O “Coletivo Pelos Povos do Abacaxis”, composto por 17 organizações da sociedade civil, divulgou o manifesto “Massacre do Abacaxis: uma operação de extermínio”, na quarta-feira (17)
O “Coletivo Pelos Povos do Abacaxis”, que tem a participação de 17 organizações da sociedade civil, entre elas o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), divulgou, nesta quarta-feira, 17.05, o manifesto “Massacre do Abacaxis: uma operação de extermínio”, durante entrevista coletiva realizada na Cúria Metropolitana de Manaus, no Centro da capital do Amazonas. A carta é um pedido de justiça pelos crimes cometidos, em 2020, por integrantes, à época, da alta cúpula de segurança do Estado, contra os povos que habitam os rios Abacaxis e Mari-Mari, nos municípios de Nova Olinda do Norte e Borba (distante 135 km de Manaus).
A ação criminosa resultou na morte de seis pessoas, sendo dois indígenas da etnia Munduruku e quatro ribeirinhos, além de dois desaparecidos, dezenas de pessoas torturadas e uma série de violações aos direitos humanos.
“Após três anos de investigações da PF, apenas duas pessoas foram indiciadas, suspeitas de serem mandantes dos crimes”
Após três anos de investigações da Polícia Federal (PF), apenas duas pessoas foram indiciadas, no último dia 28 de abril, suspeitas de serem mandantes dos crimes: o ex-secretário Segurança-Pública do Amazonas, coronel Louismar Bonates, e o coronel da Polícia Militar Airton Norte. Ao todo, cerca de 130 policiais, entre civis e militares, suspeitos de participar das ações, são investigados.
A carta pública do Coletivo reconhece a relevância dos indiciamentos, “por entender que a mão da justiça começa a tocar as comunidades” da região, porém, ressalta a necessidade de identificação e responsabilização dos demais envolvidos nos crimes. As organizações pedem o mesmo empenho na elucidação dos casos dos assassinatos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico (2022), e do servidor da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) Maxciel Pereira dos Santos (2019).
“Coletivo reconhece a relevância dos indiciamentos, porém ressalta a necessidade de identificação e responsabilização dos demais envolvidos nos crimes”
Interferência nas investigações
O manifesto denuncia a existência de uma “manobra maliciosa” para retirar o atual delegado da PF da condução do inquérito do Massacre do Abacaxis, que também está à frente do caso de Bruno e Dom. Outros seis delegados e diversos juízes já passaram pelo comando das investigações. A possibilidade de nova mudança ganhou força após os primeiros indiciamentos dos acusados, no final de abril deste ano.
“Repudiamos e denunciamos as manobras que objetivam esvaziar a continuidade da investigação e privilegiar a impunidade e a injustiça. Como Coletivo que acompanha o caso desde o início, clamamos ao Ministério da Justiça e à Polícia Federal que mantenha a equipe atual nas investigações, forneçam todas as condições para que sigam com seus trabalhos, para que as investigações sejam finalizadas com o indiciamento de todos os envolvidos, sem novas interferências e com imparcialidade, até a sua conclusão”, diz um trecho da carta.
“Denuncia a existência de ‘manobra maliciosa’ para retirar o atual delegado da PF da condução do inquérito do Massacre do Abacaxis, que também está à frente do caso de Bruno e Dom”
O professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e integrante do coletivo, Thiago Maiká Schwade, afirmou que a tentativa de trocar o comando das investigações foi, de fato, cogitada. Entretanto, ele ressalta que a chance foi descartada. Maiká pede que os órgãos que conduzem o caso permaneçam alinhados nessa conduta, a fim de que os crimes sejam elucidados o mais breve possível.
“[Sobre a troca] Foram rumores muito fortes que nos chegaram. Me parece que a troca foi revertida. É importante que o Ministério da Justiça e a Polícia Federal mantenham essa postura, nós não vamos aceitar que pela sétima vez seja trocado o delegado”, disse. “Já se passaram quase três anos e a gente ainda não tem ninguém que tenha sido efetivamente apresentado à Justiça, julgado e condenado na forma da lei”, complementa.
