mobilização dos órgãos públicos e o governo federal. Então, para a gente é uma situação que está se agravando, uma situação muito quente agora e agora não é mais assim, atividade garimpo ilegal, agora é atividade de traficantes, de facção, crime organizado”, desabafa Dário Kopenawa, vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami. Dário se referindo ao ataque dos garimpeiros à comunidade Oxiu, na Terra Indígena Yanomami (TIY) ocorrida no dia 29 de abril, quando três jovens indígenas foram alvejados e um deles, o agente de saúde Ilson Xirixana (povo que vive na TI Yanomami), de 36 anos não resistiu e morreu.
Após denúncia da Hurihi Associação Yanomami, pelo seu presidente Júnior Hekurari Yanomami, o ataque ganhou notoriedade na imprensa durante a semana. A Hurihi também acionou as instâncias do governo federal responsáveis pela proteção indígena, enviando a denúncia para a Ministra dos Povos Indígenas (MPI), Sônia Guajajara, à presidente da Fundação dos Povos Indígenas (Funai), Joênia Wapichana, ao superintendente regional do Ministério Público Federal 7º Ofício, procurador Alisson Marugal, Superintendente da Polícia Federal, Ronaldo Guilherme Campos, e à coordenadora da Frente de Proteção Etnoambiental-YY da Funai, Elayne Maciel.
Pedindo celeridade nas investigações, mas também às ações determinadas pela Justiça ainda em janeiro desse ano, a Hurihi, no Ofício enviado às autoridades, relata que esse ataque é mais um dentre outras situações de violência extrema que ainda acontecem no território. “Os povos Yanomami têm enfrentando circunstâncias e situações extraordinariamente penosas para si, causando prejuízos à saúde, patrimônio, à vida e à segurança das suas comunidades, e o resultado é catastrófico, acarretando na dizimação da população”, alerta o documento.
Ratificando a constatação de Hutukara, a Hurihi também alerta para o domínio de facções criminosas que estariam a frente dos ataques. “As narradas vulnerabilidades se tornam mais críticas pelo fato de que algumas regiões ainda habitam invasores, sendo os mesmos integrantes de facção, o que fragiliza ainda mais a segurança da população”, adverte o Ofício.
A reportagem de Fabíola Perez, do dia 03 de maio, no Portal UOL São Paulo, diz que as “ações do Primeiro Comando da Capital, o PCC, e de outras facções criminosas têm sustentado a permanência dos garimpeiros na Terra Indígena Yanomami”, e elenca uma série de fatores que mostram como o narcotráfico age e tem interesse na TIY.
Em resposta à denúncia e a necessidade de imediata resolução, por meio de uma intensificação das ações que já vêm sendo realizadas na região e contribuir para que, imediatamente, cessem os ataques, foi enviada à Boa Vista (RR) uma comissão interministerial composta pelas Ministras Sônia Guajajara, dos Povos Indígenas, Nisia Trindade, da Saúde, do Meio Ambiente, Marina Silva.
Também integraram a comitiva o secretário Nacional de Segurança Pública, Tadeu Alencar, o diretor da Força Nacional, coronel Fernando Alencar e o Diretor de Amazônia e Meio Ambiente da Polícia Federal, Humberto Freire, representando o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), e a coordenadora de gabinete da Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos (SNDH), Érica Meireles, e a coordenadora-geral do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH), Luciana Pivato, representando o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC).
De acordo com a nota das Associações Hutukara e Taner (Texoli Associação Ninam), os relatos dão conta de que as “três vítimas estavam em frente à comunidade no ritual ‘reahu’, no processo de chorar os mortos em cerimônia fúnebre, às margens do Rio Mucajaí, quando um barco com seis garimpeiros passou e fez os primeiros disparos com arma de fogo, em direção ao grupo que participa do ritual. Entre as pessoas estavam várias crianças e mulheres”. A nota também relata que os garimpeiros estariam embriagados e que o armamento que estava em sua posse indica que “um grupo de facção tenha se instalado na região.
A nota ainda revela que “duas pessoas que estavam no barco [dos garimpeiros] são conhecidos dos agentes públicos da Funai e Ibama”, e essas pessoas receberam “autorização para transitar dentro dos garimpos para a retirada de pessoas ilegais”. Porém, essa autorização se expirou. “A autorização do barco venceu em 06 abril quando o espaço aéreo também foi fechado para aviões não autorizados na Terra Yanomami e mesmo assim eles continuam transitando dentro do território”, denuncia a nota da Hutukara.
Indignados e firmes na defesa de suas vidas, “as lideranças indígenas da comunidade Uxiu informaram que se organizaram e estão preparadas para atacar qualquer barco de garimpeiros que passarem próximos às comunidades às margens do Rio Mucajaí”.
No dia seguinte ao ataque aos indígenas, os garimpeiros atacaram as equipes do Ibama e da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e, quatro deles, foram mortos durante o confronto. Essa foi a quarta vez que as equipes são atacadas desde o início de suas ações, em 6 de fevereiro.
No dia 03 de maio, última quarta-feira, os corpos de oito garimpeiros chegaram ao Instituto Médico Legal, em Boa Vista. De acordo com a reportagem de do G1 Roraima, “os corpos foram encontrados numa área de exploração ilegal do minério próximo à comunidade. A suspeita da PF é que as mortes tenham relação com o ataque aos indígenas da comunidade Uxiu”.
Sônia Guajajara, com indignação, analisa que o que está acontecendo em território Yanomami “mais parece uma guerra”, que o território virou “um campo de batalha”, pois “é um querendo se defender do outro. Eles [garimpeiros] veem os indígenas e já vão para cima, e os indígenas reagem para não morrer. A presença das forças policiais e de segurança vai se intensificar para a retirada de todos os garimpeiros”, afirma Sônia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas, em entrevista ao site DW.
Em uma matéria de Beatriz Araújo, que compila os principais fatos da crise humanitária e sanitária na TIY, a plataforma Uol mostra que é possível deduzir que as ações do Plano Emergencial estão caminhando morosamente e que a “lentidão é proposital”, pois, os “Yanomami ainda vivem com fome, covid e malária”, e que o colapso está “potencializado pela crescente do garimpo ilegal na região e denúncias de exploração sexual tem chocado o país. E, embora a emergência tenha entrado para a agenda do governo federal desde janeiro, a força-tarefa voltada para o atendimento à saúde e distribuição de alimentos ainda é insuficiente”, afirma a reportagem.
Junior Hekurari Yanomami, Dario Kopenawa e Gerson da Silva Xiriana, à frente das organizações indígenas que representam os povos que vivem na Terra Indígena Yanomami, ao mesmo tempo que denunciam, fazem mais uma vez um apelo ao Estado brasileiro.
“O mundo está atento a tragédia de saúde e humanitária que o nosso povo ainda vivencia, fazemos mais uma vez um apelo ao governo brasileiro, pedindo providências urgentes para a retirada dos invasores!”, finaliza a nota da Hutukara e Tenam.
E a Urihi, também finaliza seu documento com um apelo e, junto, faz um alerta sobre a obrigatoriedade constitucional do Estado. “Reafirmamos a necessidade dos nossos magistrados de fazer valer a Constituição brasileira sobre os direitos dos povos Yanomami, e a integridade das suas vidas”.
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Foto: Eraldo Peres/AP