“Olga Benário é exemplo de resistência contra o fascismo”

Sobrevivente do nazismo, Anita Prestes lança em Berlim livro sobre a mãe, a revolucionária comunista Olga Benário e fala sobre volta da extrema direita no mundo.

Rayanne Azevedo, na Deutsche Welle

Passados 15 anos desde a sua última visita à Alemanha, a historiadora brasileira Anita Leocádia Benário Prestes, 86, lançou nesta segunda-feira (8/5) em Berlim a edição alemã da biografia de sua mãe, a revolucionária comunista Olga Benário.

Recebida com entusiasmo e reverência pelo público em evento organizado pela Fundação Rosa Luxemburgo, ligada ao partido alemão A Esquerda, Anita emocionou-se diversas vezes ao falar de Olga.

Ícones da luta antifacista, seus pais, Olga Benário e Luiz Carlos Prestes, se conheceram na União Soviética. Enviados ao Brasil em 1935 para organizar uma fracassada tentativa de golpe contra a ditadura de Getúlio Vargas, a dupla acabou presa no ano seguinte.

Sob protesto internacional, Olga – que, além de comunista e judia, estava grávida de sete meses – acabaria entregue aos nazistas pelo governo brasileiro.

Apesar da pressão internacional e dos intensos esforços da família de Prestes para libertar mãe e filha, apenas Anita pôde ser resgatada, em 1938. Olga foi assassinada pelos nazistas em 1942. Já Prestes só sairia da prisão em 1945.
Arquivos da Gestapo revelaram detalhes sobre últimos dias de Olga

Baseado em arquivos inéditos da Gestapo, a polícia secreta nazista, o livro é a tradução revista de obra publicada no Brasil em 2017 sob o título Olga Benário Prestes: uma comunista nos arquivos da Gestapo.

Disponibilizada digitalmente em 2015, a documentação revela detalhes até então desconhecidos dos últimos anos de vida de Olga na Alemanha – como os maus-tratos, castigos e sucessivos interrogatórios a que foi submetida, e o trabalho forçado que ela e outras prisioneiras do campo de concentração em Ravensbrück, quase 100 quilômetros ao norte de Berlim, prestavam para a Siemens.

O rigor dos nazistas era tamanho que, além de reter correspondências, eles chegaram a barrar até mesmo o envio de um livro em português a Olga – um pedido à sogra, mãe de Prestes, para ajudá-la a manter o contato com o idioma. A obra – Iracema, de José de Alencar – nunca chegou às mãos da prisioneira porque a Gestapo considerou seu conteúdo subversivo.

Segundo Anita, a documentação também deixa claro que o tratamento dado à Olga, a manutenção de sua prisão e, por fim, seu assassinato, se deveram muito mais à “firmeza e convicção que ela tinha na luta que travava” do que à sua origem judaica. Para os nazistas, argumenta Anita, a alemã que se recusou a delatar companheiros era, acima de tudo, uma comunista perigosa.

“Se outros se tornaram traidores, eu jamais o serei”, recita Anita, lembrando uma frase frequentemente proferida por Olga ao ser interrogada, e que virou epígrafe do livro. “Às vezes ela ficava dois, três meses em cela, isolada, sendo interrogada.”

México, União Soviética e Inglaterra ofereceram asilo a Olga. A família Prestes, na figura da avó paterna, Leocadia, e da tia, Lygia, empenhavam-se pela sua soltura. “Mas a Gestapo era categórica: Olga era uma comunista, fanática, incorrigível. E ela tinha que delatar os companheiros. Enquanto ela não falasse, ela não saía”, conta Anita à DW.

Fora da Alemanha e sem explicações ou informações concretas, a família se desesperava. As cartas redigidas por Olga, sob vigilância e censura constante dos nazistas, não forneciam nenhuma pista.