“Já se passaram quase três anos e a gente ainda não tem ninguém que tenha sido efetivamente apresentado à Justiça, julgado e condenado na forma da lei”
Insegurança
O Coletivo expõe ainda que, após as operações policiais de 2020, invasões de garimpeiros, intimidações, ameaças e agressões têm se tornado frequentes na região, o que já resultou, inclusive, na queima de uma aldeia indígena, ocasionando diversos prejuízos, traumas e inseguranças para os habitantes. O manifesto solicita o cumprimento da decisão judicial que determina a implantação de uma base móvel da PF na região do rio Abacaxis, porém, que ainda não foi cumprida.
Representando a Arquidiocese de Manaus, o cardeal Dom Leonardo Steiner enfatizou a necessidade de identificar outros envolvidos no massacre. Para ele, os órgãos atuantes nas investigações precisam estar cientes que o caso continua, mesmo após três anos, sendo acompanhado e a população aguarda justiça por todos aqueles que sofreram com a ação criminosa.
“Coletivo expõe que após as operações policiais de 2020, invasões de garimpeiros, intimidações, ameaças e agressões têm se tornado frequentes na região, ocasionando traumas e inseguranças”
“O Coletivo, ao fazer essa publicação, deseja que a sociedade participe ativamente do andamento que está sendo dado e, também, que a Justiça perceba que dentro da sociedade existe esse movimento de acompanhamento. Há necessidade de se fazer justiça. As duas pessoas indiciadas não foram as únicas, como todos nós sabemos. Teve um efetivo, que foi para a região e foi comandado. Quem matou mesmo? É preciso chegar a essa conclusão”, argumenta o cardeal.
Participando da coletiva nesta quarta, o integrante da equipe de apoio aos Povos Livres do Cimi, Francisco Loebens, acredita que, após os primeiros indiciamentos, é importante chamar a atenção da população e das autoridades para o caso, para que as investigações, bem como o resultado delas, possam ocorrer com mais celeridade, a fim de que haja justiça, em razão da proporção da violência praticada contra os povos indígenas e ribeirinhos.
“Há necessidade de se fazer justiça. As duas pessoas indiciadas não foram as únicas, como todos nós sabemos”
“É importante que esse caso seja resolvido e os responsáveis pelos crimes sejam efetivamente punidos, até para resgatar a credibilidade da própria polícia no seu papel de segurança pública. O que a polícia levou para lá [região dos crimes] foi insegurança para a população. Por isso, a nossa insistência que tenha uma base móvel da Polícia Federal na região. Isso se faz extremamente importante, para que as pessoas voltem a se sentir seguras”, destaca Loebens.
Organizações que integram o Coletivo
Associação de Mulheres Indígenas do Alto Rio Negro Residentes em Manaus (AMARN)
Casa da Cultura do Urubuí (CACUÍ)
Comissão Pastoral da Terra Regional Amazonas (CPT-AM)
Comissão Pastoral da Terra Nacional (CPT)
Conselho Indigenista Missionário (CIMI)
CRB Regional Amazonas e Roraima
Espaço Feminista URI HI
Fórum de Educação Escolar e Saúde Indígena do Amazonas (FOREEIA)
Fórum Permanente das Mulheres de Manaus – FPMM
Frente Amazônica de Mobilização e Defesa dos Direitos Indígenas (FAMDDI)
Grupo de pesquisa Planejamento e Gestão do Território na Amazônia – Dabukuri
Movimento de Mulheres Negras da Floresta – DANDARA
Organização de Mulheres Indígenas Mura de Autazes (OMIM)
Organização de Lideranças Mura de Careiro da Várzea (OLMCV)
Rede um Grito pela Vida
Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental (SARES)
Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB)
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28º Grito dos Excluídos, em Manaus, pelos dois anos de impunidade do massacre do rio Abacaxis. Registros de 2022. Foto: Ligia Apel / Cimi Regional Norte I