Sem notícias da filha

Sob pressão internacional, os nazistas aceitaram entregar Anita à família em 1938. O que ela só foi saber quase 80 anos depois, com a liberação dos arquivos da Gestapo, é que também nesse ponto os burocratas nazistas foram especialmente cruéis com Olga.

“Os advogados pediram que ela pelo menos visse que eu estava sendo entregue à família do meu pai. Pediram isso encarecidamente. E não foi permitido”, relatou Anita à plateia em Berlim.

O receio da Gestapo, afirma, é que Olga enviasse alguma mensagem secreta pela roupa da criança. “Havia diretivas explícitas para que ela de maneira nenhuma soubesse para onde estava indo a criança. Daí a grande tensão a que ela foi submetida. Ela ficou vários dias sem saber se eu não tinha sido entregue para um orfanato nazista, que era o destino habitual dessas crianças que nasciam de pais comunistas ou judeus que estavam presos.”

Em uma carta a Prestes na prisão, relata Anita, Olga descreveu aqueles como os piores dias de sua vida.

Apesar do horror, Anita diz que cresceu sabendo que os pais não queriam que ela fosse educada para ser uma vítima, e sim entender que ambos estavam felizes porque tinham a consciência da justiça pela qual lutavam.

“Olga é um exemplo de que é possível resistir contra a repressão e o fascismo. Não era só ela. Nos campos de concentração, naquelas condições assustadoras, terríveis, o pessoal resistia.”

Preocupação com extrema direita e esquerda desmobilizada

O lançamento do livro em Berlim coincidiu com o Dia da Libertação, data em que a Europa celebra a capitulação da Alemanha nazista na Segunda Guerra Mundial (1939-1945) – nascida em 1936 na prisão feminina da Barninstrasse, em Berlim, Anita é ela própria uma sobrevivente do Terceiro Reich.

Comunista convicta, a historiadora diz ver com preocupação a ascensão da extrema direita ao redor do mundo, fenômeno que associa à crise do capitalismo e à crescente concentração de renda. “Nesses momentos de crise, quando o capital [financeiro] vê que está com dificuldade de controlar a situação, aí apela para o fascismo. Foi assim nos anos 1930 e o perigo existe, está aí”, afirma.

Quanto ao Brasil, ela se diz pouco otimista e critica a falta de organização popular, que atribui à herança escravagista do país. Sem um processo de conscientização e mobilização, continua, o risco é voltar a eleger alguém como o ex-presidente Jair Bolsonaro em 2026.

“O máximo que acontece hoje é: o Lula mobiliza um ato público, vai uma porção de gente que aplaude, e depois volta todo mundo para casa. Daquilo ali não sai uma organização”, critica.

Ao falar à plateia em Berlim, a professora aposentada da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) também opinou sobre as pautas identitárias. “O problema é que eles ficam cada um no seu nicho e não adquirem força para mudar a situação”, avalia. “O capitalismo é o causador de todos esses problemas, daí a necessidade de lutar pelo poder e da unificação de todas essas lutas, que são importantes por si, mas perdem seu valor se ficarem isoladas.”

Ela também criticou a ausência de uma cultura da memória no Brasil, citando a anistia a torturadores e o incômodo entre os militares com a Comissão da Verdade, instaurada durante o governo de Dilma Rousseff.

Em agosto do ano passado, a ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Cármen Lúcia chegou a defender que a corte pedisse perdão pelo chancelamento à deportação de Olga Benário.

Indagada sobre o caso, Anita reagiu com descrença, lembrando as torturas e desaparecimentos durante a ditadura militar (1964-1985). “Não sei até se já se esqueceram [do assunto no STF]”, desconversou. “Acho muito pouco provável que alguém vá pedir desculpas. A tradição no Brasil é de nunca punir os torturadores e criminosos.”

Foto: A historiadora Anita Leocádia Benário Prestes durante lançamento de livro em Berlim
Foto: Rosa-Luxemburg-Stiftung

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